O Estado de São Paulo, n. 45958, 16/08/2019. Política, p. A5

 

PF contradiz versão de presidente sobre troca de chefe no RJ

Breno Pires

Daniel Weterman

16/08/2019

 

 

Polícia Federal diz que saída de superintendente não tem relação com ‘produtividade’, como afirmou Bolsonaro ao antecipar mudança

Mudança. Delegado Ricardo Saadi, que deixou a superintendência da PF no Rio; órgão afirma que troca estava prevista e que substituições são normais

A Polícia Federal contradisse ontem o presidente Jair Bolsonaro e apresentou uma versão diferente para a troca do superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi.

Enquanto o presidente alegou “questão de produtividade” do delegado em entrevista pela manhã, a PF disse, horas depois, em nota, que a substituição já estava planejada e não tem “qualquer relação com desempenho”.

A nota também informa que o delegado Carlos Henrique Oliveira Sousa será indicado como substituto de Saadi no Rio. O Estado apurou que a divulgação do novo delegado foi uma forma de a PF evitar que Bolsonaro ceda a uma indicação política para preencher a vaga.

Na entrevista, o presidente disse que ainda não tinha um nome. “Todos os ministérios são passíveis de mudança. Eu vou mudar, por exemplo, o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro. Motivo: é questão de produtividade”, afirmou Bolsonaro sem ser questionado diretamente sobre o tema. “Nome (de substituto) eu ainda não tenho. Não vou entrar em detalhes. É sentimento. Eu tenho que resolver os problemas do Brasil todo.”

Ao ser questionado se havia problemas na superintendência do Rio que justificassem a troca, Bolsonaro declarou que existem problemas “em todas as áreas” do País. “Eu não quero esperar acontecer o problema para encontrar uma solução.”

O presidente afirmou ainda que, em relação a qualquer cargo na administração, “se tiver que mudar, a gente muda”. “O único que levou facada e ralou quatro anos para chegar aqui fui eu. Ponto final. O povo confiou em mim o destino da Nação. Eu tenho que decidir.”

A PF não informou qual será a nova função de Saadi, que ontem já deixou o cargo ocupado no Rio desde o início do ano passado.

Na nota, o órgão diz ainda que a substituição nos cargos de chefia é normal em um cenário de novo governo. De janeiro para cá, 11 superintendentes já foram trocados.

Na cúpula do órgão, o trabalho de Saadi no Rio era bem avaliado. Segundo um auxiliar dele, a notícia foi recebida com surpresa. A definição dos superintendentes regionais é de responsabilidade apenas do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo. Mas os nomes indicados podem ser rejeitados pelo presidente da República, que tem o poder de vetar qualquer cargo em comissão.

Críticas. Entidades da categoria criticaram a forma como o presidente anunciou a mudança. O Sindicato dos Delegados de Polícia Federal em São Paulo – Estado onde Saadi atuou por vários anos – emitiu nota de repúdio. “A fala do presidente, mais que desrespeitosa, atenta contra a autonomia da Polícia Federal”, diz nota. “A PF é uma instituição de Estado e deve ter autonomia para se manter independente e livre de quaisquer ingerências políticas.”

Sob o comando de Saadi, a PF no Rio atua em casos como o da Operação Lava Jato e da Operação Furna da Onça, que investiga suspeitas de desvios de recursos públicos entre servidores e deputados na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

A superintendência do Rio também auxilia o Ministério Público Eleitoral em uma investigação sobre possível omissão de bens à Justiça por parte do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), primogênito do presidente.

Em documento divulgado ontem pelo jornal O Globo, o Ministério Público solicitou, no dia 24 de junho, que a PF tome o depoimento de Flávio, além de que solicite ao senador suas declarações de Imposto de Renda nos anos de 2013 e 2014.

A investigação não tem relação com a que apura movimentações atípicas de R$ 1,2 milhão do ex-policial militar Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio, detectadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), conforme revelado pelo Estado.

Os superintendentes da PF não conduzem investigações, mas têm o poder de escolher os delegados que atuam nos casos e, com justificativa, trocar os que presidem inquéritos já em andamento. Razão pela qual a corporação reage fortemente a qualquer tentativa de indicação política. Uma fonte da PF afirmou que, por lá, ninguém vai aceitar o que ocorre na Receita Federal, alvo de constantes críticas de Bolsonaro.

TRECHO

“A PF informa, em relação à substituição do superintendente...

... regional no Rio, que a troca já estava sendo planejada há alguns meses e o motivo da providência é o desejo manifestado, pelo próprio policial, de vir trabalhar em Brasília, não guardando qualquer relação com o desempenho do atual ocupante do cargo.”