Correio braziliense, n. 20482, 19/06/2019. Cidades, p. 17

 

Dono de Mercedes que arrastou vendedora alega "brincadeira"

Juliana Andrade

19/06/2019

 

 

Empresário que acelerou carro para levar os balões, sem pagar à vendedora, no último sábado, disse à polícia que não percebeu que estava arrastando a mulher. A princípio, ele será indiciado por lesão corporal

Ele disse que resolveu fazer uma brincadeira e pediu para a amiga puxar os três balões e depois soltá-los. A amiga atendeu, mas ele não percebeu que estava arrastando a senhora” Paulo Henrique de Almeida, delegado

Willian admitiu que dirigia o carro que arrastou idosa por 100 metros  (Arquivo Pessoal)

Willian admitiu que dirigia o carro que arrastou idosa por 100 metros

Uma brincadeira. Essa é a alegação do motorista que arrancou com a Mercedes-Benz e arrastou uma mulher de 63 anos no asfalto por cerca de 100 metros, em frente a uma escola de Taguatinga, na noite de sábado. Após três dias, o homem, que não prestou socorro e fugiu, apareceu em uma delegacia, acompanhado de advogado, para prestar depoimento. E deixou a unidade policial livre, após duas horas de interrogatório. Por enquanto, o caso é tratado como lesão corporal.

Dono de uma empresa de factoring, Willian Weslei Lelis Vieira, 34 anos, e a mulher que estava no banco do passageiro da Mercedes (a polícia informou apenas que ela tem 28 anos) se apresentaram, ontem de manhã, na 12ª Delegacia de Polícia (Taguatinga), onde o caso é apurado. De acordo com o delegado Paulo Henrique de Almeida, ambos afirmaram que iam para uma confraternização de família e queriam comprar os balões para os sobrinhos, mas, após a vendedora se recusar a dar o desconto, puxaram os balões em um ato de “brincadeira”.

Cada balão custava R$ 15, mas eles queriam comprar três por R$ 25. A vendedora, Marina Izidoro de Morais, 63 anos, disse que faria cada um por R$ 10. Menos, ela teria prejuízo. “Ele disse que resolveu fazer uma brincadeira e pediu para a amiga puxar os três balões e depois soltá-los. A amiga atendeu, mas ele não percebeu que estava arrastando a senhora”, detalhou o delegado.

Quando a passageira do carro agarrou os balões, ele fechou o vidro e arrancou com o veículo, uma Mercedes-Benz modelo Cla 45 AMG de cor branca, avaliada em R$ 220 mil. Os três balões que ficaram dentro do carro estavam amarrados aos outros, presos ao pulso da vendedora de 63 anos. Quando o vidro da Mercedes foi fechado, a idosa foi arrastada por cerca de 100 metros pelo asfalto.

Paulo Henrique de Almeida: delegado não definiu indiciamento ( Ana Rayssa/CB/D.A Press)

Paulo Henrique de Almeida: delegado não definiu indiciamento

Sem dinheiro e sem poder trabalhar, Marina de Morais se recupera do susto e dos machucados (Carlos Vieira/CB/D.A Press)

Sem dinheiro e sem poder trabalhar, Marina de Morais se recupera do susto e dos machucados

Fuga

A Mercedes não parou nem com o apelo de testemunhas, que viram a mulher ser arrastada pelo carro. Marina só se livrou após as bexigas se soltarem. Testemunhas anotaram a placa do carro e avisaram à polícia.

Morador de um prédio em Taguatinga, onde mantém quatro carros na garagem, Willian deixou a delegacia sem dar entrevista. Ao ser questionado sobre a demora do cliente a comparecer à delegacia, Leonaldo Correa Brito, advogado do empresário, disse que o acusado “não compareceu antes porque estava apreensivo com a repercussão”. Ele não informou se o cliente estava ou não sob efeito de álcool na noite de sábado, nem se ele vai prestar auxílio à vítima.

"Isso é uma maldade"

R$ 220 mil

Valor estimado da Mercedes Benz que arrastou idosa

“Isso não é uma brincadeira, é uma maldade. Só quero Justiça, mas está nas mãos dos delegados agora. Acho que vai dar tudo certo e esse homem vai ser preso”, disse Marina, ao Correio, ao saber do teor do depoimento dos dois suspeitos. Ela também foi à delegacia ontem, mas não teve contato com o casal. “Fui com meu advogado e contei as mesmas coisas que já tinha contado, sobre como fui arrastada. Agora vou me cuidar em casa e ficar mais tranquila.”

Sábado, Marina estava, desde 11h, em frente a uma escola, onde era realizada uma festa junina. Ela que trabalha como diarista, passando roupa, vende balões infantis na rua para reforçar a renda. Por volta das 19h30, uma Mercedes Benz branca se aproximou.

“Quando fui pegar (os balões), a mulher puxou a corda que estava amarrada na minha mão, prendendo os balões. Quando ela fez isso, o homem fechou o vidro e arrancou com o carro, me arrastando”, lembrou a ambulante. Para ela, ter sobrevivido foi quase um milagre: “Vi a morte de perto. Não tem o que explique. Só muita maldade”, completou Marina.

Machucado

Ela ficou muito arranhada, cheia de marcas e roxos. Ainda sente dores, toma remédio. O rosto, os braços e a perna foram os mais atingidos pelo asfalto. No punho, há ferimentos profundos da corda que ficou presa em sua mão. A pochete rasgou e ela perdeu o dinheiro conseguido naquele dia de trabalho. “Era o que ia me ajudar a pagar o aluguel, mas o dono da casa foi compreensivo e deixou eu dar depois”, contou. Os óculos também ficaram danificados com as pancadas do lado direito do rosto, mas os primeiros exames oftalmológicos não apontaram lesão nos olhos.

Solteira, Marina mora de aluguel com o filho de 34 anos em Taguatinga Sul. O jovem trabalha em um circo e faz bicos nos semáforos como palhaço.