O globo, n.31385, 12/07/2019. Mundo, p. 21

 

Filho embaixador 

Eliane Oliveira 

Jussara Soares 

Marco Grillo

12/07/2019

 

 

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) disse na noite de ontem que aceitaria um possível convite para ocupar o posto de embaixador nos EUA, após o pai, o presidente Jair Bolsonaro, afirmar que cogita nomeá-lo. Ele tratou o caso como “encaminhado”, disse que tem as “credenciais” para o cargo, mas afirmou que não houve um convite formal ainda.

O parlamentar ressaltou que falta uma conversa “olho no olho” com Bolsonaro e o chanceler Ernesto Araújo. Para ocupar o posto em Washington, ele precisará ser aprovado em sabatina no Senado.

—Se for da vontade do presidente, e ele, de maneira oficial, me empregar nessa missão, eu aceitaria — afirmou o parlamentar,que se disse disposto a renunciar ao mandato para assumir o posto.

Eduardo Bolsonaro disse que se sente preparado para ocupar o cargo de embaixador e afirmou acreditar que os EUA vão apoiar a iniciativa.

—Falo inglês, falo espanhol, sou o deputado mais votado da História do Brasil, estou presidente da Creden (Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara). Acredito que as credenciais me dão uma certa qualificação.

De acordo com o deputado, o fato de não ter carreira no Itamaraty não é um impedimento para a indicação:

—Acredito que a nomeação ou indicação de pessoa tão próxima ao presidente seria vista com bons olhos pelo lado americano e daria a confiabilidade necessária para que venhamos a desenvolver um trabalho resgatando o crédito do Brasil no exterior.

Mais cedo, o presidente afirmou que a escolha já foi cogitada no passado e que levou em conta o custo e benefício da decisão. Ele também disse que, da parte dele, decidiria agora, mas que o anúncio oficial depende da legislação.

—Está no meu radar, sim, é uma possibilidade — declarou Bolsonaro, em entrevista coletiva, afirmando que o filho poderia ser uma pessoa adequada para o cargo.

— Ele é amigo dos filhos do Trump, fala inglês e espanhol, tem uma vivência muito grande no mundo. Poderia ser uma pessoa adequada e daria conta do recado perfeitamente.

Em sua transmissão ao vivo pelo Facebook, Bolsonaro aproveitou para questionar Araújo sobre a possibilidade.

— Excelente nome, presidente —disse o chanceler.

CHANCELER INFORMAL

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse que, se quiser ser embaixador, Eduardo Bolsonaro vai precisar renunciar ao mandato de deputado. Segundo a Constituição Federal, ele não precisaria deixar o cargo atual se fosse exercer chefia de missão diplomática temporária. Para Marco Aurélio, embaixador não se enquadra no artigo.

—Sob minha ótica, sim (ele precisa renunciar). Mas, nestes tempos estranhos, tudo pode acontecer. Missão temporária? Assim enquadrada, é um menosprezo ao país em que houver o credenciamento.

O deputado tem atuado como chanceler informal e articulador das relações internacionais do pai desde antes da posse de Bolsonaro. Ele acompanhou o presidente em quase todas as viagens internacionais desde janeiro, incluindo para os EUA, Israel e Argentina.

Na viagem de Bolsonaro a Washington, o guru do bolsonarismo Olavo de Carvalho foi homenageado com um jantar na Embaixada do Brasil, ao qual compareceram expoentes do pensamento ultraconservador americano, incluindo Steve Bannon, estrategista da campanha à Presidência de Trump. Bannon indicou Eduardo Bolsonaro como representante do seu Movimento da direita nacionalista na América Latina.

Na viagem, Eduardo Bolsonaro ganhou destaque por ter sido chamado ao Salão Oval da Casa Branca, onde seu pai teria uma reunião privada com Trump. O deputado afirmou que o próprio presidente americano o convidou.

PERPLEXIDADE NO ITAMARATY

A lei brasileira estabelece que chefes de missão diplomática permanente devem ser escolhidos entre ministros de primeira ou segunda classe do Itamaraty, mas abre exceção. Também podem ocupar o posto brasileiros natos que não pertençam ao Itamaraty e sejam maiores de 35 anos — Eduardo completou a idade anteontem — “de reconhecido mérito e com relevantes serviços prestados ao país”.

O Itamaraty ainda não recebeu instruções para levar o nome de Eduardo Bolsonaro ao governo americano, como é praxe. Em geral, o nome do embaixador só é divulgado após o governo do país conceder o chamado agrément .Três diplomatas ouvidos pelo GLOBO disseram não se lembrar de precedente da nomeação de parentes diretos do presidente como embaixadores ao menos desde o fim da República Velha em 1930. Os últimos governos deram preferência a diplomatas de carreira. Por isso, a notícia causou perplexidade.

Apesar da surpresa, diplomatas avaliam que Eduardo pode ter algumas vantagens.A principal é o fato de o presidente Donald Trump conhecê-lo pessoalmente e de ele ser amigo de uma de suas filhas, Ivanka, bastante influente em Washington. Alguns analistas, no entanto, discordam.

—A grande aposta do presidente é que, ao mandar alguém da família e alguém muito pró-Trump, conseguiria privilégios do governo americano. Isso é muito questionável. A própria visão nacionalista do Trump dificulta esse tipo de barganha — afirma o professor de Relações Internacionais Maurício Santoro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

O nome mais em alta para assumir o posto nos EUA era o de Nestor Forster, encarregado de negócios da embaixada e também seguidor de Olavo de Carvalho. Ao ser perguntado sobre uma possível participação do ideólogo nos quadros da embaixada, o deputado lembrou a proximidade entre Washington e a Virgínia, onde Carvalho mora.

— Quem sabe, se futuramente venha a se concretizar, a gente não venha a fazer uns churrascos e dar uns tiros no final de semana no quintal dele —disse. (Colaborou Filipe Barini)

“Está no meu radar sim, é uma _ possibilidade” Jair Bolsonaro, Presidente, sobre a possível nomeação do filho

“Acredito que a nomeação ou indicação de pessoa tão próxima ao presidente seria vista com bons olhos pelos lado

_ americano” Eduardo Bolsonaro, Deputado, ao comentar sua possível nomeação

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STF e juristas divergem sobre legalidade de indicação

12/07/2019

 

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem decisões díspares sobre a nomeação de parente para cargo de natureza política. Em agosto de 2008, o plenário aprovou uma súmula que proíbe autoridades de nomearem cônjuge ou parente até terceiro grau para cargo em comissão, de confiança ou função gratificada em qualquer dos Poderes, no nível municipal, estadual e da União. Mas não especificou se a regra vale para cargos de natureza política — como, por exemplo, embaixadores.

A discussão veio à tona ontem, quando o presidente Jair Bolsonaro cogitou nomear um dos filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos. O cargo não precisa ser ocupado por diplomata de carreira, sendo de livre escolha do presidente.

Depois de editada a súmula, foram tomadas decisões diferentes sobre o assunto na Primeira e na Segunda Turma, cada uma formada por cinco ministros do STF. Com as divergências, existe recurso com repercussão geral aguardando julgamento em plenário.

Em setembro de 2018, a Segunda Turma declarou que a súmula permite a nomeação de familiares de autoridades para cargo de natureza política. A decisão foi tomada no caso de uma prefeita que escolheu o marido para ser secretário municipal. O ato gerou condenação por improbidade administrativa, que foi anulada pela Turma.

Na época, o ministro Edson Fachin negou o recurso por motivos técnicos. Gilmar Mendes votou no sentido de que a súmula não atingia nomeações para cargos políticos. Celso de Mello, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski seguiram o mesmo entendimento.

Já a Primeira Turma decidiu, em setembro de 2014, que a incidência de nepotismo em nomeações deve ser examinada individualmente.

Com a divisão das turmas, não há como prever como será o placar no plenário.

Para especialistas em Direito Constitucional consultados por O GLOBO, há dúvidas sobre a legalidade da indicação.

O professor de Direito Constitucional Daniel Sarmento, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a indicação pode ser questionada juridicamente.

— Existe um debate até onde isso se aplica, há alguns dizendo que isso não se aplica em cargos de primeiro escalão. Eu acho que isso viola o princípio da impessoalidade.

Já o professor de Direito Constitucional da PUC-SP Pedro Serrano afirma que a indicação não é ilegal.

—É um ato político, um ato administrativo, é uma competência estabelecida pela Constituição, a capacidade de controle do Judiciário sobre esse ato é muito limitada.