Valor econômico, v.19, n.4698, 26/02/2019. Brasil, p. A4

 

Na ONU, Damares "esquece" Marielle 

Assis Moreira 

26/02/2019

 

 

Em sua estreia internacional, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Regina Alves, afirmou no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, que o governo Bolsonaro está comprometido em proteger "os corajosos defensores dos direitos humanos", a democracia, os índios, as mulheres e não mencionou o assassinato de Marielle Franco.

Já a percepção internacional sobre o governo veio pouco antes de seu discurso, com posições defendidas pelo governo Bolsonaro sendo alvejadas por autoridades das Nações Unidas, sem que fossem mencionados nomes de países.

Na abertura do Conselho de Direitos Humanos, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, criticou uma "inundação de mentiras" sobre o Pacto Global para a Migração, acordo internacional rejeitado pelo governo Bolsonaro no começo de seu mandato.

"Estamos vendo como o debate sobre a mobilidade humana, por exemplo, tem sido envenenado com falsas narrativas, vinculando refugiados e migrantes ao terrorismo e os culpabilizando por muitas das doenças da sociedade."

O secretário-geral das Nações Unidas apontou "uma campanha insidiosa procurando afogar o Pacto Global para a Migração numa inundação de mentiras sobre a natureza e amplitude do acordo". Mas, para ele, a campanha fracassou. Na visão de membros da equipe no poder em Brasília, o Pacto para a Migração é um exemplo do globalismo que eles querem combater.

Por sua vez, em seu discurso, a Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, a ex-presidente chilena Michelle Bachelet, afirmou: "Hoje, ouvimos às vezes os direitos humanos sendo descartados como supostamente globalistas, como oposto a interesse patriótico de soberania governamental. Mas como os interesses de qualquer Estado podem avançar com políticas que causam danos ao bem-estar de todos os serem humanos?".

Questionado por um jornalista sobre como recebeu os discursos de Guterres e de Bachelet, a ministra Damares respondeu que foi "pega de surpresa". Para ela, a rejeição do Brasil ao pacto significa apenas que o país tem "seu próprio jeito. Somos acolhedores, recebemos todos e estamos preservando questões de soberania".

Em seu discurso, a ministra manifestou o compromisso do governo com os direitos humanos, democracia, convidou os relatores da ONU a visitarem o Brasil quando quiserem.

No entanto, ela não mencionou o assassinato de Marielle, a vereadora do Rio de Janeiro, que está para completar um ano, segue sem resposta e é um dos temas mais mencionados por ativistas na ONU. "Por que citar só Marielle?", indagou ela depois. "No Brasil, temos uma lista, temos outros, ali não era para prestação de contas de Marielle."

A ministra foi enfática, por outro lado, na prioridade na defesa de índios, mulheres, comunidade LGBT e crianças, por exemplo. Defendeu proteger a vida desde o ventre materno, mas insistiu que isso não queria dizer que se vai criminalizar o aborto ou propor qualquer alteração no Código Penal.

Para a ONG Conectas, porém, Damares, ao defender o "pleno exercício do direito à vida, desde a concepção", reforça a criminalização das mulheres que realizam a interrupção de sua gravidez.

"De forma geral, a ministra tenta mostrar preocupação com a integridade e a vida das mulheres, mas na prática faz discurso radicalmente no sentido oposto: a criminalização do aborto, além de violar o direito à vida e à saúde das mulheres, atinge desproporcionalmente as jovens, pobres e negras, que estão em condições de vulnerabilidade econômica e social", diz Juana Kweitel, diretora-executiva da Conectas.

Sobre os indígenas, Damares insistiu que a transferência para o Incra da responsabilidade pela demarcação de terras não vai afetar em nada os direitos constitucionais dos povos indígenas.

Disse que o governo vai tomar medidas para o bem-estar de todas as crianças. Lançará campanha de prevenção contra suicídio e automutilação de crianças e adolescentes.

A ministra confirmou que o governo vai pagar o 13º beneficio do Bolsa Família, ao mesmo tempo em que reforçará a fiscalização para combater abusos.

No fim do discurso, a representante brasileira conclamou a comunidade internacional a se juntar aos esforços para "libertar" a Venezuela, reconhecendo "o legítimo governo de Juan Guaidó e pedindo o fim da violência perpetrada pelas forças do regime [de Nicolás Maduro] contra sua própria população".

A ministra denunciou "sérias e persistentes violações cometidas pelo regime ilegítimo do ditador Maduro". Ela insistiu que o Brasil vai continuar buscando solução pacífica para a crise venezuelana e descartou intervenção.

A ministra encerrou seu discurso no Conselho da ONU com um "obrigado" na língua tupi.