Valor econômico, v.19, n.4713, 21/03/2019. Política, p. A8

 

Previdência militar faz ajuste de R$ 10,4 bi

Edna Simão 

Raphael Di Cunto 

21/03/2019

 

 

Com criação de gratificações de até 32%, concessão de um bônus para os generais na inatividade, o dobro de ajuda de custo quando passam para a reserva, aumento de salários e o fato de serem a única categoria, nos serviços público e privado, a manterem paridade e integralidade das aposentadorias, a reestruturação das carreiras dos militares custará aos cofres públicos R$ 86,85 bilhões em dez anos, consumindo boa parte da economia esperada com as mudanças nas regras previdenciárias dos militares. Apenas no governo Bolsonaro, essa despesa será de R$ 21,1 bilhões.

Segundo o secretário-adjunto da Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, o aumento do tempo de serviço irá de 30 anos para 35 anos, e o de alíquotas de contribuições, de 7,5% para 10,5%, além da cobrança de pensionistas, graduandos e temporários que hoje são isentos, proporcionarão uma economia de R$ 97,3 bilhões em 10 anos. Entre 2020 e 2022, essa ampliação das receitas será de R$ 23,4 bilhões. Se descontada a despesa com a reestruturação das carreiras, a economia líquida chegará a R$ 10,45 bilhões em dez anos e R$ 33,65 bilhões em 20 anos.

A reestruturação das carreiras concedida aos militares, categoria da qual o presidente Jair Bolsonaro veio, já é alvo de fortes críticas no Congresso Nacional por passar a mensagem de que as regras serão muito mais brandas para eles do que as exigidas dos trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos. Eles são os únicos que receberam algo em troca pelo "sacrifício".

Mesmo com a forte elevação de despesa, Bianco disse que a proposta de reforma da Previdência não está sendo desidratada. "Em hipótese alguma é uma desidratação", disse. "Não é gordura, não é desidratação, não diminui a proposta", disse Bianco. "O projeto é um só, mas trata de coisas diferentes. Para ter transparência, estão sendo tratados juntos, mas ele é superavitário", complementou.

Apesar de falar em transparência, o governo omitiu da apresentação divulgada à imprensa e no site do Ministério da Economia que haverá aumento no soldo de cabos, cadetes e soldados. Eles só admitiram quando questionados sobre o conteúdo do projeto e argumentaram que, como são graduações que ganham menos, receberiam abaixo do salário mínimo ao passarem a pagar contribuição previdenciária.

Nos últimos dias, a equipe econômica vinha dizendo que não haveria aumento dos soldos dos militares, mas o projeto de lei prevê reajustes. Apesar do argumento de que visava os postos mais baixos, que são 58% dos integrantes das Forças Armadas, militares como guarda-marinha e aspirante a oficial, primeiro passo na carreira de oficial, teriam aumento de R$ 6.993,00 em 2019 para R$ 7.315,00 em 2020.

O assessor especial do ministro da Defesa, general de divisão Eduardo Garrido, defendeu a reestruturação das carreiras destacando que o militar não tem os mesmos direitos que outros trabalhadores, como Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), hora-extra e direito à greve, o que representaria um gasto de R$ 23,5 bilhões em 2019. Ele e outros militares presentes à apresentação repetiram, várias vezes, que isso era uma compensação por uma medida provisória (MP) de 2001 que cortou outros benefícios, como auxílio-moradia, a pensão das filhas, e achatamento salarial.

Em troca, o projeto está criando um "adicional de disponibilidade", para contemplar a dedicação exclusiva que os militares têm a carreira e "que não é reconhecida hoje na legislação". O militar terá que escolher entre esse benefício, que vai variar de 5% para 32%, dependendo da graduação, e ou o adicional de tempo de serviço.

Também haverá um aumento no chamado adicional de habilitação, espécie de bônus por cursos realizados. O valor chegará a quase triplicar, como no caso do "altos estudos II", equivalente a um mestrado, que passará de 25% do soldo para 68%. No caso dos "altos estudos I", espécie de doutorado, o valor aumentará de 30% do salário para 73%. Os cursos de formação, que hoje não pagam nada, renderão 12%. Para Garrido, esse aumento valorizará a meritocracia e aqueles que buscam cursos ao longo da carreira.

Outro benefício que a categoria ganhará é manter a gratificação de representação, equivalente a 10% do soldo, quando o militar for para a inatividade. Esse bônus é pago apenas aos oficiais generais, que são 300 em atividade hoje, e valerá inclusive para os que já estão na reserva. "O valor não é expressivo", disse Garrido, sem apresentar números.

O valor recebido pelos militares ao passarem pela inatividade, hoje de quatro salários, dobrará.

Os militares, incluindo policiais e bombeiros, serão os únicos trabalhadores do país a irem para a inatividade com integralidade (equivalente ao último salário, mesmo que superior ao teto do INSS, de R$ 5,8 mil) e paridade (reajustes iguais aos da ativa). Estados que já fizeram suas reformas próprias e incluíram os novos policiais e bombeiros militares na previdência complementar, como Santa Catarina, terão que se readequarem. Também serão os únicos a se aposentarem sem idade mínima, apenas com o tempo de contribuição.

O general disse que o projeto de reestruturação, por outro lado, fará redução "drástica" no rol de dependentes dos integrantes das Forças Armadas, que terão direito a pensão e ao seguro de saúde da carreira. A regra valerá apenas para os novos dependentes e os atuais permanecerão. Só serão dependentes o cônjuge ou companheiro que viva em união estável e o filho ou enteado até 21 anos ou inválido, se tiverem renda, e o pai e mãe, o menor de 18 anos que viva sob guarda judicial ou filho ou enteado estudante de até 24 anos que não tiver renda.

O secretário de Previdência, Leonardo Rolim, destacou que as mudanças na previdência dos militares e a reestruturação das carreiras dará alívio de, pelo menos, R$ 52 bilhões para os Estados, que com a aprovação da legislação replicarão de imediato as medidas que serão adotadas nas Forças Armadas. Haverá a opção de que editem lei complementar com regras próprias.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o projeto mantém a "potência fiscal" do projeto acima de R$ 1 trilhão". Na estimativa divulgada um mês atrás, por ocasião da apresentação da reforma, o cálculo de economia sem levar em conta compensações para militares atingia R$ 1,164 trilhão.

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Projeto enfraquece discurso do sacrifício 

Fabio Graner 

21/03/2019

 

 

O projeto que propõe uma reforma na "Previdência" das Forças Armadas enfraquece o discurso do governo de que todos vão dar sua contribuição ou sacrifício para o equilíbrio fiscal. Ao combinar no mesmo projeto a parte de "Previdência" com a reestruturação da carreira, o governo quase anulou o ganho fiscal que havia prometido há um mês, quando anunciou a PEC que já tramita no Congresso. Há pouco a se comemorar do ponto de vista fiscal com um saldo líquido positivo de R$ 10,45 bilhões em 10 anos, ou pouco mais de R$ 1 bilhão anualmente.

O texto propõe medidas de difícil defesa política, como dobrar de quatro para oito vezes o valor do soldo pago para quem sai da ativa para a reserva, em especial em um ambiente no qual será preciso aprovar "maldades" previdenciárias para toda a sociedade.

Será complicado explicar que o país está sem dinheiro, precisando resolver sua questão fiscal e, ao mesmo tempo, criar uma despesa de R$ 86,9 bilhões em dez anos - que é o custo dos ganhos prometidos para as Forças. Mais difícil ainda será um parlamentar votar a favor disso e defender medidas como a revisão do BPC e a possibilidade de a pensão por morte ficar abaixo de um salário mínimo.

Esse problema já vinha se apresentando nos bastidores e até em declarações de algumas figuras relevantes, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Ao participar do início da entrevista coletiva para anunciar o projeto de lei dos militares, o secretário especial de Previdência, Rogério Marinho, parecia menos entusiasmado do que quando anunciou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) há um mês. Em sua breve fala e ao responder uma pergunta enfatizou o argumento de que a reforma do "sistema de proteção social" dos militares geraria uma economia de R$ 97,3 bilhões, até maior do que inicialmente anunciado, de R$ 92,3 bilhões.

Mas demonstrou irritação ao ser questionado pelo fato de que o aumento de salários e gratificações das carreiras gera gastos que consomem quase 90% do ganho. "Em nenhum momento vocês me viram falar de algo que não fosse a conta do sistema de assistência", disse, para logo depois deixar a entrevista coletiva.

No Congresso, o ministro Paulo Guedes ressaltou que os militares deram contribuição e entenderam a importância da reforma. Ele fez questão de dizer que as negociações ocorreram "no melhor clima possível", uma frase que indica que houve conflitos ao longo do processo.

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Economistas veem mensagem pró-corte de juro

Adriana Cotias 

Juliana Machado 

21/03/2019

 

 

A primeira reunião conduzida pelo novo presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, mostrou incômodo com a atividade econômica mais fraca e passou uma mensagem pró-afrouxamento monetário, segundo economistas. Na estreia do novo colegiado, houve o cuidado, contudo, de não se comprometer com decisões de curto prazo, deixando uma porta aberta para avaliar se haverá alguma reação dos indicadores da economia no avançar do segundo trimestre.

De acordo com a economista-chefe da Gap Asset Management, Anna Reis, duas mudanças na comunicação do Copom apontam para o viés baixista: a atividade mais fraca, podendo conduzir a inflação para abaixo da meta, e a modificação do trecho que trata do balanço de riscos, que passou a ser classificado como "simétrico".

"Veio mais 'dovish' [pró-afrouxamento monetário] do que o mercado esperava e isso se completa com a frase final, de que vai observar o comportamento da economia e que essa observação não se conclui no curto prazo."

Na parte final do comunicado, o comitê diz julgar "importante observar o comportamento da economia brasileira ao longo do tempo, com menor grau de incerteza e livre dos efeitos dos diversos choques a que foi submetida no ano passado. O Copom considera que esta avaliação demanda tempo e não deverá ser concluída a curto prazo".

Alberto Ramos, economista do Goldman Sachs, também viu duas indicações pelo afrouxamento monetário ao afirmar que o balanço de riscos está "simétrico" e ao afirmar que o ritmo da economia brasileira está mais lento do que as expectativas. Isso, no entanto, não permite dizer que haverá cortes de juros, e a autoridade ainda deixou em aberto o futuro da política monetária na sua avaliação. Em relatório, Ramos afirma que a linguagem "dovish" do Copom é mais evidente agora, mas a autoridade ainda balanceia o dircurso com "cautela e serenidade" termos já presentes nas publicações anteriores. Além disso, o Copom ainda afirma que vai continuar monitorando a performance da economia por um intervalo mais longo antes de tomar alguma decisão. "Isso, na nossa visão, é um indicativo de que o Copom não está pronto para recalibrar a sua atuação monetária no curto prazo", escreveu o economista. "A perspectiva continua aberta e sem sinal de direção na política."

Na avaliação de Tomás Goulart, economista-chefe da Novus Capital, ao mudar sensivelmente trechos de sua comunicação, o Copom deu claramente uma indicação de retomada do ciclo de corte de juro. Ao mesmo tempo, o colegiado do BC manteve graus de liberdade para não conduzir o mercado a embutir nos ativos uma redução da Selic já na reunião de maio. "O BC claramente se incomodou com as revisões para baixo da atividade econômica e o fato de os BCs dos países desenvolvidos estarem com postura mais 'dovish' também vai permitir que se tenha um cenário um pouco mais positivo para mercados emergentes ao longo do ano", afirma Goulart.

Apesar de reconhecer que a atividade veio mais fraca do que se supunha, o BC vai querer avaliar o que acontece no segundo trimestre, acrescenta. "Para a gente, essa é uma informação relevante para ver se a fraqueza observada no fim do ano passado e início de 2019 é um fenômeno passageiro e vai haver alguma recuperação no segundo trimestre, ou se é algo mais permanente."

A Novus já esperava que o BC retomasse o ciclo de corte da Selic neste ano, prevendo que a taxa feche dezembro em 5,5% ao ano. A expectativa agora, diz Goulart, é que a redução venha na reunião de junho, quando o Copom deve ter mais elementos para tomar uma decisão.

"Em maio, o BC não tem informação suficiente para tanto. Precisa de dados do segundo trimestre para concluir se tem que conceder mais estímulos do que concedeu. Mas mostra que já está reavaliando se a quantidade de estímulos foi suficiente, colocou em dúvida isso." O economista da Novus espera que o mercado já coloque nos preços dos ativos essa releitura.

A economista da Gap também espera que o mercado já reaja hoje a indicação do Copom. A Gap esperava que a Selic fosse mantida em 6,5% ao ano até dezembro, mas já considera fazer uma revisão.

"O novo presidente talvez mostre um BC mais sensível com a fraqueza da atividade e com menos sangue-frio para tolerar atrasos na recuperação", diz a economista. "É a reação da política monetária. Como o BC, na primeira reunião, já mostra alguma sensibilidade, ele pode cortar os juros com menos hesitação."

Para Jerson Zanlorenzi, estrategista de renda variável do BTG Pactual Digital, a atenção da autoridade monetária voltou-se para a economia mais lenta e para a redução do risco de aumento do diferencial de juros entre o Brasil e as economias desenvolvidas. Ele cita que o Copom deu ênfase ao fato de que parte dos indicadores da atividade brasileira "está aquém do esperado", o que afasta sobremaneira uma eventual alta de juros. Para o estrategista, porém, não houve indicativo substancial pelo Copom de que há chance de corte da Selic.

"O que me chama a atenção é que a comunicação se alinha bastante ao que o Fed indicou também na sua decisão, a respeito da possibilidade de o juro básico não se alterar. No comunicado anterior, o Copom destacou a chance de alta do juro nos Estados Unidos e na Europa como um elemento do balanço de riscos e isso mudou."

Já os economistas do Banco Fator consideram a possibilidade de um corte na Selic ainda este ano, embora não tão cedo. Segundo a análise assinada pelo economista-chefe, José Francisco de Lima Gonçalves, e pela economista Mariana Major de Oliveira, o comunicado do Copom trouxe atualizações no balanço de riscos e acrescentou uma nova marca. "O Comitê julga importante observar o comportamento da economia brasileira ao longo do tempo, com menor grau de incerteza e livre dos efeitos dos diversos choques a que foi submetida no ano passado. Aguarda-se a ata para compreensão adequada sobre que choques de 2018 ainda não foram absorvidos", escrevem os economistas.

Segundo sondagem da XP Investimentos com 30 gestoras de recursos, 11 delas (36,7%) já acreditavam que a taxa cairia até dezembro. No levantamento de fevereiro, só 21% esperavam queda adicional. Absolute (que projeta a Selic a 6% ao fim deste ano), Adam Capital (6,25%), Canvas (5,75%), Legacy (5,5%), Novus (5,5%), Opportunity (5,75%), Paineiras (5,5%), Persevera (5,5%), Sagmo Capital (6%), Vinci (5,75%) e Vinland (5,5%) formam o grupo que já previa queda na taxa em 2019.

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Insatisfação na caserna derruba nova patente 

Carla Araújo 

Edna Simão

21/03/2019

 

 

Após pressão vinda dos quartéis, o presidente Jair Bolsonaro resolver retirar do projeto de lei que trata da reestruturação da carreira dos militares a criação de uma nova patente: o Sargento-Mor. A ideia, concebida no Ministério da Defesa em conjunto com os comandantes das Forças, não foi bem recebida na caserna. A avaliação de oficiais de baixa patente e praças foi de que as mudanças favoreciam oficiais de alta patente. Durante o fim de semana, houve manifestações em grupos de redes sociais de militares e as insatisfações chegaram à cúpula do governo.

Na reunião do presidente Jair Bolsonaro com comandantes das Forças Armadas para fechar o texto que foi entregue ao Congresso, o ministro do Gabinete Institucional de Segurança, general Augusto Heleno, reclamou dos erros de comunicação em torno da proposta e acabou concordando com a decisão de retirar a criação da nova patente. O martelo final foi batido pelo presidente.

"Alguns entenderam que estava se tentando postergar ou colocar um freio na carreira e atrasar as promoções, mas o espírito absolutamente não é este", disse um general que preferiu não se identificar, mas confirmou o mal-estar nos quartéis.

À noite, o porta-voz da Presidência, general Otávio do Rêgo Barros, negou que existisse alguma divisão nas Forças Armadas. "Não existe nenhum tipo de racha nas nossas Forças Armadas, somos unidos, temos projeto e olhamos para o futuro do nosso país", disse a jornalistas no Palácio do Planalto. Segundo Rêgo Barros, a comunicação da reforma dos militares será liderada pelos comandantes das Forças e são eles que representam os outros oficiais. "Os chefes militares compreendem as necessidades dos seus subordinados e são os interlocutores junto ao governo dessas demandas", disse, destacando que as Forças Armadas são pautadas pela hierarquia e disciplina.

Também ontem na reunião do Alvorada, que durou quase quatro horas, foram os militares que pediram que Bolsonaro fosse pessoalmente ao Congresso entregar o texto, justamente com o argumento de mostrar que o presidente está dando uma importância similar às mudanças do regime geral e também dos militares. Bolsonaro já havia entregado o texto da reforma dos civis há um mês ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e decidiu repetir o gesto.

Maia, inclusive, esteve no Palácio do Planalto ontem e, além de reuniões com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, se encontrou com o ex-comandante do Exército e auxiliar do GSI, general Eduardo Villas Bôas. Segundo fontes do GSI, a conversa entre Villas Bôas e Maia foi bastante positiva. "Ficou esclarecido o tema que gerou os comentários com os militares, ele saiu satisfeito da conversa", afirmou uma fonte.

Anteontem, Maia havia criticado o aumento de gratificações presente no PL dos militares e afirmou que via uma defasagem salarial entre militares e servidores públicos civis.