O Estado de São Paulo, n. 45958, 16/08/2019. Política, p. A6

 

Palocci delata propinas de R$ 333 mi em gestões do PT

Luiz Vassallo

Pepita Ortega

Bianca Gomes

Fausto Macedo

Rafael Moraes Moura

16/08/2019

 

 

Ex-ministro cita pagamentos ilícitos para políticos e empresas entre 2002 e 2014

Supremo. Ministro Edson Fachin homologou a delação de Palocci em novembro de 2018

A delação do ex-ministro Antonio Palocci (Fazenda e Casa Civil) aponta uma sucessão de ilícitos envolvendo o pagamento de propinas que, segundo o petista, chegam a R$ 333,6 milhões durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Em um total de 23 anexos, Palocci faz um descritivo geral da atuação do que o Ministério Público Federal chama de “organização criminosa integrada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) com objetivo de obter vantagens indevidas de grupos empresariais em contrapartida à prática de atos de ofício em prol dos interesses das empresas”.

Os relatos do ex-ministro descrevem, de forma individualizada, situações relativas aos anos de 2002 a 2014, que passam por grandes obras de infraestrutura, contratos fictícios, doações por meio de caixa 2 a campanhas eleitorais, liberação de recursos do BNDES e de créditos do Banco do Brasil, criação de fundos de investimentos, fusões e elaboração de medidas provisórias para favorecer conglomerados.

Palocci foi preso em setembro de 2016, na Operação Omertà, fase 35 da Lava Jato, e, em junho de 2017, foi condenado a 12 anos e 2 meses de reclusão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O ex-ministro fechou acordo de delação premiada com a Polícia Federal, que foi homologado pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, em novembro de 2018. Um mês depois, Palocci saiu da prisão e passou a cumprir pena em regime domiciliar. No início de agosto deste ano, o ex-ministro foi para o regime aberto, com uso de tornozeleira eletrônica e restrições como proibição de deixar a cidade sem autorização judicial.

Ainda preso, Palocci afirmou haver um “pacto de sangue” entre o PT e a Odebrecht – uma suposta reserva de R$ 300 milhões que a empreiteira teria assumido com o partido. Na delação, além da Odebrecht, o exministro cita a Ambev, Grupo Camargo Corrêa, Pão de Açúcar, Banco Safra, Casino, Instituto Lula, Grupo Pão de Açúcar, Paic Participações, Votorantim, Aracruz, BTG Pactual, Grupo Parmalat, Itaú Unibanco, Bradesco, Vale, Brasil Seguros, BNDES, Sadia-Perdigão, Qualicorp, Touchdown e OAS.

Entre as pessoas delatadas pelo ex-ministro, além de Lula e Dilma, estão o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ), os executivos Benjamin Steinbruch e Rubens Ometto, o exgovernador de Minas Fernando Pimentel (PT), o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), o ex-deputado João Paulo Lima e Silva (PT-PE), o ex-governador do Acre Tião Viana (PT), o exsenador Lindbergh Farias (PTRJ), o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho e o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto.

O relato do ex-ministro petista descreve pagamento de propinas em troca de informações bancárias privilegiadas a grupos empresariais, vantagens na construção da usina hidrelétrica de Belo Monte e na concessão das obras do Aeroporto Galeão, no Rio; para evitar a concessão de empréstimo pelo BNDES para o processo de fusão do Grupo Pão de Açúcar e Carrefour; para viabilizar a venda da participação de Joseph Safra na empresa Aracruz ao grupo Votorantim, mediante “operação atípica de injeção de dinheiro do BNDES na empresa”; em troca da promulgação da MP 470; pela atuação do governo na resolução de procedimento disciplinar contra o banqueiro André Esteves; pela relatoria na Lei Anticorrupção; para liberação de crédito pelo Banco do Brasil ao Grupo Parmalat; no processo de fusão da Sadia-Perdigão no Cade; e em prol de projeto de construção de submarinos Prosub, entre outros.

O ex-ministro ainda cita repasses do governo da Líbia (Muamar Kadafi) à campanha presidencial de Lula e pagamento indevido do Grupo Camargo Corrêa para obter auxílio do governo federal para anular a Operação Castelo de Areia no Superior Tribunal de Justiça (STJ) – a operação foi suspensa em 2011. 

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Citados por petista negam irregularidades

16/08/2019

 

 

O PT afirmou em nota que a delação de Antonio Palocci não tem “qualquer resquício de credibilidade desde que ele negociou com a Polícia Federal um pacote de mentiras para escapar da cadeia e usufruir de dezenas de milhões em valores que haviam sido bloqueados”. Gleisi Hoffmann e Lindbergh Farias subscrevem a nota do partido.

As defesas de Lula e Dilma não foram localizadas. A assessoria de Fernando Haddad disse que o Banco Safra não fez uma contribuição direta para a sua campanha de 2012.

Carlos Zarattini afirmou que só recebeu doações legais. Luciano Coutinho disse que o ex-ministro “mente de forma descarada”. O advogado de Fernando Pimentel declarou que Palocci fez acordo de delação para “se livrar da cadeia”. Delfim Netto disse que o valor recebido para consultoria em Belo Monte foi declarado à Receita.

‘Ilações’. O Grupo Bradesco afirmou que fez doações “públicas e devidamente registradas” e, por isso, repudia “ilações descabidas”. O Itaú Unibanco disse repudiar “a tentativa de vincular doações eleitorais feitas de forma legal a supostas condutas para atender a interesses particulares”. O BTG Pactual rechaçou a tentativa de vinculação de doações “de acordo com a legislação em vigor” a qualquer benefício indevido.

A Qualicorp afirmou que “jamais transgrediu a lei”. A Vale refutou “qualquer alegação que procure distorcer suas doações eleitorais ou questionar sua legalidade”. A BRF disse que todas as suas doações eleitorais “são públicas e foram devidamente registradas”. O Grupo Carrefour negou relação com os fatos citados. A Ambev disse que nunca fez pagamentos para obtenção de vantagens indevidas. A Cosan afirmou que suas doações seguiram a legislação.

Pão de Açúcar, Camargo Corrêa, Banco Safra, Votorantim e Banco do Brasil não comentaram. Os demais citados não foram localizados pelo Estado