O globo, n.31388, 15/07/2019. Economia, p. 16

 

Cenário de juros menores impõe busca por mais risco 

Rennan Setti 

15/07/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Após mudanças na Previdência, especialistas recomendam aplicações em ações, fundos multimercado e crédito privado

A aprovação da reforma da Previdência no primeiro turno da Câmara, na sexta-feira, deve acentuar o ritmo de queda dos juros, empurrando ainda mais os investidores para aplicações de maior risco, dizem especialistas. Já há economistas prevendo que, como aval à reforma, a taxa básica Selic, hoje em 6,5%, possa cair a 5% este ano, espremendo os ganhos da renda fixa tradicional e estimulando investimentos em ações, fundos imobiliários e multimercado e até dívida corporativa. A migração exigirá do aplicador uma seletividade até então rara em um país onde, pouco tempo atrás, lucrava-se 1% ao mês sem correr riscos, e 88% dos brasileiros investem em poupança.

O impacto da reforma sobre o cenário de investimentos está ligado à economia de cerca de R $900 bilhões em dez anos que deve proporcionar. Segundo Alexandre Espírito Santo, economista da Órama, isso atenuaria o peso da dívida pública sobre o PIB, dando ao Banco Central maior liberdade para reduzir juros sem gerar inflação ou comprometer o interesse de investidores internacionais pelo Brasil.

Por causa da lentidão da economia, o BC vinha sendo pressionado pelo mercado a cortar os juros, mas argumentava, em seus comunicados, que isso só poderia ser feito após a aprovação da reforma. Com essa perspectiva cada vez mais concreta, os investidores passaram a dar como certa a queda da Selic. Para Renato Junqueira, da Gap Asset, é possível que o Brasil tenha juros reais (descontada a inflação) perto de zero já em 2020.

Esse cenário torna difícil encontrar boas oportunidades no Tesouro Direto, programa que permite a compra de títulos públicos por pessoas físicas pela internet e é hoje o queridinho dos investidores. Isso porque o retorno desses papéis acompanha a redução tanto da Selic como dos juros futuros, que reagem à projeção para a taxa básica nos próximos anos.

TESOURO MENOS ATRAENTE

Como o mercado já esperava que a reforma da Previdência fosse aprovada, os juros futuros vinham caindo. Em setembro passado, por exemplo, os contratos futuros para 2025 estavam em 12,5%. Esta semana, já haviam caído para 6,8%. Com isso, a rentabilidade do Tesouro Direto despencou. Hoje, o título indexado à inflação com vencimento em 2024 paga juros de 2,74% mais a variação do IPCA. No começo do ano, pagava juros de 4,37%.

Segundo Rodrigo Franchini, da assessoria de investimentos Monte Bravo, é pouco provável que essas taxas caiam mais —o que permitiria ao investidor lucrar com a venda do papel antes do vencimento, já que estaria abrindo mão de um título mais rentável emitido no passado. Para Franchini, isso só deve ocorrer com os títulos de vencimento muito distante, como 2035, cujos juros demoram mais a cair devido à incerteza frente a um período tão longo.

Ou seja: quem quiser ampliar seu patrimônio terá de buscar alternativas mais arriscadas. Para Patrick O’Grady, diretor executivo da gestora digital Vitreo, é possível se expor a mais risco em todos os tipos de investimento. Na renda fixa, por exemplo, ele prevê migração para debêntures (títulos de dívidas) emitidos por empresas com classificação de risco pior, que pagam mais.

Espírito Santo, da Órama, chama atenção para as debêntures incentivadas, que financiam projetos de infraestrutura e são isentas de imposto. Já Junqueira cita os fundos que concentram títulos emitidos por empresas, os chamados títulos de crédito privado.

—Entre os fundos, a categoria que tem mais capturado esse fluxo é a dos multimercados (que têm maior liberdade para alocar recursos e miram em rentabilidade bem acima da Selic) — diz O’Grady. — Com nossa história de juros altos, a maior parte das pessoas aplica com risco menor do que permite seu perfil. No futuro, será comum que apenas 15% da carteira do cliente estejam em aplicações de baixíssimo risco.

Outro destino é a Bolsa, que tende a subir com a queda de juros, em parte porque o estímulo econômico costuma turbinar os resultados das empresas. Na semana passada, o Bank of America reafirmou sua previsão de que a Bolsa encerrará o ano aos 120 mil pontos —ou 15,4% acima do nível atual. Entre as ações, O’Grady antecipa que os investidores trocarão papéis considerados defensivos — como os de empresas boas pagadoras de dividendos, caso das distribuidoras de energia — pelos de companhias de perfil arrojado, como as small caps (empresas menores, fora do Ibovespa).

Também se destacam os fundos de investimento imobiliário (FII). Isentos de Imposto de Renda para pessoas físicas, os FIIs compram imóveis — residenciais, comerciais ou espaços em shoppings e galpões —e distribuem aos cotistas a renda dos aluguéis.

O patrimônio desses fundos saltou 27% em maio, na comparação anual, para R$ 102,1 bilhões. O índice Ifix, que reúne FIIs listados na Bolsa, subiu 22,4% em um ano. Mas, diz Franchini, tudo depende da retomada do crescimento:

— Só aprovar a reforma da Previdência não adianta. É preciso ter uma proposta de crescimento, e ele não virá rápido. Não dá para dizer que o PIB do ano que vem vai crescer 2,5%. Não funciona assim.