O Estado de São Paulo, n. 45978, 05/09/2019. Economia, p. B6

 

Bolsonaro quer ajustar teto de gastos

Adriana Fernandes

Julia Lindner

Idiana Tomazelli

05/09/2019

 

 

Presidente manda Paulo Guedes fazer estudo para modificar regras da política fiscal; ministro, Maia e Alcolumbre são contra alterações

Foco da discussão. Bolsonaro foi pessoalmente conversar com o ministro Paulo Guedes sobre mudança

O presidente Jair Bolsonaro deu aval ontem à proposta de mudança na emenda do teto de gastos, proibindo que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação. Ele orientou o ministro da Economia, Paulo Guedes, a elaborar estudos para que ajustes sejam propostos ao Congresso, segundo o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros.

O presidente foi pessoalmente ontem ao Ministério da Economia conversar com o ministro sobre o assunto. O Estado revelou que a Junta de Execução Orçamentária (JEO) discutiu mudanças no teto por pressão da Casa Civil e dos militares, mas Guedes rejeitou propor alterações. O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, chegou a dizer, em um dos encontros, que a mudança tinha o apoio do Congresso. À reportagem, porém, antes da confirmação do presidente de que pretende propor mudanças, Onyx afirmou que o governo nunca tinha tratado do assunto e que era “cretino” quem havia dito isso.

Mesmo depois da declaração do presidente, Guedes mantém posição de não querer mexer no teto. O anúncio do porta-voz caiu como uma bomba entre integrantes da equipe econômica, que vem defendendo publicamente a manutenção da regra como peça-chave para a recuperação da saúde das contas públicas e recuperação da confiança nos rumos do País. O momento, segundo relatos, é o mais delicado desde o início do governo. Uma eventual mudança no teto pode provocar baixas.

O temor é de que o aval para alteração na regra criada pelo ex-presidente Michel Temer seja interpretada pelos investidores como um sinal de afrouxamento fiscal.

A estratégia da equipe de Guedes, agora, é emplacar a informação de que serão discutidas mudanças para “atacar” as despesas obrigatórias (como salários, aposentadorias e pensões) e abrir espaço no teto de gastos em 2020. Como o Estado antecipou, essas medidas, como a redução de jornada e de salários dos funcionários públicos, possibilitariam ampliar os gastos com investimento e custeio, que estão estrangulados e ameaçam paralisar os ministérios.

A ala política do governo quer aproveitar a PEC da regra de ouro, que já está na Câmara, para fazer esses ajustes. A regra de ouro impede o governo federal de se endividar para pagar despesas correntes, como salários e Previdência. A exceção é se o Congresso conceder autorização para emitir dívida. Para 2020, o governo vai precisar de R$ 367 bilhões extras.

Contrário à manutenção do teto do jeito que está, Bolsonaro, quer a mudança para irrigar de recursos os programas do governo. “Se a mudança no teto não for feita, a tendência é governo ficar sem verba para manter a máquina”, disse o portavoz. Segundo ele, o governo não aumentará impostos.

Como deputado, Bolsonaro votou a favor da criação do teto de gastos. Sobre a mudança de opinião, o porta-voz afirmou que “as pessoas evoluem na medida em que percebem modificações de conjuntura”.

“Acho que daqui a dois ou três anos vai zerar as despesas discricionárias (custeio e investimentos). É isso? Isso é uma questão de matemática”, disse Bolsonaro pela manhã.

Rota de colisão. O movimento do Planalto coloca mais uma vez Bolsonaro em oposição ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Maia reafirmou na noite de ontem que, se depender dele, o Congresso não deve alterar a regra. “O teto (de gastos) está sólido aqui”, disse Maia ao deixar a Casa. Ele afirmou que o argumento do governo está equivocado porque “não adianta aumentar gasto se não reduzir a despesa”. “É besteira. Vai ter de aumentar imposto. O que está pressionando o teto é inflação baixa e indexação do Orçamento. Então é isso que tem de resolver”, disse.

O Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também criticou a mudança no teto. “Por que não aumenta o tamanho do déficit? Resolve”, disse. Para o ano que vem, a meta fiscal permite que as contas fiquem negativas em até R$ 124 bilhões.

Teto

Sem o apoio no Congresso Nacional, a pressão da Casa Civil e de militares para mudar o controle dos gastos públicos tem poucas chances de prosperar

Matemática

“Acho que daqui a dois ou três anos vai zerar as despesas discricionárias . Isso é uma questão de matemática.”

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE

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Teto de gastos: a crise de curto prazo

Adriana Fernandes

05/09/2019

 

 

Não é surpresa nenhuma que o debate sobre a flexibilização do teto de gastos iria, mais cedo ou mais tarde, estourar em meio ao avanço dos efeitos nocivos do contingenciamento forte das despesas do Orçamento, que colocou em xeque os programas dos novos ministros de Jair Bolsonaro e já paralisa muitas áreas do governo. A razão central que motiva a pressão por mudanças é que a ala política do presidente, inclusive ele próprio, se deu conta de que o arrocho não vai acabar. Ainda que entrem nos cofres da União os bilhões e bilhões de reais esperados do megaleilão de petróleo para a exploração do pré-sal.

Mesmo que a economia cresça mais rápido e ajude a incrementar a arrecadação de impostos, o teto de gastos vai estar ali, sempre presente a travar os investimentos e os novos programas que o time do presidente quer tocar. O teto não deixará o governo gastar a receita a mais que receber.

É importante ressaltar que esse era o script do modelo fiscal desenhado pela equipe que criou o teto: controlar as despesas para que o avanço das receitas produza um ajuste mais rápido, levando as contas públicas a saírem do vermelho, situação que se encontram desde 2014.

O que não estava no script é a demora do governo e do Congresso em apresentar outras sugestões para reduzir o gasto obrigatório, além da reforma da Previdência. Pelo contrário, o debate fiscal no Congresso gira em torno de garantir mais dinheiro para Estados.

Talvez não tenham contado para o presidente Bolsonaro que o ajuste nas despesas obrigatórias está lento e não há varinha mágica da reforma da Previdência que resolva a situação no curto prazo. Sim, vai piorar.