O Estado de São Paulo, n. 46033, 30/10/2019. Política, p.A10

 

Citação a Bolsonaro pode levar caso Marielle ao STF

 

 

 

Fábio Grellet

30/10/2019

 

 

Segundo TV, porteiro disse, em depoimento, que suspeito informou no dia do crime que iria à casa do presidente, que acusou Witzel

 

Fábio Grellet / RIO

 

O depoimento de um porteiro do condomínio Vivendas da Barra, onde morava Ronnie Lessa, um dos dois acusados de matar a vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista Anderson Gomes, poderá levar o Supremo Tribunal Federal (STF) a se pronunciar sobre o caso, porque o funcionário citou o presidente Jair Bolsonaro.

Segundo reportagem exibida ontem no Jornal Nacional, da TV Globo, o empregado afirmou à Polícia Civil que, às 17h10 de 14 de março de 2018 (horas antes do crime), um homem chamado Elcio (que seria Elcio Queiroz, o outro acusado pelo duplo homicídio) entrou no condomínio dirigindo um Renault Logan prata e afirmou que iria à casa 58, que pertence a Bolsonaro e onde morava o presidente.

Segundo a TV, o porteiro do condomínio afirmou em depoimento que ligou para a casa 58 e o “seu Jair” atendeu e autorizou a entrada de Elcio. O então deputado, porém, estava em Brasília, conforme registros da Câmara.

Após a exibição da reportagem, Bolsonaro acusou o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC) de vazar para a Globo o inquérito sobre a morte de Marielle e Anderson, que corre em segredo de Justiça. “Por que querem me destruir? Por que essa sede de poder, seu governador Witzel?”, questionou o presidente, visivelmente nervoso, em uma transmissão ao vivo de 23 minutos, gravada durante a madrugada na Arábia Saudita e exibida em suas redes sociais.

“O senhor (Witzel) quer destruir a minha família para chegar à presidência da República.”

De acordo com a reportagem, o porteiro do condomínio na Barra da Tijuca afirmou à Polícia que acompanhou a movimentação do carro, pelas câmeras de segurança. Constatou, segundo ele, que Elcio não foi à casa 58, mas sim à 66, onde morava Ronnie Lessa – preso, assim como Elcio, em março deste ano, sob acusação de disparar os tiros que mataram Marielle e Anderson, enquanto Elcio dirigia o carro.

O funcionário contou à Polícia que, ao constatar a mudança de destino do visitante, ligou novamente para a casa 58 e novamente “o seu Jair” teria atendido e afirmado que sabia para onde Elcio estava indo.

 

Álibi. No mesmo dia e horário indicado pelo porteiro, no entanto, Jair Bolsonaro registrou presença com as digitais na Câmara dos Deputados, onde exercia o mandato de deputado federal. Nesse dia, participou de duas votações na Casa e divulgou vídeos e fotos, tiradas em seu gabinete na capital, nas redes sociais.

Segundo a reportagem da TV Globo, as conversas pelos interfones do condomínio em que Bolsonaro tem casa no Rio são gravadas. A Polícia Civil do Rio tenta localizar essas gravações para descobrir se o porteiro realmente fez contato com a casa de Bolsonaro e quem atendeu o interfone.

Ainda segundo a TV Globo, integrantes do Ministério Público do Estado do Rio, que acompanham a investigação sobre a morte de Marielle Franco foram a Brasília, no último dia 17, para consultar o presidente do Supremo, Dias Toffoli, sobre a continuidade da apuração. Eles queriam saber se, por causa da citação a Bolsonaro, não seria obrigatória a autorização do STF para que a investigação continuasse, já que o presidente possui foro privilegiado.

Consultada pelo Estado, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República não se manifestou sobre o caso até as 22h45 de ontem.

Bolsonaro rechaçou qualquer envolvimento com a morte de Marielle. “Não devo nada a ninguém. Não tenho o menor motivo para mandar matar quem quer que seja”, afirmou na transmissão ao vivo.

O presidente também atacou a TV Globo: “Será que a Globo quer criar um fato, uma narrativa, de que eu deveria me afastar?”, questionou. “Deixem eu governar o Brasil. Vocês perderam.”

Bolsonaro reclamou da quebra do sigilo da investigação. “Se vocês tivessem o mínimo de decência, por saber que o processo corre em segredo de Justiça, não poderiam divulgar”, afirmou. “Eu não deveria perder a linha, sou presidente da República, mas confesso que estou no limite com vocês (Globo).”

Ao Jornal Nacional, o advogado Frederick Wassef, que representa Jair Bolsonaro, negou a versão do porteiro e afirmou que se trata de uma tentativa de atingir o presidente. Segundo ele, Bolsonaro não conhece os acusados pela morte de Marielle. Wassef desafiou que provem o contrário e afirmou que o depoimento pode ter sido forjado.

O Estado não havia conseguido contato com o governador Wilson Witzel até a conclusão desta edição.

 

Reação

“Não devo nada a ninguém. Não tenho o menor motivo para mandar matar quem quer que seja.”

 

 

“Por que querem me destruir? Por que essa sede de poder, seu governador (Wilson) Witzel?”

 

 

“Será que a (TV) Globo quer criar um fato, uma narrativa, de que eu deveria me afastar?”

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE DA REPÚBLICA

 

CRONOLOGIA

14 de março de 2018

A vereadora Marielle Franco, de 38 anos, e o motorista Anderson Gomes, de 39, são assassinados a tiros no Rio.

 

Março de 2019

O PM reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio Queiroz são presos, acusados de participação direta no crime

 

Setembro de 2019

PGR denuncia à Justiça o crime de obstrução à investigação e pediu a federalização do inquérito, alegando “ineficiência” na investigação na esfera estadual