Valor econômico, v.19, n.4710, 18/03/2019. Política, p. A6

 

Previdência militar provoca reação e Bolsonaro nega conhecer projeto 

Daniel Rittner 

Raphael Di Cunto 

Edna Simão 

Carla Araújo 

Luísa Martins 

18/03/2019

 

 

O porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros, confirmou que o projeto de lei de reforma do sistema previdenciário dos militares será enviado nesta quarta-feira ao Congresso Nacional. "A proposta está pronta e de posse do ministro Paulo Guedes", disse Rêgo Barros, na porta da embaixada brasileira em Washington, onde o presidente Jair Bolsonaro jantou com formadores de opinião americanos. De acordo com o porta-voz, Bolsonaro não precisa estar em Brasília para acertar os últimos ponteiros antes do envio do projeto. "Ele confia no nosso ministro da Defesa, já discutiu sobre os pontos que são essenciais e a partir daí dará o toque, a liderança que lhe é peculiar".

Antes de viajar para os Estados Unidos, o presidente, Jair Bolsonaro publicou em sua conta no "Twitter" que ainda não conhecia o projeto. "Informo que ainda não me foi apresentado a versão do projeto de lei que trata da previdência dos militares. Possíveis benefícios, ou sacrifícios, serão divididos entre todos, sem distinção de postos ou graduações. Vamos valorizar e unir a tropa no ideal de melhor servir à Pátria", escreveu.

Entre os dispositivos da minuta do projeto elaborada pelo Ministério da Defesa, a que o Valor teve acesso, estão dobrar a ajuda de custo paga quando o militar vai para a reserva, mudanças na estrutura da carreira, previsão de aumento salarial anual, uma transição mais suave que a do resto da população e a possibilidade de irem para a reserva sem idade mínima. Por outro lado, haveria aumento do tempo de serviço de 25 para 30 anos e das alíquotas de contribuição, inclusive para as pensionistas, que hoje são isentos.

A insatisfação no Congresso Nacional com a ocupação dos postos políticos e até dos cargos federais nos Estados por militares pode levar ao endurecimento do projeto, segundo parlamentares influentes. O discurso no Congresso é de que todos devem fazer sua cota de sacrifício e que não faz sentido a população mais carente ser prejudicada, como os trabalhadores rurais e os idosos em condição de miséria do Benefício de Prestação Continuada (BPC), enquanto os militares recebem contrapartidas para contribuírem com a reforma.

Indicados políticos de líderes dos maiores partidos da base estão sendo demitidos e, no lugar, muitas vezes os nomeados são militares da reserva. Um dos casos foi nas companhias docas, onde almirantes da Marinha assumiram. Há, hoje, mais de 100 egressos das Forças Armadas espalhados pelo governo.

A reclamação é tamanha, dizem os deputados nos bastidores, que o projeto de mudança na previdência pode ser um dos poucos a sair do Legislativo mais duro do que entrou. Outro grupo, contudo, faz a ressalva de que o endurecimento será cuidadoso porque os policiais militares terão as mesmas regras das Forças Armadas, mas têm muito mais força no Congresso e são mais numerosos nos Estados.

No sábado, técnicos da equipe econômica e militares se reuniram para afinar a proposta, que esbarra no impacto fiscal. O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, garantiu que os militares não terão um projeto mais brando. "Eles [militares] alertam para algo legítimo que é se pensar daqui para frente na reestruturação das carreiras dos militares", afirmou. O secretário-geral do Ministério da Defesa, almirante Almir Garnier, afirmou que, enquanto houver prazo, haverá ajustes no projeto até porque a proposta da categoria é complexa. Questionado sobre que "detalhes" ainda precisam ser fechados, ele disse que o ministro da Economia, Paulo Guedes, fala de uma economia de R$ 1 trilhão em 10 anos com a aprovação da reforma "falar um bilhão é detalhe."

No mesmo dia, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) almoçou com o presidente Bolsonaro e a autoridades dos três poderes, incluindo 15 ministros. Em discurso, Bolsonaro disse que "não governa sozinho" e fez um apelo por um esforço comum para "fazer o Brasil continuar no caminho do desenvolvimento".

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Classe política resise à capitalização

Fabio Graner 

Fernando Exman 

18/03/2019

 

 

A área econômica já percebe que o tema da capitalização na reforma da Previdência será um dos flancos de importante resistência na área política. Embora seja um dos principais objetivos do ministro Paulo Guedes, a questão já causa preocupações de diversas naturezas em interlocutores do governo.

Uma delas foi a sinalização que teria sido dada por Guedes a políticos de que não haverá contribuição patronal para as contas individuais dos trabalhadores. Procurado por meio da assessoria da pasta, o ministro não comentou sobre essa sinalização nem a respeito da reação que ela causou no meio político.

Em contrapartida, esses mesmos interlocutores já enviaram o recado ao Ministério da Economia de que uma maior rapidez para a solução da questão da cessão onerosa, a qual poderia viabilizar recursos a ainda neste ano para Estados e municípios, ajudaria na mobilização de bancadas, principalmente pelos governadores.

A tramitação da proposta de emenda constitucional enviada pelo Executivo ao Congresso da reforma previdenciária deve andar mais rápido a partir desta semana, quando o governo também enviar o projeto que trata da seguridade dos militares e o relator da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara for finalmente anunciado. A CCJ será o primeiro colegiado a analisar a PEC.

"A capitalização vai prejudicar a aprovação da reforma", afirmou ao Valor uma fonte que disse ter ouvido do próprio Guedes de que não haveria contribuição patronal. Essa fonte lembrou, inclusive, que já há partidos discutindo o fechamento de questão contra a capitalização. Ou seja, embora favoráveis à reforma da Previdência, não querem permitir que seus parlamentares votem a favor deste trecho específico da proposta.

Uma fonte do governo explicou que a inquietação em torno da capitalização também está relacionada à complexidade do sistema, que pode ser visto com muita desconfiança por grande parte da população. Esse interlocutor lembra que hoje grande parte dos pequenos e médios poupadores utilizam a caderneta de poupança e não investimentos mais sofisticados como Tesouro Direto ou ações.

Guedes tem insistido na tese de que é preciso partir para um outro sistema, saindo da repartição, que estaria "falida". Em discurso recente, ressaltou que a proposta de reforma não poderia ser desidratada para menos de R$ 1 trilhão porque esse valor que impulsionaria a criação do novo sistema de contas individuais, supostamente garantindo a aposentadoria das futuras gerações.

Por outro lado, avaliações no governo apontam que o mais importante é garantir a viabilidade do atual sistema, de forma que ele não venha mesmo a quebrar. Um interlocutor lembra que a maior parte da proposta de emenda constitucional (PEC) enviada ao Congresso trata do sistema de repartição, enquanto a capitalização é objeto de um capítulo que demanda detalhamento posterior. "Tem havido muita especulação em torno da capitalização", disse uma fonte.

Mas há também dentro da área econômica quem minimize as resistências que surgem à capitalização. Uma fonte afirma que isso é mais "coisa do PT" e que os focos de contrariedade dos políticos estão na verdade muito mais concentrados em temas como BPC, aposentadoria rural, professores e policiais.

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PDT e PSB preparam-se para fechar questão contra reforma 

Raphael Di Cunto 

Marcelo Ribeiro 

18/03/2019

 

 

Partidos de oposição ao governo Bolsonaro, mas nos quais os articuladores políticos da reforma da Previdência Social pretendiam conquistar alguns votos na Câmara, PDT e PSB preparam-se para fechar questão contra o projeto (o que pressupõe punir os parlamentares que votarem a favor). Os pedetistas reúnem-se hoje para definir posição contrária e os pessebistas devem fazer o mesmo até o fim do mês.

Enquanto PT, PCdoB e Psol se colocaram, desde o começo, contra o projeto, PDT e PSB defenderam um debate em torno do assunto e chegaram a ser convidados para reunião com o presidente Jair Bolsonaro sobre a reforma. Recusaram porque o PCdoB, que compõe um bloco com o PDT na Câmara, não foi convidado por ser "comunista".

O PDT realiza sua convenção nacional hoje em Brasília e deve se posicionar contra a reforma do governo, afirmou o presidente nacional do partido, Carlos Lupi. "Isso ainda vai ser debatido, mas vamos tomar posição sobre a proposta e a tendência é fechar questão contra ela", disse.

Diferentemente de um mero posicionamento da sigla, o fechamento de questão é uma posição votada pela direção do partido e que permite sanções aos parlamentares que descumprirem a orientação - o que pode ser de advertência a corte nas verbas eleitorais, perda do controle de diretórios e até a expulsão.

O ex-presidenciável Ciro Gomes, que considera "desonesto" negar a necessidade de uma reforma previdenciária, será reeleito vice-presidente do PDT no mesmo dia. Lupi afirma, contudo, que a proposta do governo manipula os números, atenta contra os mais carentes e não combate as sonegações. O partido também não aceita a mudança para um regime de capitalizações onde não seja obrigatória a contribuição patronal nem tenha garantia de renda mínima.

A posição do PDT deve complicar a intenção do deputado Mauro Benevides (PDT-CE), aliado de Ciro e secretário licenciado da Fazendo do Ceará, que pretende assumir a presidência da comissão especial da Câmara que discutirá a proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma. Embora discorde de pontos do projeto do governo, ele é um dos mais ativos defensores no Legislativo da necessidade de uma reforma.

O PSB realizará hoje um debate com dois professores. Na semana seguinte, haverá reunião com as bancadas na Câmara e Senado e, depois, com a Executiva, para decidir uma posição. "A reforma é muito ruim, pior que a do governo Temer. Não vamos antecipar posição [antes do debate], mas na do Temer fechamos questão contra", disse o presidente do PSB, Carlos Siqueira.

Na opinião de Siqueira, a proposta "é um horror" e desmonta o sistema de seguridade social. "O caráter da reforma é muito fiscalista, uma visão ultraliberal, de consequências nefastas. Muitos deputados do PSB conversaram comigo nesta semana e nenhum é favorável ao projeto", destacou.

Segundo Siqueira, alguns dos deputados ainda estão indecisos e aguardam o debate antes de se manifestarem, mas a posição do partido ao final será vinculante. A sigla já expulsou quatro deputados por votarem a favor das reformas do governo Temer.

Para o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), o fechamento de questão será inevitável se o governo não ceder rapidamente nos pontos mais draconianos. "Não vamos, por causa de dois ou três pontos positivos, concordar com uma reforma que tem de 15 a 16 pontos bastante questionáveis. A tabela de contribuição é progressiva, mas não tem justiça social cortando do abono salarial [que a PEC extingue]", disse.

A bancada do PSB ainda não debateu o assunto, mas Delgado estima que de sete a oito deputados da sigla - são 32 - podem votar a favor do projeto do governo. Com o fechamento de questão, esse número cairia para dois ou três "mais governistas".