O Estado de São Paulo, n. 45950, 08/08/2019. Política, p. A4
STF barra transferência e mantém Lula em Curitiba
Rafael Moraes Moura
08/08/2019
Justiça. Por 10 votos a 1, ministros do Supremo derrubam decisão de juíza que mandava levar ex-presidente para presídio em SP; defesa diz que mudança seria ‘violência jurídica’
Sessão. Ministros do Supremo Tribunal Federal reunidos ontem, em Brasília; Corte aceitou argumentos de defesa de Lula
Em uma votação relâmpago, o Supremo Tribunal Federal suspendeu ontem, por 10 votos a 1, a transferência do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva de Curitiba para o presídio de Tremembé, no interior de São Paulo. A decisão da Corte ocorreu menos de nove horas após a juíza Carolina Lebbos, responsável pela execução da pena do petista, autorizar a mudança.
O ex-presidente está preso desde abril de 2018 em uma sala especial da Superintendência da Polícia Federal na capital paranaense. Carolina, da 12.ª Vara Federal de Curitiba, atendeu a pedido da própria PF, que, desde a prisão, alega “transtorno às funções do órgão”. Segundo o site do jornal Gazeta do Povo, a manutenção de Lula no local já custou R$ 4,8 milhões aos cofres públicos (cerca de R$ 300 mil ao mês) – a informação foi confirmada pelo Estado.
A decisão de Carolina – das 8h33 – não especificou para onde Lula deveria ser levado. Poucas horas depois, o juiz Paulo Eduardo de Almeida Sorci, coordenador e corregedor dos presídios de São Paulo, determinou que o destino do ex-presidente fosse a penitenciária II de Tremembé, no Vale do Paraíba, conhecida por receber presos “famosos” – entre eles, Alexandre Nardoni, condenado pela morte da filha, Isabela, e Gil Rugai, que matou o pai e a madrasta.
A defesa de Lula recorreu ao STF sob o argumento de que a transferência para um estabelecimento prisional comum seria “descabida” e “ilegal”. Segundo o advogado Cristiano Zanin, na condição de ex-presidente, o petista deve ser acomodado em uma sala de Estado-Maior.
“Hoje (ontem) o Supremo mostrou que vai respeitar o devido processo legal, que aplica a Constituição e isso renova nossa expectativa para que o ex-presidente Lula tenha direito a um julgamento justo, imparcial e independente”, afirmou Zanin após a decisão da Corte, acrescentando que a transferência seria uma “violência jurídica”.
Ao Supremo, a defesa fazia três pedidos: a liberdade de Lula, a suspensão da transferência e a permanência na superintendência da PF. Os ministros atenderam aos dois últimos. Consultada, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, opinou por manter Lula em Curitiba.
Regime. Em abril, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a condenação de Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá, mas reduziu a pena imposta ao petista de 12 anos e 1 mês de prisão para 8 anos, 10 meses e 20 dias de reclusão.
Um recurso da defesa para migrar para o regime aberto aguarda decisão do colegiado. Ministros do STJ ouvidos reservadamente pelo Estado acreditam que cabe a Carolina Lebbos, e não ao tribunal, decidir sobre eventual migração de regime.
A internação do ministro-relator da Lava Jato no STJ, Felix Fischer, que se recupera de uma embolia pulmonar, no entanto, pode atrasar a análise do caso, antes prevista para este mês.
Relatoria. Inicialmente, a defesa de Lula encaminhou o pedido para suspender a transferência ao ministro Gilmar Mendes, que pediu vista em dezembro do ano passado no julgamento em que o petista acusa o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, de parcialidade. O recurso, porém, foi enviado pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli, ao ministro Edson Fachin, que cuida dos processos da Lava Jato no STF.
Pouco antes, o presidente da Corte havia se reunido com parlamentares de diversos partidos, a pedido do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que defendiam frear a “escalada autoritária” do Paraná .
Logo após a definição de que seria responsável por analisar o pedido de Lula, Fachin iniciou a leitura do voto em que suspendeu a transferência. “A matéria se revela de indiscutível urgência. Estou trazendo o deferimento à luz do poder geral de cautela”, disse Fachin, submetendo sua decisão imediatamente para referendo dos colegas.
Em menos de 15 minutos, a maioria dos ministros da Corte concordou em suspender a transferência. A única divergência no julgamento foi o ministro Marco Aurélio Mello, que criticou a “queima de etapas” nas instâncias judiciais ./ COLABORARAM PEPITA ORTEGA, FAUSTO MACEDO, RICARDO GALHARDO e RICARDO BRANDT
HORA AHORA
8h33
Juíza Carolina Lebbos, da 12.ª Vara Federal em Curitiba, autoriza a transferência de Lula para São Paulo.
12h
Corregedor Paulo Eduardo Sorci manda Lula para Tremembé, no Vale do Paraíba.
14h06
Defesa de Lula recorre da decisão de Carolina Lebbos ao Supremo Tribunal Federal.
16h
Parlamentares chegam ao STF para reunião com o presidente, ministro Dias Toffoli.
16h20
Ministro Edson Fachin envia pedidos de Lula (que haviam sido endereçados a Gilmar Mendes) para Toffoli definir quem deve analisá-los.
17h10
Toffoli diz que cabe a Fachin analisar os pedidos de Lula.
17h20
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se posiciona contra a transferência.
17h22
Fachin vota para suspender transferência de Lula e submete decisão ao plenário.
17h24
Ministro Alexandre de Moraes acompanha Fachin.
17h25
Barroso, Rosa, Cármen Lúcia, Fux, Lewandowski e Gilmar seguem os colegas.
17h25
Marco Aurélio Mello diverge.
17h31
Ministro Celso de Mello vota contra a transferência.
17h36
Toffoli acompanha a maioria dos colegas, anuncia resultado – 10 votos a 1 a favor de Lula – e encerra sessão.
_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Único voto contrário, Marco Aurélio vê 'queima de etapas'
Rafael Moraes Moura
08/08/2019
Autor do único voto no Supremo Tribunal Federal que divergiu da decisão de suspender a transferência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para São Paulo, o ministros Marco Aurélio Mello disse que a Corte não é o “foro próprio” para avaliar a decisão da juíza Carolina Lebbos, da 12.ª Vara Federal em Curitiba. “Qual é o ato que está sendo apreciado pelo Supremo? É um ato único da juíza de Execuções Penais de Curitiba. Os atos não estão submetidos à jurisdição do Supremo. Os atos da juíza devem ser impugnados no foro próprio”, afirmou.
“Não posso conceber que este tribunal endosse a queima de etapas, e nós aprendemos desde sempre que, no Direito, o meio justifica o fim, não o fim justifica o meio.” Marco Aurélio questionou qual seria o fundamento para o Supremo se pronunciar a respeito da matéria. “Nada, absolutamente nada”, ele mesmo respondeu.
Para o ministro, a defesa deveria ter recorrido “ao órgão revisor do juízo de Curitiba”. “No entanto, diante deste contexto, dentro de uma decisão de primeira instância, acolhe-se pleito de pronunciamento imediato do Supremo, menosprezando-se a organização judiciária, menosprezando-se a existência de um órgão revisor, competente para apreciar decisões da primeira instância.”