O Estado de São Paulo, n. 45959, 17/08/2019. Política, p. A6

 

Grupo discute criar o 'juiz de garantias'

Renato Onofre

17/08/2019

 

 

Deputados propõem que magistrado responsável pela instrução penal não seja o mesmo que julgue; medida é vista como reação a Moro

Deputados do grupo de trabalho que analisa o pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro, vão propor que o juiz responsável por determinar prisões provisórias ou quebras de sigilo no início de investigações não seja o mesmo que vai julgar o caso no final. A medida é vista como uma reação a Moro, que teve sua imparcialidade no julgamento das ações da Lava Jato questionada após a divulgação de supostas mensagens hackeadas de integrantes da força-tarefa em Curitiba.

Os parlamentares querem introduzir no Código de Processo Penal a figura do “juiz de garantias”, que conduziria a fase inicial de instrução, cabendo a ele determinar prisões, quebras de sigilo ou libertações em inquéritos e flagrantes. Após a apresentação da denúncia, o caso passaria a ser conduzido por outro juiz, responsável pelo julgamento.

A proposta tem apoio da maioria do colegiado. Segundo a deputada Margarete Coelho (PP-PI), que preside o grupo, a medida tem como objetivo reduzir a “contaminação” do juiz na hora do julgamento. “Quando você tira o juiz das fases iniciais, você minimiza a possibilidade de ele estar contaminado quando chegar a hora do julgamento, sem a imparcialidade desejada”, disse ela.

A discussão da proposta não é inédita no Congresso, e voltou agora, após a publicação de supostos diálogos entre o ex-juiz e integrantes da Lava Jato. A reforma do Código de Processo Penal, aprovada no Senado em 2010, criou a figura do “juiz de garantias”. Um substitutivo foi elaborado pela Câmara, mas a tramitação foi interrompida pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que criou uma comissão especial para analisar o projeto em março deste ano.

Ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça e ex-corregedor do Conselho Nacional de Justiça, Gilson Dipp é favorável à criação da figura jurídica, mas vê dois problemas. O primeiro é que a estrutura brasileira não comporta a medida. “Existem, hoje, centenas de cidades sem um juiz. Vemos magistrados cuidando sozinhos de 20 comarcas.” Dipp afirmou ainda que a medida não pode ser feita como retaliação. “A discussão não pode ser contaminada por uma questão política”, afirmou ele, em referência à Lava Jato.

Em São Paulo, o Tribunal de Justiça do Estado adota modelo similar desde que criou o Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo) no Fórum Criminal da Barra Funda. Os juízes lotados no Dipo são responsáveis por analisar pedidos de prisão e outras medidas cautelares. Quando o Ministério Público decide apresentar a ação penal, o caso vai para uma vara criminal.

“O maior ganho que se tem é que não há a vinculação do julgamento com os atos de instruções do processo”, afirmou o criminalista do Daniel Bialski.

Derrotas. Com sucessivas derrotas no grupo de trabalho que analisa o pacote anticrime, Moro articula um nome para relatar a proposta no plenário. Ontem, Maia prorrogou por mais 30 dias os trabalhos do grupo. “Vamos trabalhar para resgatar o projeto original no plenário. A Frente Parlamentar de Segurança Pública é a maior da Casa e quer manter a relatoria da proposta”, afirmou o deputado Capitão Augusto (PL-SP).

Os parlamentares vão discutir na terça-feira a proposta de excludente de ilicitude (que livra de condenação o policial que reagir e matar durante um confronto) e de criação do banco genético criminal. As duas medidas devem ser rejeitadas.

- ‘Contaminado’

“Ao tirar o juiz das fases iniciais, você minimiza a possibilidade de ele estar contaminado na hora do julgamento.”

Margarete Coelho

DEPUTADA (PP-PI)

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Parecer da Justiça sugere nove vetos á Lei de abuso de autoridade

Breno Pires

17/08/2019

 

 

Parecer elaborado pela área técnica do Ministério da Justiça, comandado por Sérgio Moro, indica a necessidade de veto a nove artigos no projeto que trata da lei de abuso de autoridade aprovado nesta semana pela Câmara. No documento, o ministério afirma ver elementos que podem “inviabilizar” investigações da Polícia Federal e do Ministério Público.

Entre os artigos questionados, está o 9.º, que prevê punição ao magistrado que decretar prisões provisórias “em manifesta desconformidade com as hipóteses legais”. Segundo o parecer, caso incluído na lei, o trecho “elimina a discricionariedade do magistrado”.

O ministério também aponta subjetividade na interpretação do artigo 13, que trata sobre constrangimento de presos, que pode “prejudicar o exercício da atividade policial”. “Levado ao extremo, esse dispositivo pode afastar a obrigação legal de o preso fornecer impressões digitais”, diz o parecer.

O documento foi enviado aos líderes do Congresso antes da votação da proposta, na quarta-feira. O texto aprovado, porém, não foi alterado. O presidente Jair Bolsonaro afirmou que ainda avalia possíveis vetos ao texto.

Em entrevista ontem, porém, Bolsonaro criticou a possibilidade de punir um policial que algemar alguém que não demonstre resistência no ato da prisão. “Se o cara vier a algemar alguém de forma irregular, tem uma cadeia para isso. Isso não pode existir. O resto a gente vai ver”, disse o presidente.

Bolsonaro afirmou que, independentemente da decisão que tomar, vai levar “pancada”. “Vetando ou sancionando, ou vetando parcialmente, o tempo todo eu vou levar pancada. Não tem como. Vou apanhar de qualquer maneira”, disse.

Bolsonaro está sofrendo pressão do Ministério da Justiça, de parlamentares e de entidades para vetar alguns trechos do texto, que é visto como uma reação do mundo político à Lava Jato, pois dá margem para criminalizar condutas que têm sido usadas em investigações no País.