O Estado de São Paulo, n. 45978, 05/09/2019. Política, p. A4

 

Polícia Federal já espera demissão de diretor-geral

Breno Pires

Tânia Monteiro

Vera Rosa

Renato Onofre

05/09/2019

 

 

Governo. Saída é vista como uma 'capitulação' de Sérgio Moro aos interesses políticos; escolhido pelo ministro, Mauricio Valeixo se cercou de nomes ligados a Operação Lava Jato

A saída do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, já é dada como certa pela corporação. Nos bastidores, a PF avalia que o ministro da Justiça, Sérgio Moro, foi “emparedado” pelo presidente Jair Bolsonaro, vem sofrendo sucessivas derrotas no governo e perderá de vez o poder de comando se não tiver carta branca para indicar o substituto de Valeixo. A troca está sendo vista na PF como uma “capitulação” do ministro a interesses políticos.

Moro silenciou ontem diante de repórteres quando questionado se pretendia dispensar Valeixo. Em menos de três minutos, ele encerrou a entrevista, alegando ter outros compromissos. A atitude foi considerada “ridícula” por um integrante da cúpula da PF. O ministro conversou com Valeixo, por telefone. O Estado apurou que só o que falta, agora, é acertar a data da dispensa do diretor-geral, que tem férias de dez dias marcadas para a próxima segunda-feira.

O nome mais cotado para substituir Valeixo é o do atual secretário de Segurança do Distrito Federal, Anderson Gustavo Torres. O delegado é amigo do titular da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, desde a época em que o atual ministro era chefe de gabinete do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente. Torres, por sua vez, era assessor parlamentar de Fernando Francischini, hoje deputado estadual pelo PSL do Paraná. Alinhado com a pauta de segurança pública de Bolsonaro, o delegado representaria uma mudança de perfil no cargo.

“É um nome natural e de total confiança do presidente, que nós apoiamos”, afirmou o deputado Felipe Francischini (PSL-PR), filho de Fernando. Torres já atuou em áreas como inteligência e combate ao crime organizado.

A insistência de Bolsonaro em mudar o diretor-geral da PF desencadeou uma crise na corporação e se tornou novo foco de desgaste para Moro, que já perdeu o comando do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Além do Coaf, o ministrou sofreu outros reveses, como o “desconvite” que foi obrigado a fazer à cientista política Ilona Szabó e o fato de Bolsonaro ter ignorado suas sugestões para o decreto de armas.

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, anteontem, o presidente disse que estava “tudo acertado” com o ministro sobre a substituição de Valeixo.

A cúpula da PF está alarmada com a interferência do presidente desde que ele anunciou a saída do superintendente da corporação no Rio, Ricardo Saadi, em 15 de agosto. Na época, a resistência de Valeixo em aceitar o nome sugerido por Bolsonaro, o do delegado superintendente da PF no Amazonas, Alexandre Saraiva, acabou por colocá-lo na mira do presidente. “Se não posso trocar o superintendente, vou trocar o diretor-geral”, afirmou Bolsonaro, na ocasião.

Em sua equipe, Valeixo se cercou de nomes da Lava Jato, entre eles o de Igor Romário de Paula, ex-titular da operação no Paraná. Igor foi nomeado diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado (Dicor) da PF. Além dele, foi indicado como diretor executivo Disney Rosseti, superintendente da PF em São Paulo entre 2015 e 2018.

“Essa história de arejar a PF é que não entendemos. Se era para arejar, por que não se falou nisso em janeiro, quando foi trocada a administração da PF? O que deu errado de janeiro para cá? Por que agora?”, criticou o presidente da Associação Nacional de Delegados da Polícia Federal, Edvandir Paiva, em referência à declaração de Bolsonaro de que era preciso dar uma “arejada” na corporação.

Tensão. Bolsonaro nega que sua interferência na PF tenha ligação com investigações envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), seu filho. Flávio é suspeito de ter se beneficiado, quando era deputado estadual no Rio, de “rachadinha” – esquema que consiste em fazer o servidor devolver parte do salário ao parlamentar.

No Planalto, auxiliares do presidente afirmaram que a relação entre ele e Moro melhorou, mas os dois já tiveram conversas muito duras. Um dos momentos mais tensos ocorreu em 23 de agosto, antes da cerimônia do Dia do Soldado. Seis dias depois, pouco antes de descer a rampa de acesso ao Salão Nobre do Planalto, ao lado do ministro, Bolsonaro e ele haviam tido diálogo ríspido. A portas fechadas, o presidente chegou a dizer que não abriria mão da mudança na direção da PF. Naquele dia, Moro quase deixou o cargo. Em um gesto de reaproximação, Bolsonaro o chamou de “patrimônio nacional” na solenidade do Planalto.

Ex-superintendente da PF no Paraná por duas vezes, Valeixo trabalhou com Moro na investigação do caso Banestado, há 15 anos. Ficou na Diretoria de Combate ao Crime Organizado durante três anos na gestão de Leandro Daiello, o mais longevo comandante da corporação.

A intenção de Bolsonaro não é mexer só na PF. Ele já sinalizou que vai fazer mudanças na Agência Brasileira de Inteligência e na Receita.

PARA LEMBRAR

Corporação no centro da crise

- PF contradiz Bolsonaro

Em agosto, Bolsonaro alegou “questão de produtividade” e disse que substituiria o superintendente da PF no Rio, delegado Ricardo Saadi. No mesmo dia, a PF, em nota, afirmou que a saída de Saadi já estava planejada e não tinha “relação com desempenho”.

- ‘Quem manda sou eu’

Bolsonaro anunciou que, para vaga de Saadi, iria Alexandre Saraiva. “Quem manda sou eu.” PF reagiu e avisou a Moro que ele perderia o controle do órgão se cedesse ao presidente. Bolsonaro recuou.

- Diretor-geral

“Se não posso trocar o superintendente, vou trocar o diretor-geral”, disse Bolsonaro em 22 de agosto, acrescentando que Maurício Valeixo (foto) é subordinado a ele, não a Moro.

- ‘Reveses’

Na semana passada, Moro defendeu o trabalho de Valeixo, mas, sem entrar em detalhes, admitiu “reveses”.

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Dilemas do ministro da Justiça

João Domingos

05/09/2019

 

 

Mesmo que Jair Bolsonaro e Sérgio Moro tenham se acertado, e até feito um gesto simbólico de reaproximação na semana passada, não dá para dizer que a situação do titular da Justiça é segura. Quando Bolsonaro diz, e repete, que quem manda é ele, o destinatário da mensagem é Moro. Porque a autoafirmação de autoridade de Bolsonaro, nesses casos, quase sempre é feita quando se trata de algum órgão ou alguma pessoa ligada a Moro.

Sabe-se que os dois tiveram discussão ríspida na semana passada, por causa da PF. Bolsonaro queria mudar o superintendente no Rio, encontrou resistências e ameaçou demitir o diretor-geral, Maurício Valeixo. Não contente, deu declarações dizendo que é ele o responsável pela direçãogeral da instituição, não Moro. Ora, se é ele quem cuida da direção da PF, poderia ter demitido Valeixo, ou exigido dele a troca do superintendente, sem precisar dizer que a responsabilidade é dele, não de Moro. Ou Bolsonaro terá de pedir autorização de algum ministro quando quiser demitir outro? É lógico que não. Acontece que, ao deixar clara a intenção de fazer uma interferência na PF, levará à conclusão de que ele está se imiscuindo numa área que não lhe pertence. Daí, a citação a Moro, para dizer que não é ele o responsável pela direção da PF, mas o próprio presidente.

Sabe-se que Bolsonaro pretende trocar a direção da Abin e da Receita. A primeira é subordinada ao general Augusto Heleno; a segunda, a Paulo Guedes. No momento em que se decidir pela troca, Bolsonaro certamente chamará um e outro e mandará mudar o comando. Portanto, se quem manda na PF é Bolsonaro, por que ele precisa dizer aos quatro ventos que o mando é dele, não de Moro? Porque o ministro é popular e faz sombra ao presidente.

Feita a reconciliação, Bolsonaro já voltou ao ataque. À Folha de S. Paulo, disse que é preciso dar uma “arejada” na PF. O que está por trás da declaração é a certeza que ele tem de que a PF é corporação muito unida, com capacidade de reação e rebeldia, como a entrega dos cargos. Daí, a insistência em dar essa “arejada”, o que não conseguirá sozinho. Precisará de Moro. Mas não tem a certeza de que o ministro seguirá suas ordens ao pé da letra. Até porque, se segui-las, Moro perderá a autonomia e será apenas mais um a obedecer cegamente a tudo o que o presidente determina.