O Estado de São Paulo, n. 45960, 18/08/2019. Economia, p. B3

 

Ricos ficam com 40% de deduções da educação

Idiana Tomazelli

Adriana Fernandes

18/08/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Secretário da Receita admite que governo estuda fixar um teto para despesa médica

Mais da metade das deduções de gastos com saúde do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) é concedida a contribuintes que ganham acima de dez salários mínimos ao mês. Levantamento feito pelo ‘Estadão/Broadcast’ a partir de dados da Receita Federal mostra que os 19,7% mais ricos entre os declarantes abateram R$ 44,4 bilhões em despesas com saúde na declaração de 2018, que considera os rendimentos obtidos no ano anterior. O valor é 56% do total da isenção. Na educação, esse também é o grupo mais contemplado pelo benefício.

A lei hoje não estabelece nenhum teto para deduções de despesas médicas da base de cálculo do Imposto de Renda. Como geralmente é a população de maior renda que tem mais acesso a serviços médicos particulares, ela é a maior contemplada, ao conseguir abater a totalidade dos gastos. Na prática, no entanto, o benefício tributário acaba sendo usado irregularmente até mesmo para procedimentos estéticos, como aplicação de botox.

O secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, admitiu neste mês que o governo estuda fixar um teto para as deduções médicas, mas não adiantou valores. “Hoje existe um benefício excessivo a famílias de alta renda, que usam medicina particular e não usam o SUS. O grosso da população usa o SUS e não tem nenhuma dedução. Vamos estabelecer um teto que seja justo e não dê excesso de privilégios e benefícios àqueles que não precisam”, disse.

O limite para a dedução existe no caso dos gastos com educação – é possível abater até R$ 3.561,50 por dependente. Mesmo assim, a política também beneficia mais a alta renda. Segundo os dados da Receita, quem ganhou acima de R$ 9.370 mensais (equivalente a dez salários mínimos em 2017) descontou R$ 8,6 bilhões em despesas com educação, ou 40% do total.

O economista José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), afirma que uma mudança no IRPF deveria vir acompanhada de uma revisão integrada na tributação sobre a folha de salários e também sobre o lucro das empresas. Isso porque os mais ricos do País que estão no setor privado já deixaram de ser pessoas físicas perante o Fisco, recolhendo tributos como pessoa jurídica, em condições mais favoráveis.

Segundo os dados do IRPF 2018, o 1,1% mais rico entre os declarantes recebeu R$ 414,7 bilhões isentos de qualquer tributação – quase metade da renda livre, que somou R$ 908,1 bilhões. Boa parcela vem do recebimento de lucros e dividendos, mas não exclusivamente. Benefícios pagos a servidores públicos, como auxílio-moradia, também ficam livres do imposto.

Afonso lembra que parcela crescente dos brasileiros de alta renda e até mesmo de média e baixa renda recebem hoje como autônomos, microempresários ou microempreendedores. Nesses casos, os dividendos são isentos de IRPF, mas os contribuintes também perdem o direito às deduções legais. “O raciocínio simplista do governo e da maioria dos debatedores é que precisamos incluir essa renda de lucros e dividendos na tabela progressiva, mas esquecem que isso permitirá a esses contribuintes passar a fazer deduções iguais às dos contribuintes já incluídos”, explica.

O economista avalia ainda que tributar lucros e dividendos, embora seja uma opção, pode estimular a prática de declarar despesas sociais na conta da pessoa jurídica, dificultando a fiscalização. Também haveria incentivo às empresas a reter os lucros.

Isenções. Além de limitar as deduções médicas, o presidente Jair Bolsonaro também tem pressionado a Receita Federal para ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda, hoje limitada a rendimentos de até R$ 1.903,98. O desejo do presidente é aumentar o limite para R$ 5 mil mensais para honrar uma promessa de campanha. Com isso, mais pessoas ficariam livres do tributo sobre seus salários.

O maior entrave a essa ampliação da faixa de isenção do IR é a consequente perda de R$ 40 bilhões em arrecadação, dinheiro do qual o governo não pode abrir mão em um momento de restrição fiscal.

Além disso, há na equipe econômica uma ala que prefere não misturar o debate da mudança no Imposto de Renda com a reforma tributária que tramita no Congresso Nacional e unifica os tributos que incidem sobre o consumo, como PIS/Cofins e IPI. A avaliação desse grupo é a de que não é o momento de mexer no IR, até porque há ainda o risco de o Congresso tomar para si a dianteira também desse debate, a exemplo do que ocorreu com a reforma tributária. Já existem hoje diversos projetos de lei que buscam alterar o IR e elevar as faixas de isenção.

Numa tentativa de aceno ao desejo do presidente, mas sem comprometer tanto as contas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem sinalizado com a correção da atual tabela do Imposto de Renda pela inflação. Seria o primeiro ajuste desde 2015.

O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (Sindifisco) calcula que há hoje uma defasagem média acumulada de 95,46% na tabela do IRPF, devido a anos de reajuste zero ou abaixo da inflação.

Benefício excessivo

“Hoje existe um benefício excessivo a famílias de alta renda, que usam medicina particular. O grosso da população usa o SUS e não tem nenhuma dedução.”

Marcos Cintra

SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL