O Estado de São Paulo, n. 45949, 07/08/2019. Política, p.A6

 

 

 

Governo tira obrigação de balanços em jornais

Ricardo Galhardo

Luci Ribeiro

 

 

 

 

07/08/2019

 

 

 

Bolsonaro diz que medida é uma ‘retribuição’ à imprensa; Maia e ANJ criticam decisão

 / BRASÍLIA

 

MARCOS CORRÊA/PR

Visita. Bolsonaro percorreu instalações de unidade oncológica inaugurada ontem em Itapira

 

O presidente Jair Bolsonaro publicou ontem no Diário Oficial da União uma medida provisória que permite que balanços de empresas de capital aberto sejam publicados apenas na internet em vez de veículos impressos, como jornais. Durante inauguração de uma fábrica de remédios oncológicos em Itapira (SP), Bolsonaro afirmou que a publicação foi uma “retribuição” à forma como foi tratado pela imprensa durante a campanha eleitoral.

“(Fui eleito) Sem televisão, sem tempo de partido, sem recursos, com quase toda a mídia o tempo todo esculachando a gente. (Chamavam de) Racista, fascista e seja lá o que for. No dia de ontem (segunda-feira) eu retribuí parte daquilo que grande parte da mídia me atacou”, disse o presidente.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), criticou a MP, afirmando que ela pode ‘inviabilizar milhares de jornais” da “noite para o dia”.

Até então, a legislação determinava que esses documentos fossem divulgados no órgão oficial da União, Estado ou Distrito Federal, como diários oficiais, conforme o lugar em que a companhia estivesse situada, e em outro jornal de grande circulação editado na localidade da sede da empresa.

Agora, de acordo com a Medida Provisória n.º 892/2019, os balanços dessas empresas podem ser divulgados apenas nos sites da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da entidade administradora do mercado em que os valores mobiliários da companhia estiverem admitidas à negociação, além do próprio endereço eletrônico.

Embora tenha associado a MP ao tratamento que recebeu durante a campanha eleitoral, Bolsonaro disse que não se trata de retaliação. “Os empresários que gastavam milhões de reais para publicar seus balancetes em jornais agora podem faze-lo no Diário Oficial da União a custo zero. Não é uma retaliação contra a imprensa, é tirar o Estado de cima daquele que produz.”

Segundo Maia, os jornais impressos são instrumentos importantes de “divulgação de informação, da garantia da liberdade de imprensa, liberdade de expressão e da nossa democracia”. Maia sinalizou ainda que o Congresso deve modificar a medida.

“Retirar essa receita dos jornais da noite para o dia não me parece a melhor decisão. Acho que a Câmara e o Senado poderão construir um acordo onde a gente olhe para o futuro, onde o papel jornal já não seja de fato relevante. Mas no curto prazo é difícil a gente imaginar nos próximos cinco ou seis anos, que, da noite para o dia, vamos inviabilizar milhares de jornais que funcionam informando a sociedade”, disse Maia.

 

‘Estranhamento’. Em nota, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) disse ter recebido “com surpresa e estranhamento” a edição da MP. “Além de ir na contramão da transparência de informações exigida pela sociedade, a MP afronta parte da Lei 13.818, recém aprovada pela Câmara e pelo Senado e sancionada pelo próprio presidente da República em abril”, diz a nota da entidade.

“Por essa lei, a partir de 1.º de janeiro de 2022 os balanços das empresas com ações negociadas em bolsa devem ser publicados de modo resumido em veículos de imprensa na localidade sede da companhia e na sua integralidade nas versões digitais dos mesmos jornais.”

A MP estabelece que a CVM regulamentará a aplicação das novas regras e que o Ministério da Economia disciplinará a forma de divulgação dos atos relativos às companhias fechadas. Tanto as publicações de companhias abertas quanto as das fechadas não serão cobradas, diz a MP. O texto já está em vigor, mas só produzirá efeitos no primeiro dia do mês seguinte à data de publicação dos atos de CVM e ministério./ COLABORARAM MARIANA HAUBERT e CAMILA TURTELLI

 

'Inviabilizar'

“No curto prazo vamos inviabilizar milhares de jornais que informam a sociedade.”

Rodrigo Maia (DEM-RJ)

PRESIDENTE DA CÂMARA