O globo, n.31385, 12/07/2019. Economia, p. 16

 

BC acha que país cresce em 2020

Míriam Leitão

12/07/2019

 

 

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, define a aprovação do texto base da reforma da previdência como “uma vitória dos brasileiros”, admite que isso aproxima mais o tempo da queda dos juros e acredita que no segundo semestre o país inverte a curva para voltar a crescer. Ele está debruçado em questões microeconômicas e quer a redução do custo do dinheiro também para os tomadores finais, principalmente os do crédito emergencial. “Por um estudo que fizemos, 50% das pessoas que usam o cheque especial ganham até dois salários mínimos, 67% têm educação básica, e o comprometimento da renda é muito alto para um taxa de juros de 325%”.

Roberto Campos Neto fica com um olho nas questões macro e outro nas mudanças micro que o Banco Central quer estimular para o mercado de crédito funcionar melhor. Ele é contra vender reservas para fazer investimento. Conta que apresentou para o ministro da Economia, Paulo Guedes, o plano de reduzir o recolhimento obrigatório dos bancos para liberar mais recursos para a economia. Guedes chegou a falar em R$ 100 bilhões.

No macro, ele disse que a reforma aprovada esta semana em primeiro turno na Câmara foi um grande passo:

— Foi uma vitória dos brasileiros, do Congresso, de todos os deputados que votaram. Não é todo dia que a gente vê multidões nas ruas pedindo reforma da Previdência. É muito importante para a economia, é um problema fiscal nunca resolvido. É um primeiro passo, mas há outros como os juros da dívida, a reforma do Estado para melhorar a percepção do Brasil pelo investidor estrangeiro, que vai estimular o investimento local e privado. Estamos no caminho certo.

Eu o entrevistei ontem na Globonews. Ele vinha dizendo em seus comunicados que a queda da Selic depende do clima externo, do hiato do produto e das reformas. O clima externo melhorou, o país não está crescendo, e as reformas avançam. As condições estão dadas para os juros caírem? Ele responde admitindo que recebeu uma boa herança da administração anterior. Depois, afirma que o cenário externo está mais “benigno” e houve uma “interrupção” do crescimento:

— Nessa linha, um avanço nas reformas faz com que o cenário fique mais benigno.

A inflação em 12 meses caiu para 3,3%, com a divulgação da taxa de junho. Mas a previsão de crescimento está caindo há 19 semanas. Perguntei o que o BC pode fazer pelo crescimento:

— O Banco Central é muito preocupado com o crescimento. Mas a melhor forma de atingir um crescimento sustentável de longo prazo é exatamente ter credibilidade na política, o que nós nunca vamos fazer é trocar o crescimento de curto prazo por inflação. Essa troca foi feita no passado, foi um experimento que não deu certo.

A sua expectativa é a de que o país já no segundo semestre tenha uma melhora do ritmo de crescimento:

— Acho que depois da reforma da previdência vamos para outras reformas. Aqui nós temos uma agenda microeconômica, que não é tão sexy quanto a agenda macro, mas cria estímulos, impulsiona. No segundo semestre haverá um ponto de inflexão e no ano que vem vamos crescer.

A redução do custo do crédito está nos estudos do BC. No caso do cheque especial, uma ideia é cobrar tarifa de todo mundo que tem limite para baratear o produto para os tomadores. Ele promete usar a regulação caso os bancos cobrem tarifas e não reduzam os juros.

Campos Neto estuda inovar nas modalidades de crédito criando condições para que, como em outros países, uma pessoa dona de imóvel que se valorizou possa transformar parte da valorização em operação de crédito. Lembrei a ele que assim começou a crise do subprime:

— Exatamente, e isso se evita com regulação. No Brasil a alavancagem é próxima de zero, nos Estados Unidos chegou a 40%, 50%. Outra coisa é inibir a estrutura de derivativos.

Perguntei sobre venda de reservas para ajudar as contas públicas, e ele explicou que as reservas têm dado lucro. De R$ 60 a R$ 70 bilhões nos últimos dez anos:

— Mas a história de vender reservas para fazer investimento eu acho totalmente incoerente com o que nós estamos pregando.

Sobre os compulsórios, que teoricamente liberaria mais recursos para que os bancos emprestem aos tomadores, ele disse que o Banco Central trabalha hoje com um volume de R$ 500 bi. Acha que talvez seja possível trabalhar com um volume menor de compulsório.

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Regra mais dura no INSS

12/07/2019

 

 

As regras de transição criadas na reforma da Previdência preveem um corte no valor do benefício para os trabalhadores do setor privado que não contribuírem por pelo menos 40 anos para o INSS. Esse corte vai ocorrer mesmo na nova regra do pedágio de 100%, criada pelo relator Samuel Moreira (PSDB-SP).

Num primeiro momento, a regra do relator foi prevista apenas para servidores. A ideia era suavizara transição para o funcionalismo que ingressou no setor público antes de 2003 eque, pela proposta original do governo de Jair Bolsonaro, teria de cumprir imediatamente as exigências de idade mínima para manter o direito à integralidade (aposentadoria igual ao último salário da ativa). Por isso, Moreira criou o pedágio de 100%. Funciona assim: para o servidor pré-2003 que, por exemplo, está a quatro anos de se aposentar, basta trabalhar oito anos (4 anos + 100%) para se aposentar com integralidade, desde que cumprida a ida dede 57 anos (mulheres) e 60 anos (homens).

Em seguida, Moreira decidiu estendera regrado pedágio de 100% para os trabalhadores do setor privado. Mas, nos debates, não foi explicitado que apenas o critério para pedir aposentadoria seria similar. A regra para o cálculo de benefício seguiu parâmetros diferentes no caso do INSS.

Pelo pedágio de Moreira, os servidores anteriores a 2003 terão aposentadoria pelo valor máximo — que, no caso deles, significa a integralidade — se cumprirem os pré-requisitos para se aposentarem. Mas os trabalhadores do setor privado não têm garantido o valor máximo de aposentadoria

possível (neste caso, limitado ao teto do INSS) se atingirem todas as exigências para pedir aposentadoria. O direito ao benefício integral só virá se o trabalhador tiver contribuído por pelo menos 40 anos ao INSS.

O site do GLOBO atualizou sua calculadora da Previdência para refletir esta redução no valor do benefício para quem contribui por menos de 40 anos na regra de transição criada por Samuel Moreira. A calculadora simula as opções de aposentadoria nas sete regras de transição possíveis — cinco do setor privado e duas para os servidores. E, durante alguns dias, a calculadora informou o cálculo do benefício no pedágio de 100%, em algumas simulações, de forma imprecisa, por um erro de interpretação sobre o texto do parecer do relator.

MAIS FAVORÁVEL A SERVIDOR

No infográfico ao lado, é apresentada a versão correta de simulações, publicadas de forma equivocada na edição impressa do GLOBO de ontem, sobre a aposentadoria pela regra do pedágio de 100%.

Moreira admitiu ontem que a regra é mais favorável aos servidores que ingressaram no setor público antes de 2003, mas ressaltou que ela beneficia todos os trabalhadores.

— A vantagem da nova regra para os trabalhadores do setor privado é que eles poderão se aposentar mais cedo sem serem afetados pelo fator previdenciário — disse Moreira, acrescentando que, com o fator previdenciário, o valor da aposentadoria chega a cair até 30% dependendo do caso.

O fator previdenciário é um redutor de benefícios criado para evitar aposentadorias precoces cujo cálculo leva em consideração a idade da pessoa e a expectativa de vida da população. O fator é aplicado na outra regra de transição que usa o critério do pedágio, prevista no projeto original do governo Bolsonaro. Por esta regra, disponível apenas para quem está a dois anos de se aposentar, o pedágio é de 50%. E o cálculo do benefício é reduzido pelo fator previdenciário.

No pedágio criado por Samuel Moreira, de 100%, haverá uma “escadinha” para o cálculo do valor do benefício. Quem contribuir por 20 anos terá direito a 60% do benefício, que é calculado pela média das contribuições feitas ao longo da vida do trabalhador. A cada ano adicional de trabalho, ganha-se 2% a mais no valor da aposentadoria. Assim, com 40 anos de contribuição, o trabalhador do setor privado terá direito a 100% do benefício, sempre limitado ao teto do INSS (R$ 5.839,45).

Essa mesma regra da “escadinha” vale para o cálculo do benefício em outras duas regras de transição, pelo sistema de pontos e por tempo de contribuição.

Por fim, na aposentadoria por idade, modalidade mais usada por trabalhadores informais e de baixa renda, que não conseguem contribuir de forma contínua para o INSS, a regra de transição também prevê uma “escadinha”. No caso dos homens, começa em 60% a partir de 20 anos de contribuição e sobe 2% a cada ano. O que muda é para as mulheres: a “escadinha” começa a partir dos 15 anos de contribuição, também em 60%.