O Estado de São Paulo, n. 45951, 09/08/2019. Internacional, p.A10

 

Novas mensagens vazadas atingem vice e ampliam instabilidade no Paraguai

Luiz Raatz

Carla Bridi

Fábio Leite

Ricardo Galhardo

Renée Pereira

09/08/2019

 

 

 

 Recorte capturado

 

 

 

Imbróglio. Conversas de WhatsApp mostram interferência de Velázquez para concluir venda de energia excedente de Itaipu a empresa brasileira; para analista, mesmo que impeachment não avance, caso provoca paralisação e repercute em estatais paraguaias

 

ASSUNÇÃO

 

Novas mensagens de WhatsApp divulgadas ontem pela imprensa paraguaia e atribuídas ao vice-presidente Hugo Velázquez revelam uma interferência direta dele na estatal elétrica do país, a Ande, para concluir a venda de energia elétrica excedente de Itaipu à empresa brasileira Léros. Segundo a oposição paraguaia, essa venda era possível mesmo que não houvesse uma regulamentação que a permitisse explicitamente.

“Oi, Pedro, como está a nossa venda de energia?”, perguntou Velázquez a Pedro Ferreira, diretor da Ande, no dia 4 de junho, segundo uma mensagem obtida pelo canal de TV NPY.

No mesmo dia, o assessor jurídico de Velázquez, José Luís Rodríguez, diz a Felix Sosa, diretor de gestão regional que “o chefe (Velázquez) falou com Ferreira” e cobrou a entrega de uma carta de intenção de compra, já que no dia seguinte viria uma delegação do Brasil discutir o negócio.

A questão da venda de energia excedente no Paraguai é controvertida. Um acordo assinado entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Lugo, em 2009, estabeleceu que o Paraguai teria preferência sobre a compra dessa parcela de energia – gerada a partir do excesso de chuvas em Itaipu todos os anos, que custa cerca de US$ 6 o MW/h.

Nos últimos anos, o Paraguai tem usado a chamada energia excedente para atrair empresas e investimentos. A revenda dessa energia para empresas, disseram ao Estado fontes que participaram da gestão de Itaipu no governo Lugo, também estava prevista no pacto, desde que com a anuência da Eletrobrás. Depois do impeachment de Lugo, em 2012, no entanto, a regulamentação dessa venda nunca foi concluída.

Ricardo Canese, secretário de relações internacionais da Frente Guasú, o partido de Lugo, afirma que o acordo assinado entre os governos Lula e Lugo dizia que a energia excedente poderia ser repassada pela Ande à Eletrobrás ou a uma empresa indicada por ela. “Mas a Ande não poderia ter dado à Léros o monopólio da revenda dessa energia para que ela fosse revendida no Brasil, disse.

O senador Jorge Querey, também da Frente Guasú, que participa da comissão do Senado paraguaio que investiga o caso, disse que os parlamentares descobriram que, apesar da falta de regulamentação, a venda de energia excedente para empresas tornou-se comum. “Era uma prática comum que o excedente se vendesse diretamente por um mecanismo administrativo, dentro de uma das cláusulas do acordo Lugo-Lula”, disse. “O que precisamos descobrir é quem foi beneficiado por essa prática. Como isso envolveu a Eletrobrás e Itaipu. A Promotoria está ouvindo testemunhas e recolhendo provas.”

A intenção do então presidente da Ande, Pedro Ferreira, era regulamentar essa prática, ainda de acordo com Canese. Para isso, foi negociada a inclusão do chamado item 6 da ata bilateral, que permitiria ao Paraguai fazer licitações para a venda de energia a empresas privadas.

Ao mesmo tempo em que esse item era negociado, Velázquez e seu assessor jurídico intercederam na Ande para que ele fosse excluído da ata, com o objetivo de concluir a venda de energia à Léros. Para isso, disseram, segundo mensagens reveladas anteriormente, que chegaria um representante da família Bolsonaro.

Isso ocorreu em 23 de maio, segundo mensagens enviadas por Rodríguez a Pedro Ferreira. No dia seguinte, a ata foi assinada sem o item 6. Em 4 de junho, conforme o mesmo relato, a equipe brasileira, capitaneada por Alexandro Giordano, suplente do senador Major Olímpio (PSLSP), chegou a Assunção para negociar a conclusão do acordo.

Ao Estado, na semana passada, Giordano disse que havia ido ao Paraguai entre fevereiro e maio, como parceiro da Léros, para ouvir propostas sobre um projeto-piloto de venda de energia após ficar sabendo pela imprensa local de um chamamento público para venda de energia.

Em julho, a sede do PSL em São Paulo, que funcionava no mesmo prédio que o empresário do suplente do Major Olímpio, saiu do local, onde ocupava o mezanino. Giordano não respondeu aos pedidos da reportagem para comentar essa saída.

Segundo Sara Mabel Villalba Portillo, analista da Universidade Nacional de Assunção, mesmo que o impeachment do vice e do presidente não avance, o caso causou paralisação e repercutiu em todas as instituições estatais. “Chama a atenção que o Brasil tenha aceitado anular o acordo por causa da situação do governo paraguaio, como um apoio para o presidente estancar a crise”, avalia.

A Léros, empresa envolvida na polêmica sobre o contrato da energia de Itaipu, foi criada em 2009 e atua em alguns segmentos do setor. Além da comercialização, faz projetos de geração solar e tem negócios na área de petróleo e gás natural. Segundo fontes, a comercializadora tem pouca expressão no mercado./ LUIZ RAATZ, CARLA BRIDI, FÁBIO LEITE, RICARDO GALHARDO e RENÉE PEREIRA, COM EFE

 

Revenda

“A Ande não poderia ter dado à Léros o monopólio da revenda dessa energia para que ela fosse revendida no Brasil”

Ricardo Canese

SECRETÁRIO DE RI DA FRENTE GUASÚ

 

CRONOLOGIA

Pacto quase derrubou líder

12 de março

Encontro em Brasília

Presidentes Mario Abdo Benítez e Jair Bolsonaro se reúnem em Brasília.

 

9 de maio

Reunião no Paraguai

O assessor jurídico da vicepresidência paraguaia, José Luís Rodríguez, escreve a Pedro Ferreira e diz que no dia seguinte haveria uma reunião com delegação brasileira em Ciudad del Este.

 

16 de maio

Modelo de contrato

Rodríguez menciona um modelo de contrato de compra de energia entre a Ande e a empresa brasileira Léros. Àquela altura, a venda de energia da Ande à Eletrobrás não estava completamente regulamentada, mas a Ande costumava fazê-lo por meio de “mecanismos administrativos”.

 

24 de maio

Ata bilateral

A ata bilateral é assinada sem o item 6 e à revelia do presidente da Ande. Rodríguez pediu a exclusão do item para não prejudicar a negociação com a Léros. Esse item regulamentaria a venda de energia excedente.

 

5 de junho

Major Olímpio

Rodríguez diz que pessoas da Léros estão no Paraguai como representantes da família Bolsonaro. É essa reunião da qual teria participado Alexandre Giordano, suplente do senador Major Olímpio (PSL-SP).

 

24 de julho

Renúncia

Pedro Ferreira renuncia; cresce a pressão pelo impeachment de Benítez

 

1º de agosto

Acordo cancelado

Brasil e Paraguai cancelam acordo assinado este ano.