O Estado de São Paulo, n. 46033, 30/10/2019. Metrópole, p.A16

 

Óleo faz o governo proibir a pesca de lagosta e camarão em áreas do Nordeste

 

 

 

Priscila Mengue

30/10/2019

 

 

Ambiente. Período de defeso foi antecipado em regiões afetadas pelo poluente, por ‘provável contaminação química’, e proibição pode ser prorrogada; 60 mil pescadores deverão receber seguro. Anvisa aguarda resultado de análises para avaliar risco de consumo

 

Com a contaminação do mar por petróleo cru, a partir de sexta-feira e até o fim do ano estará proibida a pesca de lagosta e camarão no litoral nordestino. A medida amplia o período de defeso (de proteção das espécies para reprodução) e foi determinada ontem pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Não há veto a outros tipos de pesca, por enquanto.

A instrução normativa “estabelece excepcionalmente períodos de defeso adicionais para o ano de 2019, em decorrência da grave situação ambiental resultante de provável contaminação química por derramamento de óleo”. Dentre os animais marinhos, a lagosta é um dos que está mais sujeito à contaminação por ter “movimento restrito” dentro de um raio de cerca de um quilômetro – conforme pontua o professor Francisco Kelmo, diretor do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). “Os peixes têm uma capacidade muito maior de movimentação, mas não estão isentos”, alerta.

Kelmo comenta ainda que o camarão é um tipo de organismo que “consome tudo o que vê pela frente”. “Incluindo bastante microalga. E a gente sabe que o óleo já está particulado, misturado com ela. Como camarão não se come um ou dois, mas um prato com 30 ou 40, o risco de intoxicação é maior”, explica. Segundo ele, a presença do óleo ainda pode interferir no período de reprodução dessas espécies. “Mesmo que não mate, pode contaminar os embriões.”

Questionado pela reportagem, o ministério não explicou por que não há restrição à pesca e venda de peixes. Já a Agência Nacional Vigilância Sanitária (Anvisa) disse que, quando os resultados laboratoriais das análises encomendadas pela pasta da Agricultura estiverem prontos, o órgão poderá “avaliar o risco e a segurança para o consumo desses produtos”.

 

Pagamento. O defeso originalmente é acionado para assegurar a reprodução. Das espécies em que ele foi ampliado, algumas já estão próximas do período, como a lagosta-verde e a lagosta-vermelha. Em outras, haverá alteração de datas (mais informações ao lado). Para contornar o prejuízo à economia local, a União estima pagar o seguro-defeso, de um salário mínimo mensal, para 60 mil pescadores. O litoral nordestino tem 470,5 mil pescadores artesanais cadastrados.

No caso, o seguro-defeso será focado em pescadores de camarão e lagosta que tenham o pescado como única fonte de renda. A instrução é válida para os meses de novembro e dezembro, mas pode ser prorrogada. Em Pernambuco, por exemplo, o governo estadual estima que o auxílio será pago a apenas 400 dos mais de 12 mil pescadores. Na sexta-feira, o governador Paulo Câmara (PSB) pediu uma audiência com a ministra Tereza Cristina para ampliar o auxílio para os pescadores de todas as áreas atingidas.

Não há estimativas de número de contemplados em Alagoas.

Gerente de Pesca na Secretaria de Estado da Agricultura, Edson Maruta comenta que a lista de contemplados pelo auxílio em Alagoas não inclui outras etapas da cadeia produtiva, como o beneficiamento do camarão.

Já para Marcos Antônio Chaves, da Colônia de Pescadores do Rio Vermelho, em Salvador, o prejuízo já era visível. “Temos estoque, mas ninguém compra.” / COLABORARAM ANDRÉ MARINHO E LUIZ CARLOS PAVÃO, ESPECIAIS PARA O ESTADO

 

PERGUNTAS & RESPOSTAS

Maior parte do pescado consumido em SP não vem de área afetada

1. Para quais espécies a pesca foi proibida?

A partir de 1.º de novembro, fica proibida a pesca de lagosta verde, lagosta vermelha e dos camarões branco, rosa e de sete-barbas. Trata-se de uma extensão do período de defeso (que assegura a reprodução). As proibições valem para as áreas na divisa dos Estados de Pernambuco e Alagoas; de Piauí e Ceará; da Bahia e do Espírito Santo; e no limite de Mata de São João e Camaçari, na Bahia.

 

2. Por que a pesca dessas espécies foi proibida?

Segundo a instrução normativa que amplia o período de defeso, a medida foi tomada em decorrência da “grave situação ambiental resultante de provável contaminação química por derramamento de óleo”.

 

3. E a pesca de peixes?

A medida vale para lagostas e camarões. Segundo o pesquisador da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Francisco Kelmo, essas espécies são mais suscetíveis à contaminação por óleo. A lagosta, por exemplo, tem movimentação restrita na água. Já o camarão consome microalgas, que podem conter a substância tóxica.

 

4. O que já se sabe sobre a contaminação dos animais?

Estudo feito pela UFBA identificou óleo no aparelho respiratório e digestivo de animais mortos em praias atingidas da Bahia. Foram analisados 38 animais, entre mariscos, peixes e crustáceos, retirados de Praia do Forte, Itagimirim e Guarajuba. Pesquisas ainda investigam os riscos do consumo à saúde humana.

 

5. Como a contaminação afeta pescadores?

Associações na Bahia e em Pernambuco relatam dificuldade de vender o pescado, por causa do medo da população. Pescadores têm estocado o material ou mesmo descartado.

 

6. E o seguro-defeso?

A União estima pagar o segurodefeso, de um salário mínimo mensal, para 60 mil pescadores. O litoral nordestino tem 470,5 mil pescadores artesanais cadastrados, segundo dados do site de transparência da Controladoria-Geral da União, o que inclui aqueles que trabalham em áreas de água doce.

 

7. Frutos do mar no Sudeste podem estar contaminados?

Segundo empresas e associações ouvidas pelo Estado,o pescado consumido na Região Sudeste vem de outros países ou regiões brasileiras. Sidnei Gaspar, que representa o setor de pescados da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), disse que nenhum pescado vendido no local é afetado pela contaminação. Entre os camarões vendidos na Ceagesp, apenas um tipo vem do Rio Grande do Norte, mas é criado em cativeiro.

 

8. Como verificar a procedência do pescado processado pela indústria?

O rótulo do produto, em geral, mostra a procedência do pescado. Essa informação pode ser consultada antes da compra. A olho nu não é possível verificar se a carne está contaminada pelo óleo.