O globo, n.31387, 14/07/2019. País, p. 05

 

Congresso dá guinada liberal na atual legislatura 

Daniel Gullino 

14/07/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Deputados aprovaram reforma da Previdência com placar maior do que em votações anteriores das aposentadorias

om um perfil mais liberal, a atual legislatura da Câmara aprovou a proposta de reforma da Previdência apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro com uma votação mais expressiva do que as mudanças nas aposentadorias feitas pelos seus antecessores. Deputados e senadores também aprovaram projetos, alguns ainda em tramitação, como o que facilita a exploração do saneamento básico pela iniciativa privada e a a inclusão automática de todos os consumidores no Cadastro Positivo. Esse perfil deve abrir caminho agora para a votação de outros itens que visam a destravar a economia. O primeiro projeto na fila é o da reforma tributária. Os passos seguintes são o plano de equilíbrio fiscal dos estados, a agenda de privatizações e uma reforma nas carreiras do serviço público. A agenda parlamentar foi destacada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na última quarta-feira, durante a votação da reforma da Previdência. O texto-base de Bolsonaro foi aprovado em primeiro turno na Câmara naquele dia com 379 votos a favor — 71 a mais do que os 308 necessários para a provar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). É um resultado melhor do que o obtido em 1998 por Fernando Henrique Cardoso (346 votos), em 2003 por Luiz Inácio Lula da Silva (358 votos) e em 2012 por Dilma Rousseff (318). Ao contrário dos outros presidentes, Dilma fez a mudança por meio de um projeto de lei, que, para ser aprovado, precisa apenas da maioria dos votos dos presentes. O deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG), na Câmara

desde 1995, afirma ques e surpreendeu como apoio ao texto de Bolsonaro, a começar pelo quórum de 510 dos 513 deputados. Ele credita isso a três fatores: o perfil mais liberal da atual legislatura, a atuação de Rodrigo Maia eoa poio da opinião pública, em manifestações de rua enas redes sociais: — Eu nunca tinha visto aqui 510 pessoas presentes em uma reforma tão delicada e sensível. Agora, fiquei muito surpreso mesmo com o resultado, foi além das expectativas. O perfil revela um liberalismo maior no plenário. Em segundo lugar, o Rodrigo Maia assumiu uma liderança muito forte. E, em terceiro lugar, o reflexo da sociedade. Até a reforma anterior você só via manifestação contrária. Pela primeira vez teve manifestação positiva.

CONSCIENTIZAÇÃO

Para David Fleischer, professor emérito de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), houve um entendimento entre os partidos que era necessário fazer a reforma, já que o rombo é crescente:

—O déficit da Previdência é como se fosse uma tsunami. Houve um consenso entre os partidos de que a reforma era necessária. Você pode ver que houve uma articulação política bem feita do Rodrigo Maia. Assim como Bolsonaro, FH e Lula enviaram ao Congresso uma reforma no ano em que chegaram ao Planalto. No caso do tucano, entretanto, a tramitação foi mais difícil: a proposta só foi aprovada em 1998, último ano de seu primeiro mandato. E Fernando Henrique não conseguiu — pela diferença de apenas um voto — aprovar o principal ponto de seu texto: uma idade mínima para trabalhadores da iniciativa privada. Diante da derrota, FH aprovou no ano seguinte, como paliativo, a criação do fator previdenciário: uma fórmula pela qual quem se aposenta mais cedo recebe menos. No caso de Lula, o texto foi aprovado no início de agosto na Câmara, em tempo semelhante ao de Bolsonaro. Com foco no serviço público, a proposta causou um racha no PT, levando à expulsão de um grupo de parlamentares que fundariam depois o PSOL. A votação das PECs de Lula e Bolsonaro guarda uma semelhança: a negociação de verbas e cargos de última hora para facilitar a aprovação. Enquanto isso, o ex-presidente Michel Temer chegou a aprovar sua proposta de reforma em uma comissão especial da Câmara, mas não conseguiu levá-la ao plenário por não reunir os votos necessários. O deputado Mauro Lopes (MDB-MG), que também participou das votações de todas essas reformas, afirma que a renovação recorde da Câmara ajudou na aprovação do projeto atual:

— É uma Câmara muito jovem e realmente consciente da situação que o país passa neste momento. Um dos principais nomes da oposição a esta e às demais reformas, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), que está o mesmo período na Câmara, avalia que criou-se uma clima pela aprovação de algum tipo de mudança na Previdência: —Você já tinha um acúmulo anterior. A reforma do Temer estava pronta. O que aconteceu foi um acidente de percurso, que foi a questão do Joesley Batista (denúncia de recebimento de propina). Em segundo lugar, acho que existe uma campanha para popularizar uma reforma que é muito impopular. Criou-se uma pressão que leva alguns parlamentares a uma lógica de que alguma reforma é necessária.