O globo, n.31386, 13/07/2019. Mundo, p. 24

 

Risco duplo

Marco Grillo 

Eliane Oliveira 

Gustavo Maia 

13/07/2019

 

 

A possível indicação de EduardoBol sonar opara a Embaixada do Brasil no sEU Aficará nas mãos do Supremo e do Senado, instituições atacadas por bolsonaristas. Parlamentares da Comissão de Relações Exterioresve em dificuldadepara aprovara nomeação, e advogados já entraram na Justiça para impedi-la.

“Tenho uma vivência pelo mundo. Já fiz intercâmbio, já fritei hambúrguer lá nos Estados Unidos”

Eduardo Bolsonaro, negando que sua nomeação para embaixada seja nepotismo

Ao anunciar a intenção de indicar o próprio filho para a embaixada brasileira em Washington, o presidente Jair Bolsonaro, além de promover um gesto inédito na diplomacia do país, atrelou o sucesso da iniciativa à receptividade de duas instituições que são alvo constante de ataques da base bolsonarista nas redes e nas ruas: o Congresso e o Poder Judiciário. Ontem, a possibilidade de o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), sem carreira no Itamaraty, ocupar um dos postos mais cobiçados da Chancelaria gerou reações concretas na política e no mundo jurídico. No Senado, responsável por avalizar as indicações de embaixadores, membros da Comissão de Relações Exteriores eDefesaNacional—ocolegiado sabatina os candidatos —

criticaram a possível escolha e prometem resistir se a indicação se concretizar. O senador Randolfe Rodrigues (RedeAP), também membro da comissão, disse que nesse caso vai à Justiça.

PSOL: ‘ATO ILEGAL E IMORAL’

Advogados já se anteciparam e pediram que a indicação seja vetada, como informou o colunista Guilherme Amado, da Época. Por sua vez, o PSOL entrou com representação à Procuradoria Geral da República (PGR) pedindo investigação sobre a possível indicação. O partido alega que quer evitar “ato ilegal e imoral”. O receio de que a judicialização amplie o desgaste é o motivo de, dois dias depois de Bolsonaro ter tratado publicamente do assunto, o convite ainda não tenha se concretizado, conforme antecipou, ontem, a colunista Bela Megale, do GLOBO.

Com um cenário tortuoso desenhado à frente, Eduardo pretende renunciar ao mandato na Câmara apenas se tiver o nome aprovado no Senado. A Comissão de Relações Exteriores da Casa ainda estuda juridicamente o assunto para determinarem que momento ele precisa abrir mão da cadeira de deputado. Enquanto isso, senadores já se movimentam para evitar o que classificam como um “retrocesso”. As votações na comissão e no plenário da Casa são secretas, oque aumenta o desafio, já que Bolsonaro optou por não constituir base parlamentar. —Estou muito preocupado e não vou votar favoravelmente. Temos que botar profissionais. Recebo diplomatas toda semana e vejo o nível e tempo de trabalho em vários países. E vai ser dentro desse critério que vou continuar querendo indicação de diplomatas. Não alguém caindo de paraquedas. Para mim, é um adolescente pilotando um Boeing — criticou o senador Marcos do Val (Cidadania-ES), vice-presidente da Comissão. Também integrante do colegiado, a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) acrescentou que a hipótese também contrariao discurso da“nova política” citado porBol sonar o desde a campanha eleitoral. —Isso é exatamente a perpetuação da velha política, de uma forma de fazer política que ele mesmo diz que combate. Fora o desgaste que vai ser para o Eduardo. A sabatina dele vai ser de massacrar —prevê ela.

Para o senador Angelo Coronel (PSD), outro titular do colegiado, falar inglês e ter boas relações com familiares do presidente Donald Trump “não são predicados”:

— Ele terá que mostrar o seu currículo e sua capacidade pra ser aprovada sua indicação. A imagem do Brasil não pode ser abalada pelo simples capricho do pai querendo agradar o filho.

‘DECISÃO É DO PRESIDENTE’

O presidente da Comissão de Relações Exteriores, senador Nelsinho Trad (PSD-MS), reuniu-se ontem com o ministro Ernesto Araújo. O parlamentar defendeu o direito de escolha de Bolsonaro.

— A decisão é do presidente da República. Quem passou pela campanha foi ele (Bolsonaro), quem levou a facada foi ele, quem ganhou a eleição foi ele. Ele tem todo o direito de escolher quem é melhor. Ainda mais tendo um relacionamento extremamente particular e intenso com a política americana —pontuou Trad. Ontem, Bolsonaro negou que a possível escolha do filho configure nepotismo. —Essa função, tem decisão do Supremo, não é nepotismo. Jamais faria isso —declarou o presidente, referindose à súmula vinculante número 13, do STF.

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, já afirmou que o caso seria enquadrado como nepotismo. Em 2017, o ministro suspendeu a nomeação de Marcelo Hodge Crivella como secretário da Prefeitura do Rio, comandada pelo pai, Marcelo Crivella. Especialistas que acompanham as redes sociais do Planalto observam que o presidente Bolsonaro “fabricou” mais uma crise ao anunciar Eduardo como possível embaixador nos EUA. Nas redes, as interações negativas “abafaram” os vazamentos da Lava-Jato e os desgastes gerados pela votação da reforma da Previdência. (Colaborou Naira Trindade)

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'Já fiz intercâmbrio, já fritei hambúrguer lá nos EUA'

13/07/2019

 

 

Cotado para assumir a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos , o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) saiu de uma reunião na manhã de ontem com chanceler Ernesto Araújo, no Itamaraty, afirmando estar seguro de que não haverá crime de nepotismo, caso seja de fato indicado pelo presidente Jair

Bolsonaro para o posto. O nepotismo ocorre quando um agente público usa de sua posição de poder para nomear, contratar ou favorecer um ou mais parentes. —Não sou um filho de deputado que está do nada vindo a ser alçado a essa condição. Tem muito trabalho sendo feito, sou presidente da Comissão de Relações Exteriores [da Câmara], tenho uma vivência pelo mundo, já fiz intercâmbio, já fritei hambúrguer lá nos Estados Unidos —enfatizou. O parlamentar argumentou que sua ida para Washington fortaleceria as relações bilaterais entre os dois países e revelou que não vê necessidade de renunciar ao mandato na Câmara, mas, se isso acontecer, só deixaria o cargo depois de ter sido sabatinado e aprovado pelo Congresso. Sobre as críticas que vem recebendo de diplomatas que o consideram jovem e sem experiência para assumir um posto tão importante, ele afirmou: —Esse é um entendimento que deve haver entre o ministro Ernesto Araújo e o presidente Jair Bolsonaro. Os demais diplomatas estão hierarquicamente inferiores ao ministro.

A indicação do deputado era defendida nos bastidores pelo grupo ligado ao ideólogo de direita Olavo de Carvalho desde a transição do governo, no final de 2018. Mas Bolsonaro se convenceu a nomear o filho após o presidente Donald Trump elogiar Eduardo na viagem oficial aos EUA em março. (Colaborou Jussara Soares)