O Estado de São Paulo, n. 45979, 06/09/2019. Economia, p. B1

 

Bolsonaro desiste de afrouxar teto e equipe econômica tenta apressar ajustes

Adriana Fernandes

Mateus Vargas

Idiana Tomazelli

06/09/2019

 

 

'Gatilhos'. Em conversa com o presidente, o ministro Paulo Guedes acertou que negociará com o Congresso uma forma de destravar mecanismos previstos na regra do teto de gastos, como a suspensão de reajuste a servidores, para reduzir despesas obrigatórias

Um dia após ter defendido o afrouxamento na emenda do teto de gastos – instrumento de política orçamentária que proíbe que as despesas cresçam acima da inflação de um ano para o outro –, o presidente Jair Bolsonaro foi convencido pela equipe econômica a desistir da ideia. “Seria uma rachadura em um transatlântico”, disse ontem o presidente. Na quarta-feira, o portavoz da Presidência havia afirmado que Bolsonaro defendia o abrandamento do teto.

Em conversa com o presidente, o ministro da Economia, Paulo Guedes, acertou que sua equipe vai negociar com o Congresso uma “calibragem” apenas nas normas para o acionamento dos chamados “gatilhos”. Previstos na regra do teto, eles são mecanismos que permitem ao governo reduzir despesas obrigatórias, por meio de medidas como a suspensão de aumentos salariais dos servidores, da concessão de benefícios e de reajustes de despesas acima da inflação, inclusive do salário mínimo.

Hoje, do jeito que a emenda do teto foi aprovada, o acionamento dos gatilhos não é tecnicamente viável. Isso porque há uma contradição nas regras vigentes: pela norma, um gatilho só pode ser acionado após estouro do teto. Ao mesmo tempo, a lei define que o presidente pode ser responsabilizado criminalmente caso o teto de gastos seja descumprido. Diante disso, a equipe de Guedes tentará garantir o acionamento antecipado das medidas de ajuste, sem que seja preciso estourar o limite de gastos.

Além de tentar destravar o uso dos gatilhos, a equipe econômica trabalha em outras medidas para reduzir, em pelo menos R$ 10 bilhões, as despesas obrigatórias, como pessoal e Previdência, e abrir espaço no teto de gastos. Essa abertura permite aumentar a margem para os chamados gastos discricionários (não obrigatórios, como despesas com o custeio da máquina e investimentos).

Em Fortaleza, o ministro Paulo Guedes garantiu que o governo e o Congresso estão prontos para “resolver o problema” fiscal do País. Para o ministro, os congressistas “entenderam a armadilha em que caíram” e estão com um diálogo maduro sobre a necessidade de reformas fiscais no País. “A armadilha do gasto obrigatório encurralou a classe política inteira”, disse.

Ele criticou os altos salários de servidores e citou o gasto com pessoal como um dos que pressionam as despesas. “O teto de gastos é um aviso dizendo o seguinte: não pode furar o teto mais. Então nós preferimos propor no pacto federativo o controle das despesas em vez de simplesmente furar o teto. Porque furar o teto é o que fazemos há 40 anos, e não deu certo.”

O secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, confirmou ao Estado que a área técnica do governo está preparando medidas para reduzir as despesas obrigatórias – que respondem por 96% do Orçamento – e garantir o acionamento antecipado das medidas de ajuste. “A causa do problema é o crescimento das despesas obrigatórias, que avançaram R$ 200 bilhões em três anos”. Segundo ele, nesse ritmo, não vai haver “espaço para mais nada”.

Aperto

96%

do Orçamento está comprometido com as despesas obrigatórias, entre as quais suspender aumentos salariais dos servidores

PROIBIÇÕES

- Funcionalismo. Concessão de qualquer vantagem, aumento ou reajuste salarial para servidores

- Despesas. Adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação

- Carreira. Criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa; alteração de estrutura de carreira que aumentem o gasto; admissão ou contratação de pessoal, à exceção das reposições de cargos de chefia e direção (sem elevar despesa) ou das reposições de cargos efetivos que ficarem vagos; realização de concursos públicos, exceto para reposições de cargos efetivos vagos

- Tributos. Concessão ou ampliação de qualquer benefício tributário