Valor econômico, v.19, n.4695, 21/02/2019. Política, p. A6

 

Reforma propõe ajuste de R$ 1,07 tri 

Fabio Graner 

Edna Simão

Fábio Pupo 

21/02/2019

 

 

Cercada de expectativas, a proposta de reforma da Previdência do governo Jair Bolsonaro finalmente foi apresentada ao Congresso e à sociedade. Em meio à crise política que atinge o Palácio do Planalto, o próprio presidente e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, levaram ao Parlamento uma ambiciosa e dura Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que promete economizar R$ 161 bilhões em quatro anos e R$ 1,07 trilhão em uma década.

O texto atinge praticamente todos os setores (com exceção das Forças Armadas, sobre as quais o governo prometeu enviar projeto específico em 30 dias). Aperta as regras de acesso à aposentadoria com idade mínima e maior tempo de contribuição, criando um sistema progressivo para servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada. Separa os sistemas de Previdência e assistência (tornando o segundo menos benevolente) e reduz a possibilidade de acumulação de benefícios, entre outras iniciativas.

A reforma proposta define como regra geral uma idade mínima de 62 anos para a aposentadoria de mulheres e de 65 anos para homens. O tempo de contribuição mínima na iniciativa privada será de 20 anos para ambos os casos, mas só terão direito a receber 100% da média dos salários de contribuição quem contribuir por 40 anos. Se passar mais tempo no mercado, a emenda permite que o rendimento supere os 100%.

Na regra atual, o trabalhador privado não tem idade mínima para se aposentar, exceto para os casos em que a contribuição for de pelo menos 15 anos. Para o cálculo do benefício a ser recebido, o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) hoje considera 80% das contribuições.

O secretário de Previdência, Leonardo Rolim, afirmou que a alteração na regra de cálculo não necessariamente implica perda de renda, porque quem ficar mais de 40 anos no mercado terá aposentadoria maior.

No caso dos servidores públicos, a idades mínima será a mesma do RGPS, com exceção de algumas carreiras como policiais, agentes penitenciários e professores. Mas o tempo de contribuição mínimo será maior, de 25 anos. "Todas as regras novas do RPPS [Regime Próprio de Previdência Social] valerão para Estados, municípios e Distrito Federal", disse Rolim. Em caso de déficit financeiro e atuarial, esses entes deverão ampliar suas alíquotas de contribuição para 14% tanto para os servidores ativos quanto para os inativos, podendo ir além disso em um prazo de 180 dias da verificação do desequilíbrio, o que demandará aprovação das assembleias locais.

A nova Previdência proposta pelo governo torna mais duras as regras de contribuição dos servidores públicos. As alíquotas serão unificadas com o RGPS até o limite do teto do INSS, hoje em R$ 5.839, 45, partindo de 7,5% (hoje é 8%) para quem ganha até um salário mínimo e chegando a até 11,68% (alíquota efetiva, que considera progressividade do sistema, nos moldes do que ocorre no Imposto de Renda) para quem recebe entre R$ 3 mil e o teto. O servidor público que ganha acima do teto estará sujeito a mais quatro alíquotas, sendo a mais alta acima de 16,79%. Esta última atingirá quem recebe mais de R$ 39 mil, ou seja, punindo quem está na faixa acima do teto do funcionalismo,que é o salário de ministro do Supremo Tribunal Federal.

Segundo o diretor de Programa da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, Felipe Portela, trata-se de uma mudança profunda na lógica da tributação, que será semelhante ao que hoje é aplicado para o cálculo do Imposto de Renda. Na avaliação dele, em algumas décadas, as regras de contribuição do regime dos servidores públicos devem ser as mesmas que a dos trabalhadores da iniciativa privada e que contribuem com base no teto.

Leonardo Rolim destacou que atualmente os servidores têm regras previdenciárias mais brandas e isso precisa ser corrigido. "As regras do servidor público são muito mais benevolentes do que do regime geral. E os princípios [da reforma] são regras mais justas, com regras iguais para todos. Quem ganha mais paga mais", disse

As novas regras de contribuição dos servidores mais que compensam o benefício de reduzir a alíquota mínima para trabalhadores privados para 7,5%, o que favorece mais de 20 milhões de trabalhadores e representa em quatro anos uma renúncia de R$ 10,3 bilhões. A nova tabela dos servidores, que atualmente contribuem com 11% de sua renda, elevaria em R$ 33,6 bilhões a arrecadação no mesmo período.

A proposta de reforma divulgada ontem prevê ainda um período de transição de 12 anos (tanto para o setor público como para o privado), no qual as exigências para aposentadoria vão se tornando mais rígidas. Ao fim desse prazo estarão em vigor plenamente as regras definitivas de idade mínima e tempo de contribuição.

O trabalhador privado poderá escolher entre três opções de transição, ficando com a que julgar mais vantajosa. Uma delas, baseada no sistema de pontos que soma idade e tempo de contribuição, beneficia quem trabalha por mais tempo. A outra, pautada em idade mínima, favorece quem entrou mais tarde no mercado de trabalho. A terceira vale para quem está a até dois anos de se aposentar e institui um pedágio de 50% do prazo faltante. Para os servidores, só haverá uma regra de transição, também pelo sistema de pontos, mas exigindo ao menos 20 anos no serviço público.

A reforma torna mais dura as regras de aposentadoria para as mulheres do campo, que agora terão que se aposentar com 60 anos (antes era 55 anos), a mesma idade dos homens. Aliás, em todos os casos de regras diferentes dos princípios gerais da reforma -como para professores e policiais-, homens e mulheres terão idades mínimas e tempos de contribuição iguais, por conta da visão de que já há uma regra favorecida para a categoria em si.

Os segurados rurais, contribuintes individuais e avulsos terão que contribuir por 20 anos. No segmento rural, uma mudança importante é o fim da imunidade da cobrança de contribuição previdenciária sobre a folha de pagamentos de exportadores rurais, medida que deve elevar os custos do setor.

A reforma de Bolsonaro repete uma ideia contida na PEC original enviada pelo ex-presidente Michel Temer: reduzir para 60% do benefício, com adicional de 10% por dependente, a pensão por morte. A regra se aplica para todo mundo, ou seja, viúvas poderão receber pensão inferior a um salário mínimo, tese que foi derrubada na tramitação da proposta de Temer na comissão especial da Câmara.

O projeto também limita a possibilidade de acumulação de benefícios, permitindo que o trabalhador escolha o de maior valor e receba no máximo dois salários mínimos adicionais de outro.

Outra mudança relevante proposta é a elevação para 70 anos da idade mínima para pessoas em situação de miséria terem direito a um salário mínimo, o chamado Benefício de Prestação Continuada (BPC). Para tentar tornar essa ideia mais atraente, eles criaram um sistema "fásico", que antecipa o pagamento de R$ 400 para quem se enquadra nas regras do BPC a partir dos 60 anos (mas não será permitido acumular com o Bolsa Família). Hoje, a regra é um salário mínimo para pessoas com 65 anos. O secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, considera a regra justa.

A reforma de Bolsonaro separa o sistema de assistência, no qual está o BPC, da Previdência. A ideia é dar mais transparência para a análise das contas, verificando onde há problema de déficit e necessidade de cortes ou aumento de recursos para o financiamento de programas governamentais. Dessa forma, conforme explicou Rolim, a seguridade social será dividida em Saúde, Previdência e Assistência Social.

Os políticos eleitos até o ano passado poderão permanecer em seus atuais regimes previdenciários, mas precisarão cumprir um pedágio de 30% do tempo de contribuição que falta para que eles se aposentem. Além disso, foi estabelecida a idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens. Os futuros eleitos seguirão as regras do RGPS.

A PEC define também a criação de um regime de capitalização, que valerá para quem entrar no mercado de trabalho após a aprovação da PEC e sua regulamentação por meio de lei complementar. Mas já está definido que a "nova Previdência" criada nesse regime terá uma garantia de um salário mínimo a ser dada pelo Tesouro Nacional, segundo Marinho. "A ideia é termos uma espécie de colchão para garantir o benefício mínimo", disse Marinho. "O governo vai estabelecer minimamente um valor. Quem vai botar [o recurso no fundo] é o Tesouro", disse Marinho.

A proposta define ainda um "gatilho" para elevação gradual da idade mínima de aposentadoria conforme aumenta a expectativa de sobrevida após 65 anos. Esse mecanismo será acionado a cada quatro anos, após 2024, segundo o secretário-especial adjunto de Previdência, Bruno Bianco Leal, que lembrou que hoje a sobrevida está estimada em torno de 18 anos.

Marinho, que é ex-deputado e foi o relator da reforma trabalhista do governo Temer, afirmou estar otimista em relação à aprovação da PEC de Bolsonaro no Congresso. Ele estimou que até o recesso do meio do ano o projeto esteja aprovado nas duas casas.

"Meu otimismo com a aprovação é porque não se trata de pauta do governo e, sim, da sociedade. Evidente que o que o governo propõe não será o que sairá do Congresso, que fará seu papel", disse. Ele ainda minimizou a situação do governo e a consequência disso para a tramitação do texto, em uma semana de queda de ministro e de derrota na Câmara. "Seja qual for o problema político circunstancial, o foco será a Previdência. É um problema do Brasil", disse.

Sem participar da abertura da entrevista, o ministro Paulo Guedes afirmou durante o dia que a proposta é ampla o suficiente para permitir ajustes e acomodações. Para Guedes, o ganho de cerca de R$ 1 trilhão é essencial para abrir espaço fiscal para a introdução do regime de capitalização.

"Abaixo de um trilhão você começa a comprometer o lançamento para as próximas gerações", afirmou. (Colaborou Isabel Versiani)