Valor econômico, v.19, n.4709, 15/03/2019. Especial, p. A14

 

Projetos na Amazônia terão US$ 100 milhões de agência americana 

Daniela Chiaretti 

15/03/2019

 

 

Na viagem da comitiva do presidente Jair Bolsonaro aos Estados Unidos, no domingo, há uma iniciativa que mira o desenvolvimento da Amazônia e outra que busca alguma previsibilidade diante de secas e do processo de desertificação crescente do semi-árido nordestino.

No primeiro caso trata-se de um acordo costurado entre o Ministério do Meio Ambiente e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) e que prevê o financiamento de US$ 100 milhões para projetos de impacto na Amazônia.

A Amazon Impact Investment Partnership baseia-se no financiamento de empreendimentos do setor privado com prazo de carência e juros baixos que criem cadeias sustentáveis e agreguem valor aos produtos da floresta, sem contrapartida brasileira.

"Queremos financiar atividades privadas. Não é governo nem ONGs", disse ao Valor o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. "O foco é o pessoal do setor privado, pequenos empreendedores", seguiu. O MMA estabelecerá a estratégia de identificação e habilitação de atividades sustentáveis na floresta.

"Estamos pensando em trabalhar com entidades representativas de diferentes setores - o pessoal da castanha, da borracha, da madeira, do manejo florestal", diz Salles. "Pensamos que seja uma boa iniciativa trazer para o mercado pessoas que têm bons projetos, boas ideias, mas não têm recursos", continua. "Não é doação. O empreendedor é responsável pela devolução do recurso."

A segunda iniciativa contempla a região Nordeste. Trata-se de cooperação tecnológica com o governo americano - a Usaid é responsável por fazer a ponte.

"A intenção é prever, com antecedência, crises hídricas e secas nas regiões do semiárido", afirma Salles. "A ideia é prevenir a desertificação, que vem crescendo no Nordeste", continua. "Nos dará instrumentos para conseguir estimular o uso mais responsável da água, evitar que o sistema colapse."

Imagens de satélite meteorológico do Servir, um sistema de monitoramento de alta tecnologia, acredita Salles, ajudarão a prever secas e tomar ações na caatinga.

Ricardo Salles chegou a Nairóbi depois de visitar a nova estação brasileira na Antártica. Por isso, não sabe ainda se irá aos Estados Unidos. A assinatura de ambas as iniciativas está prevista para segunda-feira. "Estou em dúvida se irei ou não. Fiquei vários dias fora do ministério e uma série de coisas acabaram se acumulando."

Em sua estreia na Assembleia Ambiental das Nações Unidas (Unea), que reúne em sua quarta edição quase 5 mil participantes, Salles discursou em plenária, falou em um diálogo sobre inovações sustentáveis e teve bilaterais com a ministra do Meio Ambiente do Chile sobre a conferência do clima que está marcada para dezembro, em Santiago, e com representantes de Índia, China e África do Sul. Encontrou a diretoria do Global Environment Facility (GEF). O ministro quis falar à imprensa internacional.

"A percepção global é que o novo governo brasileiro não está interessado no ambiente ou nos direitos dos povos indígenas", afirmou uma jornalista da agência Reuters durante a entrevista coletiva. "Não é verdade, ao contrário", rebateu Salles. "No passado tivemos lindo discursos de alguns grupos, mas o acompanhamento das informações não necessariamente estava conectado à narrativa."

Uma jornalista da agência espanhola EFE disse que havia uma contradição na fala de Salles, de proteger a floresta e aumentar os investimentos em agricultura. "Não tem contradição", reagiu. "O Brasil aumentou a produtividade agrícola sem aumentar a área do desmatamento." E seguiu, citando o Código Florestal. "Temos uma legislação muito rígida, em oposição a outros países, que não têm restrições."

"A agricultura brasileira é muito sustentável e um bom exemplo para o resto do mundo de como produzir e proteger o ambiente", seguiu.

Em duas ocasiões mencionou que a Amazônia precisa de um monitoramento mais efetivo, com novas tecnologias e estratégias. Citou drones, mas não deu detalhes do plano. "O monitoramento brasileiro, do Inpe, é reconhecido. Mas estamos trabalhando em um plano detalhado", adiantou, citando a dificuldade de enxergar o que acontece em terra quando há muitas nuvens. "Para complementar a informação, precisamos de imagens e dados específicos, em oposição à simples interpretação dos dados."

Citou a necessidade de o país resolver a agenda ambiental urbana, com suas lacunas no gerenciamento de lixo, no saneamento, no transporte.

"No Brasil neste momento, temos tanta coisa tangível para resolver, considerando aqueles itens da agenda urbana, que estamos dando apoio, mas sem enfocar, a pesquisa da mudança do clima", reconheceu.

A Unea termina com duas resoluções sobre plásticos nos mares e uma declaração ministerial que também cita o problema. Salles disse que esta é uma das prioridades de sua gestão. A declaração deve incluir 2030 como deadline para lidar com os 8 milhões de toneladas de plásticos que todos os anos são jogados no mar.

"Eu gostaria que fosse num prazo menor. Mas, de outro lado, precisamos ver o que é realista", afirmou o ministro.

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Agricultura brasileira é produtiva e sustentável, defende ministro 

Daniela Chiaretti 

15/03/2019

 

 

Em seu discurso na plenária da 4ª Assembleia Ambiental das Nações Unidas (Unea), nos escritórios da ONU em Nairóbi, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendeu a agricultura brasileira e fez uma crítica: "O Brasil não concorda com o tom alarmante às vezes usado para criticar a produção agrícola dos países em desenvolvimento".

Relatórios científicos divulgados na maior assembleia ambiental do gênero, com 4.700 participantes, chefes de Estado e mais de cem ministros do Meio Ambiente, fizeram referência ao que pesquisadores dizem que é preciso estimular para reduzir impactos da mudança do clima, poluição do ar, da água e dos oceanos, degradação ambiental e perda de biodiversidade.

Entre as medidas, estão a redução do desmatamento, a descarbonização das economias e a mudança de padrões de consumo e produção. O estudo sobre os impactos da extração intensiva e insustentável dos recursos naturais sugeriu, entre outras coisas, que é preciso reduzir o consumo de carne.

"A agricultura brasileira mostrou que é possível obter ganhos de produtividade em plena conformidade com os compromissos de desenvolvimento sustentável", defendeu Salles.

"Acreditamos que a promoção da agricultura sustentável é um meio eficaz de prevenir o desmatamento ilegal, ao mesmo tempo em que alivia a pobreza e produz prosperidade."

Salles falou durante a sessão de alto nível da Unea, aberta pelos presidentes do Quênia, Uhuru Kenyatta, e da França, Emmanuel Macron, entre outros.

Kenyatta mencionou o tema central do evento, a necessidade de se rever hábitos de consumo e produção. Macron lembrou que a França preside o grupo das nações mais ricas do mundo, o G-7, e que "este não deveria ser um fórum para Estados não capazes de concordar com um comunicado conjunto sobre mudança do clima", em referência implícita aos Estados Unidos na gestão de Donald Trump.

Ao falar, Salles lembrou que a matriz energética brasileira é renovável e que 33% da biomassa tem origem agrícola. Disse que, "com apenas 30% de seu território usado para produção agrícola, o Brasil é o segundo maior exportador agrícola e alimenta cerca de 20% da população do mundo". Afirmou ainda que o Brasil tem 64% do território "protegido por lei". E que isso o torna "o país com a maior área protegida do mundo".

Segundo ele, "o Brasil está particularmente honrado" de receber US$ 96 milhões do Green Climate Fund (o GCF, Fundo Verde do Clima), por reduzir com sucesso as emissões de gases estufa do desmatamento. Mencionou que elas caíram cerca de 72% nos últimos 15 anos.

De fato, a redução do desmatamento da Amazônia no período entre 2004 e 2018 é dessa ordem. A partir de 2012, contudo, a taxa de desmatamento sobe e, segundo as análises do Observatório do Clima (rede que engloba cerca de 40 ONGs que atuam com esta temática), segue com clara tendência de alta.

Salles não focou este ponto em seu discurso. A Amazônia ou o combate à mudança do clima tiveram lateralidade.

O ministro do Meio Ambiente deixou claro que sua prioridade é trabalhar na agenda ambiental urbana. Listou o combate à poluição do ar e da água, escassez hídrica, o problema do saneamento, a necessidade de ampliar o transporte sustentável e a eficiência energética, de disposição do lixo e ampliação da reciclagem, de conseguir estimular a produção e o consumo sustentáveis, evitar o desperdício de comida e aumentar as de áreas verdes.

A outra prioridade de sua gestão, segundo ele, são os oceanos, "a nova fronteira para a proteção e conservação ambiental".

Adiantou que no dia 22 o Brasil vai lançar o Plano Nacional de Combate ao Lixo Marinho como primeiro passo da "Agenda Nacional para Qualidade Ambiental Urbana".

Lembrou que as 7,7 bilhões de pessoas que vivem no mundo hoje dependem de recursos. "Usar estes recursos de forma sustentável não é uma escolha, é obrigatório", afirmou Salles.

"O mundo precisa de soluções que, simultaneamente, permitam crescimento econômico e protejam o ambiente para as gerações atuais e futuras", disse o ministro.