O globo, n.31387, 14/07/2019. País, p. 09

 

Extradição do "Rei Arthur' pode passar pela França

Bernardo Mello 

14/07/2019

 

 

Desejo antigo do Ministério Público Federal (MPF), impedido pelo governo dos EUA, a tentativa de extradição do empresário Arthur César de Menezes Soares Filho, mais conhecido como “Rei Arthur”, entrou no radar de autoridades da França. Acusado de ter financiado um esquema de vantagens ilícitas que irrigou a gestão de Sérgio Cabral, Arthur Soares foi citado em depoimento do exgovernador ao juiz Marcelo Bretas, no último dia 4, como responsável pelo pagamento de propinas para que o Rio fosse escolhido sede dos Jogos Olímpicos de 2016. O acerto teria ocorrido em Paris, em setembro de 2009, dias antes do evento que ficou conhecido como “farra dos guardanapos”. Arthur, que mora na ilha de Key Briscane, em Miami, é considerado foragido pelo MPF. Desde a deflagração da Operação Unfairplay, em setembro de 2017, para investigar a compra de votos na candidatura olímpica do Rio, o Brasil enviou ao governo dos EUA pedidos de bloqueio de bens, quebra de sigilo telefônico e bancário e de extradição do empresário, todos ignorados. Nos bastidores, há o entendimento de que, embora tenha negado os pedidos do Brasil contra Arthur, o governo americano seria mais solícito a uma abordagem francesa. EUA e França têm acordo de extradição vigente. — Seria ótimo para nós se acontecesse. Nosso pedido de cooperação internacional com os EUA não prosperou. Temos o interesse de que ele (Arthur) seja punido por eventuais crimes que tenha cometido — disse Fabiana Schneider, procuradora da Lava-Jato no Rio.

NOVA JURISDIÇÃO

Membros da Lava-Jato têm atuado em parceria com procuradores franceses nos últimos três anos. Jean-Yves Lourgouilloux , um dos integrantes do Parquet National Financier (PNF) francês que veio ao Brasil no início da Operação Unfairplay, não confirma qualquer medida francesa em relação ao Rei Arthur. O GLOBO apurou, porém, que um possível pedido de extradição já começou a ser estudado na França. Lourgouilloux ficou responsável pelas investigações contra Lamine Diack, senegalês que reside na França, acusado de receber US$ 2 milhões de Arthur Soares, em dois pagamentos, para votar no Rio na eleição da sede olímpica. A negociação teria sido intermediada em Paris por Leonardo Gryner, braço-direito do ex-presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB) Carlos Arthur Nuzman. Diack está impedido judicialmente de deixar a França.

O próprio Arthur relatou, em proposta de delação premiada entregue ao MPF no início do ano e obtida pelo GLOBO, que foi procurado por Gryner no hotel Fouquet Barriere, em setembro de 2009, e orientado a fazer os pagamentos. Arthur teria feito a transferência na mesma hora, em documentos enviados por fax. Segundo ele, Gryner disse que o dinheiro seria enviado a um lobista. — O fato de ter ocorrido um encontro em Paris confirmaria a existência de jurisdição francesa sobre esse caso. As pessoas que participaram desse encontro poderiam ser processadas de acordo com as leis da França —explicou Lourgouilloux. Dono do grupo Facility, Arthur Soares era um dos principais prestadores de serviços terceirizados no governo Cabral, em áreas como limpeza, segurança, alimentação e saúde. Segundo investigação do Ministério Público do Rio (MP-RJ), a Facility participava em licitações fraudadas e depois repassava valores dos contratos a autoridades do Legislativo e do Executivo fluminense. A influência do empresário, cujos contratos com o governo do Rio chegaram a totalizar R$ 3 bilhões, deu origem ao apelido de “Rei Arthur". Procurada pelo GLOBO, a defesa de Arthur Soares não se manifestou.