Valor econômico, v.19, n.4693, 19/02/2019. Política, p. A7

 

Torre mostra os poderosos do Senado 

Vandson Lima 

Andrea Jubé

19/02/2019

 

 

A geografia do poder no Senado mudou, e não foi apenas pela ascensão de Davi Alcolumbre (DEM-AP) ao comando da Casa. Um novo desenho de quem terá protagonismo na atual legislatura é traçado antes mesmo da posse, com a distribuição estratégica dos amplos gabinetes localizados no Anexo I - uma das torres de 27 andares da clássica imagem do Congresso Nacional. A disputa pelas salas envolve muita barganha, alguma habilidade política e, neste ano, rendeu até uma briga judicial.

Os privilegiados inquilinos dispõem de um andar inteiro, de 300 m², espaço substancialmente maior do que os que são deslocados para os gabinetes de baixo, de 90 m² a 140 m². Recém-eleito, o senador Flávio Bolsonaro (RJ) não apenas instalou-se na torre, como carregou na simbologia ao assegurar o 17º andar, número do PSL. Até então, só quem desfrutava dessa prerrogativa era Renan Calheiros (AL), quatro vezes presidente da Casa, que ocupa o 15º, número do MDB.

Nas primeiras semanas após a eleição, ao visitar pela primeira vez o Senado, Flávio Bolsonaro pediu o gabinete do 17º andar da torre ao então ocupante e presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), que não se reelegeu. Usando o poder da caneta que ainda tinha, Eunício prontamente cedeu o espaço, num afago ao filho do presidente Jair Bolsonaro.

Cabe ao presidente da Casa distribuir os gabinetes entre os eleitos, conforme um critério informal em vigor desde a última administração do senador José Sarney (MDB-AP): a primeira escolha cabe aos ex-presidentes da República; na sequência, vêm ex-governadores ou ex-ministros, seguidos de senadores reeleitos e deputados eleitos para o Senado. Senador de primeiro mandato, Flávio Bolsonaro desponta como um ponto fora da curva, que acabou agraciado na categoria "filho do presidente", disse ao Valor um senador veterano.

O primogênito de Bolsonaro divide a torre com o ex-presidente Fernando Collor (Pros-AL), com os ex-governadores Cid Gomes (PDT-CE), Jaques Wagner (PT-BA), Jarbas Vasconcelos (MDB-PE) Tasso Jereissati (PSDB-CE), Jader Barbalho (MDB-PA), Eduardo Braga (MDB-AM) e José Maranhão (MDB-PB), e com o ex-presidente da Casa Renan Calheiros. Curiosamente, os três representantes do Tocantins alojaram-se na torre - nenhum deles é ex-governador: Eduardo Gomes (MDB), Kátia Abreu (PDT), e seu filho, Irajá Abreu (PSD).

No caso deste último, a acirrada disputa pelo espaço foi até parar na Justiça Federal, e acabou em ordem de despejo de senador. Não reeleito, Vicentinho Alves (PR-TO) ofereceu o gabinete no 21º andar a Ângelo Coronel (PSD-BA), para evitar que seu desafeto regional, Irajá Abreu - que o derrotou nas urnas - herdasse o espaço. Coronel comprometeu-se a manter uma parte da equipe de Vicentinho, e acomodou-se no local. Logo depois, Irajá bateu na sua porta, reivindicando o gabinete, que lhe fora cedido pelo ex-presidente Eunício Oliveira. Contrariado, Coronel advertiu que não sairia; se quisessem, teriam de expulsá-lo. Sem-teto, Irajá foi aguardar o desdobramento da peleja no gabinete da mãe, Kátia, no 6º andar.

Coronel obteve uma liminar da Justiça Federal assegurando-lhe o direito de permanecer no gabinete, e avisou que por ordem judicial, permaneceria no local. No entanto, horas depois, a advocacia do Senado conseguiu cassar a liminar no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Coronel ainda resistiu, mesmo com a presença de agentes da polícia legislativa. Após a mediação do presidente eleito Davi Alcolumbre, Coronel liberou o espaço e foi realocado para o distante 10º gabinete da ala Afonso Arinos, no Anexo 2.

O uso dos elevadores, ainda que privativos, é uma desvantagem do prédio, o que gerou a categoria dos privilegiados entre os privilegiados, que ocupam os andares mais baixos. Assim o ex-presidente da Casa Jader Barbalho ocupa o 2º andar, seguido do presidente nacional do PP, Ciro Nogueira (PI) no 3º andar, e do ex-governador de Pernambuco Jarbas Vasconcelos (MDB) no 4º andar.

Eleito em 2014, o ex-governador de São Paulo José Serra (PSDB) não quis saber da torre, preferindo o gabinete do conterrâneo Eduardo Suplicy (PT) no térreo. Mas era um gabinete dos mais apertados, de 96 m². A solução foi improvisar um puxadinho, reivindicando o gabinete ao lado que abrigava a sede do DEM. Depois de negociar com o então presidente do Senado, Renan Calheiros, e com a cúpula do partido, Serra desalojou a legenda, mas esta foi contemplada com o 27º andar da torre. Com mais 133 m², Serra tornou-se um pequeno latifundiário, titular de um gabinete de 220 m² próximo ao plenário.

No tabuleiro imobiliário do Senado, mudar-se de um gabinete padrão para a torre é como sair de um apartamento de dois quartos para outro de um por andar, com quatro suítes e três vagas na garagem. Antes de deixar o cargo, Eunício contemplou os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) - líder da oposição na Casa - e Paulo Paim (PT-RS), agraciado com o terceiro mandato consecutivo, com a prerrogativa.

Outra disputa envolve os gabinetes com rota de fuga estratégica, aos senadores que querem despistar jornalistas ou populares. O espaço mais privilegiado nesse sentido era de Romero Jucá (MDB-RR), que não se reelegeu, e repassou local ao aliado regional, Márcio Bittar (MDB-AC). Na mesma situação, são os gabinetes de dois senadores do Podemos: Romário (RJ) e Alvaro Dias (PR).

Mas nem todos entram na disputa pela torre: de influência indiscutível, Antonio Anastasia (PSDB-MG) e o ex-senador Edison Lobão (MDB-MA) não toleravam o elevador - basta imaginar duas dezenas de senadores na hora das votações em plenário chamando o mesmo privativo, ao mesmo tempo, para entender o porquê.

O gabinete mais bem localizado, no mesmo andar do térreo, foi cedido à senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), portadora de necessidades especiais. O espaço já foi ocupado pelo ex-presidente Itamar Franco, pelo seu suplente Zezé Perrella e pelo ex-senador Antonio Carlos Magalhães Júnior.