Correio braziliense, n. 20482, 19/06/2019. Política, p. 2

 

Senado derruba decreto das armas

Augusto Fernandes

Jorge Vasconcellos

19/06/2019

 

 

Poder » Apesar da pressão do governo, plenário da Casa rejeita, por 47 votos a 28, o documento do Executivo que flexibiliza as regras para o porte de armamentos. Jair Bolsonaro diz esperar que Câmara reverta a decisão

O governo federal está a um passo de ver uma das bandeiras de Jair Bolsonaro ser derrubada pelo Congresso. Ontem, por 47 votos a 28, o Senado se manifestou contra o decreto assinado pelo presidente que flexibiliza as regras para o porte de arma de fogo. A Casa optou pela anulação do documento, apresentado pelo chefe do Planalto no mês passado. Hoje, o parecer será apreciado na Câmara. Caso também seja derrubado pelos deputados, perderá a validade.

A sessão no plenário se estendeu por quase quatro horas. Durante a votação, 10 senadores tiveram a oportunidade de discursar contra o texto e 10, a favor. Segundo os parlamentares contrários, a proposta representa um risco para o aumento da criminalidade no país.

“O decreto, ao flexibilizar as regras de porte e aquisição de armas e munições aos colecionadores, atiradores e caçadores, põe em risco a segurança de toda a sociedade e a vida das pessoas, sem amparo científico sobre a medida, indo de encontro à construção de uma sociedade solidária”, frisou Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição no Senado e autor do projeto de decreto legislativo que susta o texto de Bolsonaro.

Ontem, muitos senadores defenderam que o Executivo crie um projeto de lei em conjunto com o parlamento. “O Congresso é o local adequado para se realizar qualquer alteração no que diz respeito ao porte e à posse de armas de fogo, uma vez que está havendo criação de direitos. Tal medida burla claramente o princípio constitucional da reserva legal e da separação dos Poderes. O voto não foi apenas de sim ou não às armas mas, também, à democracia”, acrescentou Rodrigues.

Apoio

Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) disse que a Casa “deu uma demonstração de maturidade política e da grandeza de homens e mulheres que representam a Federação”. Ele defendeu que os Três Poderes construam um texto de consenso em cima do tema da flexibilização das regras envolvendo o porte, a posse e a comercialização de armas de fogo e munições.

Na sessão, senadores contrários e favoráveis ao decreto relataram ter sofrido ameaças e serem perseguidos nas redes sociais nos últimos dias. Alcolumbre condenou os ataques e disse que não vai virar as costas para o parlamento.

Pedido

O apelo de Bolsonaro feito antes da votação, para que o projeto não “morresse” no Senado, foi insuficiente para convencer a Casa. Após a confirmação do resultado, o presidente utilizou as redes sociais para fazer outro pedido, desta vez aos deputados. “Esperamos que a Câmara não siga o Senado, mantendo a validade do nosso decreto, respeitando o Referendo de 2005 e o legítimo direito à defesa”, escreveu.

O assessor de relações institucionais do Instituto Sou da Paz, Felipe Angeli, disse estar feliz com o resultado. “Sinto muita alegria em ver que a ordem constitucional foi restabelecida, como destacado aqui pelos senadores. O Senado discutiu a matéria, com transparência, abrindo espaço para opiniões diferentes, com espírito democrático. É assim que deve ser feito, e não fazendo decretos na calada da noite ou na madrugada para estender o porte de armas para 20 milhões de pessoas”, afirmou.

Presente à sessão plenária, Angeli ressaltou que o Instituto Sou da Paz fez uma ampla mobilização contra o decreto do governo, pois sempre defendeu a implantação de uma política responsável sobre armas e munições no país. “Existe um consenso nacional e internacional sobre o aumento das mortes violentas como resultado da ampliação do acesso às armas. Isso é comprovado por várias pesquisas no Brasil e no exterior, publicadas nas mais respeitadas revistas científicas do mundo”, destacou. “No Brasil, o Estatuto do Desarmamento foi sancionado em 2003. Nos 14 anos anteriores à sanção, as mortes por armas de fogo aumentavam, em média, 4,9% por ano. Nos 14 anos posteriores, esse índice caiu para 0,8%.”

Por sua vez, o advogado criminalista e professor universitário Víctor Minervino Quintiere ressaltou que o decreto deveria ser derrubado pelo fato de se sobrepor ao Estatuto do Desarmamento. “Esse decreto exorbita a mera regulamentação do tema. Além disso, a circulação de armas não garante diminuição da violência”, frisou ele, que também é membro do Instituto dos Advogados do Distrito Federal (IADF).

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Onyx: "Direito da sociedade"

Hamilton Ferrari

19/06/2019

 

 

O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, comentou a derrota do governo no Senado, que barrou o decreto de armas. Segundo ele, cada dia “há uma batalha”, e o Executivo vai tentar reverter a decisão na Câmara. “O Congresso são duas Casas. Lá no Senado, teve uma leitura. Eu insisto que não há nenhuma inconstitucionalidade no decreto do presidente Jair Bolsonaro. O que tivemos lá no Senado foi uma questão de mérito”, argumentou. “O decreto vem para cá (Câmara). Vai haver o debate na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), no plenário. A gente espera conseguir reverter aqui”, emendou.

Mais cedo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que vê fragilidades no decreto, sinalizando que seria inconstitucional. Lorenzoni rebateu, porém, que cada parlamentar tem sua opinião. “Nós acreditamos que é reversível a reversão. Respeitamos a posição do presidente da Câmara. Eu tenho o embate político com ele desse assunto desde a época do PFL”, lembrou. “Essa é uma divergência antiga, que sempre travamos com respeito e argumentos.”

Horas antes, Lorenzoni esteve na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, onde defendeu o decreto. De acordo com ele, em nenhum momento o governo federal indicou que o texto seria uma política de segurança pública, mas, sim, para recuperar o direito do cidadão à legítima defesa.

Nos momentos mais quentes dos embates com parlamentares, na audiência pública que durou seis horas, o ministro chegou a dizer que “houve um governo no Brasil que defendia bandido”, em referência às gestões passadas do PT. “O governo Bolsonaro defende polícia e gente de bem”, alfinetou. Ele foi convocado para discutir a constitucionalidade do decreto das armas. Além dos impactos na segurança pública, parlamentares argumentaram que o texto é ilegal, já que altera uma legislação aprovada pelo Congresso. Para grande parte dos deputados, o decreto é irresponsável e pode aumentar o número de mortes no país.

Para o ministro, o argumento não se sustenta. De acordo com ele, “o maior estudo” sobre o tema feito é o referendo realizado em 2005. Naquele ano, 63% dos brasileiros votaram a favor do comércio de armas. “A sociedade brasileira votou nas últimas eleições (presidenciais) para recuperar esse direito”, frisou. “Nós temos a lei mais restritiva do planeta do ponto de vista de porte e posse. Nós fomos eleitos para mudar.”

Primeiro a questionar o decreto, o deputado Helder Salomão (PT-ES) afirmou haver registros de alta de índices de violência e morte nos países que flexibilizaram o uso de armamento. De acordo com ele, a liberação mata, especialmente, jovens, adolescentes e mulheres. O deputado Aliel Machado (PSB-PR), autor do requerimento de convocação do ministro, ressaltou que o decreto foi imposto “goela abaixo” da população e que não cabe ao Executivo criar leis.

Não à flexibilização

Uma pesquisa do Instituto Ibope, realizada em março, mostrou que 73% dos brasileiros são contrários à flexibilização do porte para cidadãos comuns. Apenas 26% são favoráveis, e 1% não souberam ou não responderam. Sobre a posse — que não autoriza o cidadão a sair de casa com a arma —, 61% são contrários, 37% são favoráveis e 2% não souberam ou não responderam.