O globo, n.31385, 12/07/2019. País, p. 04
Desobediência e castigo
Bruno Góes
Naira Trindade
12/07/2019
O voto favorável de 11 deputados do PSB e oito do PDT à reforma da Previdência provocou uma crise na oposição a Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. O grupo, em grande parte eleito com um discurso de renovação na política, colocou em questão um dogma sustentado pela esquerda: o pensamento de que as reformas seriam prejudiciais ao país. A atitude pode resultar na retaliação da direção de ambas as legendas, que ainda ontem, dia seguinte à primeira votação, já colocaram como perspectiva até mesmo a expulsão.
Na próxima semana, ambos os partidos vão analisar os casos em suas comissões de ética. A dissidência representa 32% do total das duas bancadas, que somam 59 deputados. A direção do PDT ainda demonstra receio em aplicar a pena máxima, admitindo que não gostaria de ter uma bancada menor. Já o PSB pretende ser mais duro e estuda até mesmo pedir o ressarcimento do dinheiro gasto pelos dissidentes durante a campanha.
SINUCA DE BICO
Nos partidos que decidiram apoiar a reforma, a dissidência foi um pouco menor e não deve gerar problemas políticos. Ao todo, foram 34 deputados que contrariaram as direções partidárias, sendo 19 a favor da reforma e 15 contra.
Para o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, a referência para o caso do seu partido é a circunstância em que 13 deputados foram expulsos após votarem a favor da reforma trabalhista, durante o governo Michel Temer. A intenção explícita é punir os parlamentares, pedir o mandato para a legenda e ainda exigir uma compensação financeira.
— Há uma nova realidade jurídica que está sendo estudada. Em primeiro lugar, nenhum deles (dissidentes) foi eleito com os votos apenas deles. O financiamento é público, e eles foram eleitos financiados pelo partido. Nós estamos estudando a possibilidade de pedir o mandato e pedir a restituição do dinheiro gasto na eleição — diz o presidente da legenda.
Já o presidente do PDT, Carlos Lupi, não garantiu que os dissidentes serão expulsos, mas disse que a jovem deputada Tabata Amaral (SP) será uma protagonista do processo que será aberto na comissão de ética. A deputada vem sofrendo críticas nas redes sociais e é a figura de maior destaque entre os que resolveram votar contra o partido.
Lupi afirma que o procedimento contra Tabata será concluído em 60 dias. Segundo ele, o partido está numa sinuca de bico:
— Se expulsarmos, perdemos o mandato. Se mantivermos, ficamos desmoralizados.
O candidato derrotado à Presidência pelo PDT nas últimas eleições, Ciro Gomes, defendeu a punição em evento na Câmara Municipal de Porto Alegre:
—Não acho que seja um pecadilho desculpável não. Tem que haver punição.
CONVITES DE OUTRAS SIGLAS
O dilema da esquerda sobre expulsar ou não os “traidores” tem ordem pragmática. Com uma bancada menor, os partidos perdem força política no Congresso, diminuindo, por exemplo, sua influência no resultado de votações e, consequentemente, seu poder nas negociações.
Quando um parlamentar é expulso de um partido, segundo dois ex-ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ouvidos pelo GLOBO, o mandato não fica com a legenda. O deputado, portanto, continua a exercer a sua função.
A expulsão não afeta a distribuição do Fundo Partidário, que é feita a partir da eleição da bancada de cada partido. Já em relação ao montante transferido ao Fundo Eleitoral, ainda há dúvidas. Por ser uma legislação recente, pode haver discussão sobre a destinação de recursos.
Ontem, os deputados do PSB tiveram uma reunião de mais de quatro horas para debater a troca do líder do partido na Câmara e a situação da bancada, rachada após a votação. Os parlamentares ameaçados já começaram a receber propostas de outros partidos. Em tom de brincadeira, Rodrigo Agostinho (PSB-SP) questionou Felipe Rigoni (PSB-ES) sobre o assunto. Ambos votaram a favor da reforma.
— Já sabe para qual partido vai? Se souber, me avise. Porque eu não sei —brincou Agostinho, no plenário.
Rigoni, assim como Tabata, faz parte dos movimento Acredito. Ele diz que todos já sabiam de sua posição, desde a campanha eleitoral. E ressaltou que tinha noção das possíveis consequências de sua escolha. Ele conta ter sido convidado formalmente para sete partidos:
— Existe a vontade de vários parlamentares do PSB para que não se chegue ao ponto da expulsão. Uma punição haverá, e tem que haver, porque aí não teria sentido um partido ter uma posição. Mas eu sempre fui muito a favor da Previdência, estudei muito o assunto. Respeito o partido, mas não poderia tomar uma posição diferente.
Um dos partidos mais empenhados em abrigar os dissidentes é o Cidadania (antigo PPS), que tem uma orientação próxima à centro-esquerda. Líder do legenda na Câmara, Daniel Coelho (PE) confirmou o convite a Tabata para uma eventual filiação.
—A posição corajosa de deputados do PDT e do PSB ao votar a favor da reforma se alinha muito com a nossa posição. Vai haver um prazo para discussões internas dos partidos, mas há um alinhamento natural —diz Daniel Coelho.
O líder do Cidadania considera ainda que a votação sirva de aprendizado para os movimentos de renovação, para que haja o entendimento de que a política necessita de uma unidade partidária.