Valor econômico, v.19, n.4695, 21/02/2019. Política, p. A11

 

Filho de presidente sugere mudar PEC

Raphael Di Cunto 

Marcelo Ribeiro 

Vandson Lima 

21/02/2019

 

 

Os partidos que poderiam compor a base do governo defenderam ontem a necessidade de uma reforma da Previdência, mas evitaram apoiar a proposta encaminhada ontem pelo presidente Jair Bolsonaro e afirmam, quase em uníssono, que precisam analisar antes os argumentos técnicos. Enquanto isso, as frentes parlamentares, que Bolsonaro pretendia utilizar para formar sua base no Congresso, já se articulam para proteger suas categorias de mudanças - e até o filho do presidente sugeriu flexibilizar a proposta para atender uma de suas bases eleitorais.

Primogênito de Bolsonaro, o senador Flávio (PSL-RJ) defendeu, nas redes sociais, que os guardas municipais se aposentem mais cedo, com 55 anos. "Caberá ao Congresso Nacional aprimorar a proposta de nova previdência com emendas. Por exemplo, a que inclui as guardas municipais nas mesmas regras de policiais", escreveu. A fala já era usada por outros parlamentares ontem no plenário para defender suas próprias categorias.

Uma crítica ouvida em quase todo o plenário é a falta da reforma para os militares das Forças Armadas. O governo promete que eles estarão num projeto encaminhado em 30 dias, mas a demora incomodou até quem defende o projeto. A avaliação geral é de que nada andará se eles - que comandam os principais postos do governo - não fizerem seu sacrifício. Embora o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defenda a negociação com os governadores como forma de aumentar o apoio, parlamentares reclamaram bastante de levar os problemas dos governadores - os policiais militares e aumento da alíquota dos servidores estaduais - para o Congresso.

Mesmo ligada a Bolsonaro, a frente parlamentar da segurança pública diz que não aceitará a elevação da contribuição previdenciária dos policiais nem o aumento no tempo para a carreira se aposentar. Presidente da bancada da bala, o deputado capitão Augusto Rosa (PR-SP) afirmou, contudo, que está tranquilo porque, como afirma o próprio governo, há margem para negociar. "Lógico que o governo mandou com gordura", comentou.

A bancada quer que o aumento no tempo de contribuição e idade mínima (de 55 anos) só passem a valer para quem entrar na carreira agora. e é contra o aumento na contribuição previdenciária para os servidores públicos que ganham mais que o teto do INSS (de R$ 5,8 mil por mês) - que, pelo projeto, passará de 11% para até 22%. "Não tem a menor possibilidade de a gente aceitar isso", disse. "Em São Paulo, estamos com 35% do salário defasado e nenhuma perspectiva de aumento salarial. E a campanha do Bolsonaro foi feita em cima de não aumentar impostos", disse.

A bancada da bala deve criar dificuldades dentro do próprio partido de Bolsonaro, hoje o único formalmente na base. "Não devia mandar nenhum projeto com alteração para aposentadoria na nossa categoria. Sou contra mexer. Vai mexer no que? Mais lascados do que estamos, impossível. Só aceito se for para melhorar", disse o deputado Coronel Tadeu (PSL-SP). Quase metade do PSL é formado por militares e policiais.

Entre os partidos mais alinhados ao governo, como PSDB, DEM e PRB, a tônica foi elogiar pontos como a equidade entre os servidores públicos e privados, sem regras distintas para os políticos, mas não tomar posição agora sobre as polêmicas. "O tempo de contribuição e idade mínima ainda iremos estudar com todo o rigor técnico", disse o líder do PSDB na Câmara, deputado Carlos Sampaio (SP).

O presidente da Frente Parlamentar do Agronegócio (FPA), deputado Alceu Moreira (MDB-RS), também convocou reunião para debater o texto. Mas outros da bancada ruralista já preparam emendas contra igualar a idade de aposentadoria do trabalhador e da trabalhadora rural em 60 anos (hoje a mulher se aposenta com 55 anos) e mudar o regime, de 15 anos de atividade rural para 20 anos de contribuição para a Previdência. "Tem muito trabalhador no campo que não tem carteira registrada e não conseguirá completar os anos de contribuição. Precisa de pelo menos uma transição entre os regimes", disse o deputado Zé Silva (SD-MG).

O presidente do Solidariedade, deputado Paulinho da Força (SP), já coleta assinaturas para duas emendas com o objetivo de alongar o período de transição, de 12 anos para 20 anos, e reduzir a idade mínima para 62 anos se homem e 60 anos se mulher - o governo quer 65/62. "Quem começou com 18 anos terá que trabalhar por 47 anos [se homem], isso prejudica os mais pobres que começam mais cedo", afirmou Paulinho, presidente licenciado da Força Sindical.

Maia afirmou que pretende concluir a votação até, no máximo, o primeiro semestre, defendeu a adesão dos governadores ao debate porque é "um tema que atinge governo federal, mas também os Estados" e "governadores de todos os partidos" e disse que a maior dificuldade será a batalha da comunicação. O governo Bolsonaro ajustou a proposta justamente para evitar a principal crítica a reforma do governo Temer, acusado de promover um ajuste fiscal sem justiça social.

A oposição, contudo, já preparou a campanha para apontar "as injustiças", como a falta de medidas contra a sonegação (na reforma de Temer, o problema eram os devedores, desta vez combatidos), o corte de 8% no salário dos aposentados, com o fim do FGTS deles, e a "pegadinha" de reduzir a alíquota dos mais pobres, mas obrigar que contribuam por mais anos. "O trabalhador, com a visão de curto prazo, vai achar bom, mas a verdade é que pagará mais", disse o deputado Ênio Verri (PT-PR).

Líder do PDT, o deputado André Figueiredo (CE) foi na contramão da oposição e afirmou que "dá para aceitar" a idade mínima de 65/62 anos, mas que exigir 40 anos de contribuição para se aposentar com 100% da média dos salários tornará isso o piso ou levará a pensões muito pequenas. "A mulher terá que entrar no mercado aos 22 anos e trabalhar 40 anos com carteira assinada, ininterruptos. Isso acaba com a transição", disse. Ele foi convidado para reunião de Bolsonaro com os líderes na Câmara, mas recusou porque o governo não chamou o PCdoB. O encontro, o primeiro sobre a reforma, foi adiado de hoje para terça-feira.