Valor econômico, v.19, n.4696, 22/02/2019. Política, p. A6

 

Reforma da Previdência - Fernando Bezerra 

Vandson Lima 

Fabio Murakawa 

22/02/2019

 

 

Prioridade absoluta do governo do presidente Jair Bolsonaro, a reforma da Previdência Social estará aprovada em definitivo nas duas Casas do Congresso Nacional, em um prognóstico "realista", em meados de setembro. O texto sofrerá mudanças, inevitavelmente. E para formar uma base aliada sólida, o governo terá de negociar com os partidos políticos, barganhar com governadores apoio de suas bases em troca de um horizonte de melhor distribuição de recursos a Estados e municípios e mesmo contemplar aliados com indicações para cargos do governo distribuídos Brasil afora.

É o que diz ao Valor o líder do governo do presidente Jair Bolsonaro no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), em sua primeira entrevista exclusiva após a nomeação. Apesar de estar há menos de um ano do MDB, Bezerra move-se à esquerda e à direita aos moldes de um emedebista de raiz. Pragmático, foi aliado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e considera que ele foi um "grande presidente" e depois, ministro da Integração de Dilma Rousseff, com quem rompeu posteriormente - ele votou pelo impeachment da ex-chefe. Deixou o PSB, namorou o DEM, mas fechou com o MDB em março passado. No início deste mês, apoiou Renan Calheiros (MDB-AL) na eleição à presidência do Senado. Com o aliado derrotado, posicionou-se rapidamente em prol de um MDB alinhado ao governo.

Tais características levaram o Palácio do Planalto a enxergá-lo, em contraposição ao novato Major Vitor Hugo (PSL-GO), escolhido líder na Câmara e que vem enfrentando dificuldades, como a solução para um governo cuja articulação ainda capenga. No Senado, Bezerra é considerado um político maleável nas posições e 'casco duro' para enfrentar crises. Ele é alvo de inquéritos no âmbito da Operação Lava-Jato.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Em um prognóstico realista, quando a reforma da Previdência estará aprovada?

Fernando Bezerra: Quem fez a melhor previsão, realista, foi Rodrigo Maia [presidente da Câmara dos Deputados]. Ele acredita que a matéria estará votada na Câmara até meados de junho. No Senado, o presidente Davi Alcolumbre [DEM-AP] estima que a tramitação vai demandar entre 60 e 90 dias. Então, a expectativa realista é que a reforma da Previdência possa estar votada em definitivo pelas duas Casas em meados de setembro.

Valor: Esse prazo atende aos anseios do governo?

Bezerra: Para o governo, é boa. Claro que quanto antes, melhor, porque, aprovada a reforma, você cria as condições para o relançamento da economia brasileira. A reforma, além de promover o equilíbrio fiscal, desperta a confiança dos investidores para que eles tirem o pé do freio e passem a investir nos seus negócios, a tomar mais riscos. Isso gera emprego.

Valor: Qual o efeito esperado se aprovada a reforma até essa data?

Bezerra: Sendo até setembro, vai animar o último quadrimestre da economia. Se a gente aprova a Previdência, ninguém duvida possamos crescer 3% este ano. E isso pode significar 1,5 milhão de novos empregos com carteira assinada. Essa mudança vai começar a tirar o mau humor da população. O que os brasileiros querem é o emprego. Estamos falando de um déficit da Previdência na casa de R$ 300 bilhões. Maior que isso, só o pagamento de R$ 400 bilhões do serviço da dívida. A reforma ajuda nos dois sentidos: equilíbrio fiscal e redução da dívida pública, que por sua vez ajuda manter ou abaixar a Selic, que já está em patamares baixos historicamente. O Brasil pode entrar num ciclo de crescimento inédito nas próximas duas décadas.

Valor: Qual o limite da negociação na reforma?

Bezerra: O presidente Bolsonaro deu o grande balizador: ele disse "estamos abertos". O governo vai defender seu texto. Mas ele tem a compreensão, por ter sido parlamentar por 27 anos, de que nada chega ao Congresso Nacional e sai da forma que entrou. Certamente o texto vai ser aprimorado e modificado. O esforço do governo será, através de argumentos, tentar manter o texto o mais próximo possível do inicial. Temos quatro pontos que centralizarão o debate. A idade mínima, o período de transição, a questão do trabalhador rural e os benefícios da prestação continuada (BPC). Esses quatro pontos vão dominar o debate sobre possíveis modificações que possam levar à construção da maioria necessária para aprovar a reforma da Previdência.

Valor: Sua escolha como líder leva o MDB para o governo?

Bezerra: O MDB tem deixado claro que apoiará todas as matérias que sejam relevantes para o país. O MDB tem interesse em apoiar a agenda de reformas. Talvez possa não haver consenso em outros pontos que o governo venha a defender, mas em relação à reforma da Previdência e o pacote Anticrime, por exemplo, há maioria expressiva no MDB. Com certeza o MDB vai apoiar a agenda de reformas. Assim como um programa de desestatização, um novo pacto federativo que transfira mais recursos a Estado e municípios. Esta agenda do Paulo Guedes tem ampla identificação com o MDB.

Valor: Como está o estado de espírito do Renan Calheiros?

Bezerra: Eu tive uma boa conversa com Renan esta semana. Ele voltou às atividades do Senado [estava fora desde a eleição, dia 2] e tive a alegria de ouvir dele que a decisão de me indicarem a líder do governo foi acertada.

Valor: Ele vai ser oposição?

Bezerra: Ele não falou. Falou que vai acompanhar a evolução do quadro e vai torcer por mim. Foi a manifestação de um amigo.

Valor: O governo sofreu uma derrota acachapante na votação do decreto da LAI. O que esse episódio mostra que tem que ser mudado?

Bezerra: Tem que ter cada vez mais diálogo, mais conversa e mais aproximação com os partidos. Mas não se deve interpretar aquela votação como um recado ao governo. Eu sugeri ao presidente Davi, já que a Câmara derrubou o decreto, seria muito melhor sugerir ao presidente Bolsonaro que o revogasse. Por que votar se já foi derrotado na Câmara? Existe uma discussão sobre a necessidade de maior transparência nos atos de governo. E esse é um tema sem barreiras partidárias ou ideológicas. Essa votação foi mais a compreensão de uma Câmara renovada que está valorizando o tema da transparência.

Valor: O governo deveria rever essa estratégia de não negociar com os partidos políticos?

Bezerra: A gente tem que respeitar a decisão do presidente Bolsonaro de montar a sua equipe de governo sem a influência partidária. Mas é evidente que em toda a sociedade democrática a política se realiza através dos partidos. Essa busca de aproximação com os partidos vai se dar de forma natural. À medida que haja reflexão sobre a necessidade de composição das maiorias congressuais, vai ficando claro que o caminho da aproximação e do diálogo com os partidos vai se estabelecer.

Valor: E dá para manter essa relação sem o "toma-lá-dá-cá"?

Bezerra: É preciso saber o que é o "toma-lá-dá-cá". Se o "toma-lá-dá-cá" for para a escolha de pessoas não qualificadas para o exercício dos cargos públicos, isso tem que ser condenado. Mas se o "toma-lá-dá-cá" é feito em cima da indicação de pessoas qualificadas e que passem pelo crivo de uma avaliação técnica, acho que nós estamos contribuindo para que a política possa ser exercitada.

Valor: Os partidos reclamam que o governo está segurando indicações a cargos de terceiro escalão.

Bezerra: Todo governo de mudança, como é o governo Bolsonaro, vai sempre conviver no início com esses ruídos. Você não pode chegar e afastar todo mundo de seus cargos. Mas eu acredito que essas definições estão próximas.

Valor: O senhor foi próximo do ex-presidente Lula, foi ministro da Dilma. Onde a esquerda errou para que se chegasse a essa mudança de eixo?

Bezerra: Estou em um campo oposto ao PT há seis anos. Inclusive votei a favor do impeachment da presidente Dilma. Então, eu acho que o grande erro foi não ter reconhecido a dimensão da crise econômica que o país já enfrentava a partir de 2013. Já havia sinais da desaceleração, do desequilíbrio das contas públicas. E houve, de forma deliberada, o não reconhecimento para evitar a adoção de medidas amargas de redução os gastos públicos que talvez pudessem provocar resultados eleitorais desfavoráveis na eleição de 2014. E isso terminou produzindo a maior recessão da história do país.

Valor: O Brasil virou de direita?

Bezerra: É evidente que nós estamos assistindo uma radicalização da política em nível mundial. Isso terminou valorizando determinadas posturas mais conservadoras. Nesse sentido, a vitória do Bolsonaro pode ser atribuída à direita brasileira. Mas ele teve muita perspicácia de identificar temas transversais. Não foi um discurso pró-desestatização, pró-mercado que deu a ele a grande vitória. O que deu a ele a grande vitória foi ter se colocado como o anti-PT e o homem que veio para trazer um novo caminho no combate à violência.

Valor: A tendência, com o passar do tempo, é o Bolsonaro se radicalizar mais ou vir mais ao centro?

Bezerra: Ele vem ao centro, claramente ele vem mais ao centro. Até porque vai precisar aprovar as reformas. E eu sou muito otimista. Eu acho que, com a aprovação das reformas, o Bolsonaro vai inaugurar o maior ciclo de crescimento econômico da história deste país. Nós temos a possibilidade de ter oito anos de crescimento ininterrupto. Imagine crescer todo ano de 3% a 4% durante oito anos.

Valor: Oito anos com Bolsonaro?

Bezerra: Eu creio que sim. Se ele vai ser o grande vitorioso de todo esse processo de reforma, ele deverá se apresentar para uma nova disputa.

Valor: Dilma tinha pouco traquejo com os parlamentares. Isso serve de alerta para Bolsonaro?

Bezerra: Há uma questão que distingue o presidente Bolsonaro: ele passou 27 anos na Câmara dos Deputados. Ele tem capacidade de relacionamento com a classe política e os parlamentares.

Valor: Quais as dificuldades que o governo enfrentará no Senado?

Bezerra: Teremos menos dificuldades do que na Câmara. Aqui temos possibilidade de construir uma maioria mais fácil. O Senado está amplamente renovado. Minha missão é conhecer todos, quais os temas de interesse e conseguir definir, de fato, qual a base de sustentação do governo. É importante passar a mensagem de que o presidente está aberto para ouvir e conversar.

Valor: Como será resolvida a questão da cessão onerosa? Estados e municípios ganharão algo?

Bezerra: Defendo que a cessão onerosa seja aprovada no Senado, limpa, sem divisão do bônus. Guedes tem compromisso com o redesenho do pacto federativo. Mas ele precisa da reforma da Previdência antes. É importante que os governadores e prefeitos sejam solidários e sensibilizem seus parlamentares. Primeiro aprova a Previdência. E se discute o alívio fiscal aos Estados a partir daí.

Valor: A divisão do bônus pode ser um trunfo para a Previdência?

Bezerra: No acordo feito com os governadores, a partilha se dava não no bônus de assinatura, mas na divisão dos recursos do Fundo Social. Se você perguntar para os governadores, claro que eles vão querer os dois. No curto prazo, os Estados ganham mais na partilha do bônus de assinatura. Mas isso é uma vez só. No Fundo Social, eles receberiam um pouco todo ano. O Fundo já tem, em caixa R$ 23 bilhões. Os governadores serão atendidos, agora têm que entregar os votos que a gente precisa.

Valor: Que outras prioridades estão no horizonte?

Bezerra: Vamos definir nesta segunda com Bolsonaro. Mas entendo que a simplificação do sistema tributário e um novo desenho do pacto federativo, algo sobre o qual Paulo Guedes está debruçado. Além disso, o presidente tem compromisso com um forte programa de desestatização.