O globo, n.31385, 12/07/2019. País, p. 06

 

Planalto, Maia e centrão tentam faturar reforma 

Naira Trindade 

Jussara Soares 

Bruno Góes 

12/07/2019

 

 

Enquanto a esquerda saiu indiscutivelmente derrotada da votação em primeiro turno da reforma da Previdência, já que a proposta recebeu 71 votos a mais do que o mínimo necessário para ser aprovada, três atores se articulam agora, no xadrez político, para faturar com o resultado. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o bloco parlamentar conhecido como centrão e o Palácio do Planalto tentam emplacar sua versão da vitória.

Imediatamente depois de conseguir o apoio de 379 deputados para a aprovação da reforma, Maia e aliados do centrão buscaram o protagonismo apontando para uma nova agenda na Câmara. Aos prantos, o presidente da Casa subiu à tribuna e se posicionou como o pai do feito. E mandou o recado para o Planalto:

—Todo processo do Legislativo de relação com o Executivo é sempre de desconfiança porque esse governo

no início gerou uma desconfiança. Mas acho que isso vai caminhar para o leito normal do rio e a gente vai construir, daqui para frente, uma relação mais harmônica entre os Poderes.

A “Agenda Maia” prevê prioridade às pautas econômicas, algumas em consonância com os objetivos do governo. Reformas como a tributária, administrativa e agendas relacionadas ao emprego e renda são o foco. A expectativa, entretanto, é que o Congresso dê pouca atenção a propostas do governo relacionadas aos costumes.

MAIS BARGANHA

O próprio presidente reconhece a liderança de Maia na articulação da reforma. Ontem, porém, o Planalto já tentava vender o placar como um sucesso do seu “novo modelo de governabilidade”.

Ao longo de seis meses de gestão, o governo foi criticado por uma articulação considerada “ineficiente” e “atrapalhada”, o que incluiu troca de farpas públicas entre Bolsonaro e Maia.

Para auxiliares de Bolsonaro, a resposta à altura veio em número de votos acima das expectativas mais otimistas, e reforça o sentimento de que o governo, ainda que por vias tortuosas, segue “o caminho certo”. A Previdência dá o respaldo ao governo de dobrar a aposta e não alterar os termos de negociação com o Legislativo. Para uma integrante do Planalto, cada nova matéria apresentada ao Congresso será uma nova batalha.

Desde a campanha, Bolsonaro prometeu não repartir os ministérios entre os partidos em troca de apoio às pautas do governo. Também repetiu, exaustivamente, que não cederia ao “toma lá, dá cá”, entregando cargos nos estados para parlamentares.

O centrão pensa diferente. Para o grupo, a vitória aumentou seu poder de barganha. Já é feito o mapeamento de suas pautas prioritárias. Partidos como o Podemos, PL, PP e PSD lideram o ranking dos que mais receberam emendas parlamentares do total de R$ 2,55 bilhões, já distribuídos pelo governo às vésperas da votação, segundo dados da ONG Contas Abertas. A expectativa no Congresso, com o alto placar de votação, é que o centrão dobre seu poder de negociação nas próximas votações.

O líder do PSD na Câmara, André de Paula (PE), avalia que a aprovação da reforma da Previdência fez com que o governo revisasse a relação com a Câmara, antes “satanizada” pelo próprio Planalto. Os primeiros desafios para os líderes serão as reformas tributária e reforma, que incluem a reformulação da progressão da carreira de servidores públicos.

— O Congresso tem que fazer isso, vendo a inércia, a inação do governo, então começamos a tomar as providências. Não podemos esperar. Pautamos a reforma tributária, tocamos para frente, e o governo vem atrás —diz o líder do PSD.

Maia mostrou que caminha não só com o centrão, mas também com a oposição. Ele fez questão de iniciar seu discurso no plenário durante a votação na quarta-feira enaltecendo o papel da oposição.

— Rodrigo, ao reconhecer o papel da oposição nesse debate, fez um gesto para uma convivência mais respeitosa na Casa e para um ambiente mais saudável e menos tóxico —disse o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (Rede-RJ).