Correio braziliense, n. 20481, 18/06/2019. Brasil, p. 6

 

Igreja Católica pode ter padres casados

Rafaela Gonçalves

18/06/2019

 

 

Permissão, que seria restrita à Amazônia, vai ser discutida durante o Sínodo dos Bispos, em outubro, como forma de suprir a carência de sacerdotes na região. Documento do Vaticano sugere também a criação de um ministério especial para mulheres

O Vaticano divulgou ontem o documento preparatório para o Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia, a ser realizado em outubro, que abre as portas para a ordenação como padres, nas zonas remotas da região, de homens leigos casados. De acordo com o texto, a medida seria aplicada preferencialmente a “idosos, preferivelmente indígenas, repeitados e aceitos por sua comunidade, ainda que já tenham uma família constituída e estável”.

Se for aceita pelo Sínodo, que terá lugar em Roma, a medida revolucionará o dogma católico do celibato, ainda que a intenção seja aplicar a novidade apenas à Amazônia, onde é notória a carência de sacerdotes. Mas o documento vai além, e também sugere a criação uma espécie de ministério oficial para as mulheres da região.

A proposta do Vaticano foi elaborada após consultas a católicos na região amazônica. Embora limitada, esta é a menção mais direta que possibilita o sacerdócio de homens com famílias já constituídas. A ideia é estender o sacerdócio aos chamados “viri probati”, homens casados, de fé comprovada e capazes de administrar espiritualmente uma comunidade. Hoje, eles podem apenas exercer a função de diáconos, parte de um dos ministérios da Igreja Católica.

O presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), arcebispo de Porto Velho e membro do Conselho Pré-Sinodal, Dom Roque Paloschi, aponta a proposta como um passo significativo para aproximar a Igreja da população. “O Papa se encontrou com os vários povos amazônicos, e se estabeleceram as coordenadas de trabalho, que convida a Igreja para ser companheira da realidade da região. Não existem respostas prontas, estão sendo construídas. É uma opção importante que não perde a essência da missão e sim nos aproxima do povo”, disse.

Dom Roque Paloschi defende a medida como uma ação para que a Igreja não vire as costas aos apelos da população. “Tudo é um processo. Agora, vão retomar a discussão em outubro com os representantes e tomar as decisões esperadas dentro do que é possível. Reconhecemos também o protagonismo das mulheres na vida e na missão, no desafio de responder a essa necessidade”, considerou.

A declaração a respeito dos cargos para as mulheres não é detalhada, mas propõe um papel mais destacado a elas. Apesar de o Papa Francisco ter afirmado, em 2016, que a proibição de mulheres se tornarem padres é para sempre, no fim do mês passado, pela primeira vez foram nomeadas mulheres para ocuparem cargos na secretaria-geral do Sínodo.

Modernização

O sociólogo e professor do Instituto Federal de Brasília Pedro Isaac vê a sinalização como o passo mais claro nos últimos anos para uma mudança estrutural na Igreja Católica. “Desde o Concílio Vaticano II, não havia nada que pudesse provocar profunda modificação, colocando em questão dois pontos muito importantes: o celibato e o protagonismo feminino. Isso responde a uma mudança na própria sociedade, no aspecto de valores, respondendo à necessidade de adequação e modernização.”, analisou.

“É colocada em questão a necessidade de renovação da vocação sacerdotal, no sentido de que provavelmente o Vaticano vem percebendo uma dificuldade na reiteração dos sacerdotes. A questão das mulheres também é um salto, tendo em vista que elas são mais presentes e participantes em várias vocações dentro da Igreja. Essa possibilidade de hierarquização caminha na direção de um processo de aproximação com o povo”, afirmou Isaac.

O Sínodo, assembleia que reúne todos os bispos da Igreja Católica, tem como função ajudar o pontífice a governar a Igreja, podendo sugerir orientações que podem ser transformadas em lei. O encontro de outubro deverá formular diretrizes para a região amazônica, que compreende parte do Brasil, da Bolívia, do Peru, do Equador, da Colômbia, da Venezuela, da Guiana, do Suriname e da Guiana Francesa.