O Estado de São Paulo, n. 45946, 04/08/2019. Política, p. A6

 

Após ataques de Bolsonaro, boatos ganham impulso

Daniel Bramatti

Alessandra Monnerat

04/08/219

 

 

 Recorte capturado

 

 

 

 

Em casos checados pelo ‘Estadão Verifica’, peças de desinformação foram criadas e difundidas contra alvos criticados pelo presidente

Aconteceu com a jornalista Miriam Leitão, com o governador Flávio Dino (PCdoB) e até com o prefeito de Nova York, Bill de Blasio. Após ataques públicos de Jair Bolsonaro a pessoas e instituições, elas imediatamente se tornam personagens de boatos infundados de grande circulação nas redes sociais. As ondas de desinformação buscam validar as declarações do presidente e, ao mesmo tempo, manchar a reputação de seus alvos.

O quadro publicado nesta página mostra sete episódios em que esse padrão foi observado. Em todos, o Estadão Verifica – núcleo de checagem de fatos do Estado – constatou a falsidade total ou parcial das alegações, que circularam principalmente em perfis e páginas de simpatizantes do governo no Facebook e no Twitter.

“A peça de desinformação pega carona na indignação, na tentativa de explicar o que está acontecendo ou na vontade de uma parcela do público de dar apoio ao presidente”, avaliou Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão em Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP) e estudioso da polarização nos ambientes virtuais.

Ortellado ressaltou que produzir um meme ou um boato não exige muito tempo ou esforço. São peças pouco sofisticadas que não se apoiam em dados ou argumentos aprofundados. Esse imediatismo ajuda a desinformação a se tornar língua franca em um ambiente altamente polarizado. Como disse o professor, quem já está posicionado em um dos polos do espectro político busca conteúdos que embasem sua opinião previamente formada – éo chamado “viés de confirmação”. “Nessa característica, as redes de desinformação conseguem grande sucesso, porque elas oferecem uma rápida explicação, mesmo que seja distorcida ou falsa”, afirmou Ortellado.

De outro lado, o codiretor do Instituto Tecnologia & Equidade, Ariel Kogan, disse que a forma com que a desinformação se espalha após uma declaração de Bolsonaro não é uma especificidade do presidente brasileiro. “Boatos sempre existiram na história da sociedade”, afirmou. “A novidade é que a tecnologia potencializa o compartilhamento.”

Para Kogan, o principal desafio é a alfabetização midiática – ensinar as pessoas a viver neste ambiente digital. “A sociedade não estava preparada para o momento em que vivemos.”

Versões. Exemplos mais recentes de pessoas atacadas que acabaram envolvidas em boataria são o jornalista Glenn Greenwald e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, que é filho de um ativista político preso e assassinado durante a ditadura militar. Sem apresentar evidências, Bolsonaro afirmou no dia 29 de julho que o pai de Santa Cruz, Fernando, teria participado da luta armada e sido morto por seus próprios companheiros. O próprio governo já reconheceu a responsabilidade do Estado brasileiro pela morte.

Nas horas seguintes, começaram a circular nas redes sociais peças que falsamente associavam Fernando a um atentado no Recife e que o identificavam em uma foto, armado, ao lado do então líder estudantil José Dirceu – a pessoa retratada era, na verdade, um policial.

No dia 19 de julho, Bolsonaro reproduziu durante café da manhã com correspondentes estrangeiros a alegação falsa de que Miriam Leitão estaria indo para a guerrilha do Araguaia quando foi presa durante a ditadura. No Twitter, a reação foi rápida: no mesmo dia, foi lançada a hashtag #MiriamLeitaoTerroristaSim, segundo levantamento da pesquisadora Luiza Bandeira, do Atlantic Council, que monitora redes de desinformação nas redes sociais.

A mesma conta que lançou a campanha de difamação contra Miriam tuitou a hashtag 444 vezes ao longo de três dias. De acordo com Luiza, nesse caso, houve uma coordenação com outras pessoas para subir a expressão ao ranking de assuntos mais comentados da rede social. Mais da metade das menções a #MiriamLeitaoTerroristaSim veio de 10% dos usuários que usaram a hashtag. “A fala do presidente pauta a agenda tanto dos bons atores quantos desses maus atores nas redes”, afirmou a pesquisadora.

Espaço. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) foi atacado por Bolsonaro na mesma ocasião de Miriam — ele acusou a entidade de divulgar dados falsos sobre a Amazônia. O sistema de satélite que indica alertas de desmatamento em tempo real, o Deter-B, registrou aumento de 254% de área desmatada em julho de 2019 em relação ao mesmo período do ano anterior.

O Monitor de WhatsApp da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que captura o conteúdo que mais circula em grupos públicos do aplicativo de mensagens, indicou que nos dias seguintes às críticas de Bolsonaro começou a viralizar o vídeo de um médico que alega, sem base factual, que os dados do Inpe eram mentirosos. A desinformação também foi reproduzida no Facebook. O Estadão Verifica publicou uma checagem sobre o assunto no dia 30 de julho, em parceria com o projeto Comprova.

Outros casos semelhantes também ocorreram neste ano. Em maio, o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, foi falsamente acusado de corrupção, tráfico de drogas e estupro. Não há documentos que comprovem as alegações. Os boatos começaram a correr após o integrante do Partido Democrata criticar o anúncio da ida de Bolsonaro à cidade americana – a viagem acabou cancelada.

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Estudo vê queda de avaliação nas redes sociais

Paulo Roberto Netto

04/08/2019

 

 

As frases polêmicas proferidas pelo presidente Jair Bolsonaro contra jornalistas, políticos e instituições na última semana de julho coincidiram com queda na avaliação do Planalto nas redes sociais, indica monitoramento da startup Arquimedes. O índice registrou baixa semelhante em maio, no mesmo período em que o governo foi cercado por críticas e questionamentos pelo decreto que flexibilizou o porte de armas.

O Índice de Sentimento Arquimedes (ISA) mede diariamente o humor das manifestações a partir de publicações de perfis e páginas públicas no Twitter e no Facebook sobre o governo, variando de 0 a 100, onde 0 é totalmente negativo e 100 é totalmente positivo.

O levantamento aponta um início de julho positivo com 46 pontos. No período, o Planalto era impulsionado pela manifestação pró-governo de 30 de junho e acompanhava a tramitação e aprovação da reforma da Previdência em primeiro turno na Câmara dos Deputados.

A partir da segunda quinzena, porém, a variação teve uma baixa e chegou aos 35 pontos – menor índice registrado desde a posse. Foi no dia 19, durante um café da manhã com jornalistas estrangeiros, que o presidente disse ser “uma grande mentira” a fome no Brasil. Na mesma ocasião, emendou acusações falsas contra a jornalista Miriam Leitão, questionou os dados de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e chamou governadores nordestinos de “paraíba”, termo pejorativo usado no Rio.

A sequência de polêmicas e as repercussões nos dias seguintes fizeram o ISA oscilar entre 35 e 38 pontos. A queda também coincide com a declaração de Bolsonaro, no último dia 25, contra o jornalista Glenn Greenwald, acusado pelo presidente de ser um “malandro” que “talvez pegue uma cana” no Brasil.

Apesar da baixa na segunda quinzena de julho, o índice registrou uma leve recuperação positiva a partir do dia 29 de julho. A data bate com os ataques lançados por Bolsonaro contra o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. Naquele dia, Bolsonaro afirmou falsamente que o pai de Santa Cruz havia sido morto por um grupo terrorista.

Queda semelhante só na primeira quinzena de maio. No dia 7 daquele mês, o Planalto editou decreto para flexibilizar o porte de armas – questionado por Congresso e Supremo Tribunal Federal.