Título: Manobra a favor da mordomia
Autor: Caitano, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 18/10/2012, Política, p. 8

Líder do PSD, deputado Guilherme Campos suspende o andamento da sessão da Comissão de Finanças e Tributação. Colegiado estava prestes a votar o projeto que acaba com o 14º e o 15º salários de parlamentares

Estava tudo pronto para que a Câmara dos Deputados desse finalmente um passo à frente com o objetivo de acabar com uma regalia histórica que não encontra respaldo na opinião pública. Depois de seis sessões esvaziadas, a Comissão de Finanças e Tributação (CFT) atingiu ontem o quórum mínimo e foi aberta, o que possibilitaria a votação do projeto de decreto legislativo que extingue o 14º e o 15º salários pagos anualmente aos parlamentares. Mas a ação isolada de um deputado pôs tudo a perder. Mesmo alegando ser a favor da proposta, o líder do PSD, Guilherme Campos (SP), preferiu seguir os reclames de alguns integrantes de sua bancada e impediu que a sessão continuasse.

Foi necessário esforço do presidente da comissão, Antônio Andrade (PMDB-MG), para que a sessão tivesse quórum após três meses paralisada. "Tínhamos muitos projetos importantes na pauta, então eu e meus assistentes ligamos diretamente para os integrantes pedindo que eles viessem", conta. O pedido deu resultado e 27 deputados compareceram — 10 a mais que o mínimo exigido para a abertura. Nos 40 minutos que durou a sessão, o colegiado votou sete requerimentos e três projetos.

Após apreciar vários temas, o relator do projeto que acaba com os salários extras, Afonso Florence (PT-BA), apresentou um requerimento para que a pauta fosse invertida e a proposta passasse a ser a primeira da lista. Inicialmente, ninguém se opôs, mas, quando o presidente colocou o pedido em votação, Guilherme Campos pediu a palavra. "Senhor presidente, é um assunto extremamente polêmico, o quórum está baixo. Não seria prudente no dia de hoje nós apreciarmos uma matéria como essa. Já antecipo que vou pedir verificação", avisou. Àquela altura, a maioria dos deputados que marcou presença tinha se retirado da sala. Logo, se o líder do PSD cumprisse a ameaça, a sessão cairia por falta de quórum.

Constrangimento Diante do nítido constrangimento dos demais parlamentares, Florence ainda foi questionado se abriria mão do requerimento, mas resistiu. "Quero mantê-lo, porque é um tema que já está vindo para a pauta há várias sessões, existe um clamor da opinião pública e o mérito é inquestionável, não podemos perder a oportunidade", argumentou. "Não é um tema tão controverso para esta comissão, que avalia apenas se o projeto cria despesa, o que não é o caso." O presidente colocou o pedido em votação simbólica — quando apenas os contrários se manifestam — e chegou a declará-lo aprovado, mas Campos cumpriu a promessa e pediu a verificação de quórum.

Com um sorriso amarelo de desapontamento no rosto, Antônio Andrade iniciou a chamada dos presentes perguntando como votariam. Todos os 11 restantes no plenário se colocaram favoráveis à inversão da pauta e, consequentemente, aprovariam o projeto em si. Guilherme Campos se retirou antes de ser chamado. "Foi um erro de estratégia do líder, que acabou chamando para si a responsabilidade de manter um benefício que já não se justifica, mas, claramente, encontra percalços na Casa", criticou Afonso Florence.

"Foi um erro de estratégia do líder, que acabou chamando para si a responsabilidade de manter um benefício que já não se justifica" Afonso Florence (PT-BA), relator do projeto que acaba com o 14º e o 15º na CFT

Personagem da notícia Argumentação contraditória

Responsável por impedir o fim da mordomia no Congresso, o líder do PSD, deputado Guilherme Campos (foto), tem um argumento curioso para justificar a manobra: "A sessão era para votar apenas temas consensuais. Como esse era controverso e houve uma imprudência de quem pediu a inversão de pauta, eu percebi que tinha o risco de o projeto ser rejeitado e achei melhor evitar essa situação", disse Campos ao Correio. A declaração, porém, contradiz o comportamento dos colegas presentes à reunião da Comissão de Finanças e Tributação, que votaram a favor do requerimento para colocar a proposta que extingue o 14º e o 15º salários em primeiro lugar.

Apesar de se dizer favorável ao fim da regalia, Guilherme Campos, que está em seu segundo mandato, jura que parlamentares contra o projeto queriam bloquear a votação. "Foi apenas um ato regimental, porque o assunto ainda precisa ser analisado e é melhor fazê-lo depois das eleições." De acordo com parlamentares ouvidos pela reportagem, a justificativa do deputado combina com seu estilo de liderança. "Ele foi colocado no posto porque é o melhor amigo e cria política do Gilberto Kassab (prefeito de São Paulo e fundador do PSD) e faz tudo o que ele manda", comenta um colega.

Um político que conhece Campos desde que ele comandava a rede de lojas da família e se tornou vice-prefeito de Campinas (SP) acrescenta que o comportamento do pessedista é reflexo de interferência. "Essa ideia não partiu dele, tenho certeza que ele é a favor do projeto mesmo, mas foi pressionado por alguns de sua bancada e levado a impedir a votação", relata. "Um líder nato teria reunido os deputados do partido e avisado que, como é um tema de interesse dos eleitores, iria se posicionar a favor e, quem quisesse, que votasse contra no plenário", acrescenta. (AC)

O custo de um deputado Confira as regalias a que têm direito Vossas Excelências

15 salários por ano, ao custo unitário de R$ 26.723,13

Apartamento funcional ou auxílio-moradia mensal de R$ 3 mil

Cota de atividade parlamentar (verba indenizatória, passagens aéreas, combustível, cota de postagens e telefone, segurança, contratação de consultores, divulgação da atividade parlamentar, locação de veículos e manutenção de escritórios), entre R$ 23.033,13 e R$ 34.258,50, dependendo do estado de origem do deputado. Líderes e presidentes de comissões recebem pagamento extra de R$ 1.244,54

Verba de gabinete para contratar até 25 assessores parlamentares: R$ 60 mil mensais

Total máximo por mês para cada deputado: R$ 125.226,17

Total máximo por ano para cada deputado: R$ 1.582.883,43