O Estado de São Paulo, n. 45985, 12/09/2019. Economia, p. B3

 

Queda de Cintra destrava reforma e sepulta 'nova CPMF'

Adriana Fernandes

Idiana Tomazeli

12/09/2019

 

 

Equipe econômica não desistiu da desoneração da folha das empresas e busca fórmula para compensar queda na receita

Reunião. Guedes e Maia discutiram por causa da CPMF

A saída de Marcos Cintra do comando da Receita Federal deve destravar o andamento da reforma tributária no Congresso e tirar a “cara de CPMF” da proposta do governo, que enfrentava resistências dos parlamentares antes mesmo de ser enviada. A equipe econômica, porém, não desistiu da ideia de desonerar a folha de pagamento das empresas e estuda agora qual será o melhor caminho para compensar a perda de arrecadação com a medida.

Hoje, as empresas pagam como tributo 20% sobre o total dos salários dos seus funcionários. Guedes defende reduzir a contribuição para estimular a geração de empregos no País. A tese é que, com custo menor, os empresários contratariam mais.

Uma das alternativas é começar a fazer a desoneração da folha de forma bem mais gradual. A equipe econômica já vinha preparando um programa para desobrigar empresas de pagar impostos sobre a folha na contratação de jovens e pessoas que estão sem carteira assinada há mais de dois anos. A iniciativa tem sido chamada de “Emprego Verde e Amarelo” e significaria um início mais focalizado da medida de desoneração.

Essa desoneração inicial poderia ser bancada com recursos do Sistema S. Assim, o governo ganharia tempo para trabalhar melhor no Congresso a possibilidade de emplacar a ideia de uma Contribuição de Pagamentos (CP), tributo nos moldes da extinta CPMF, com alíquota reduzida no futuro.

Outra possibilidade seria usar a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que pretende unificar até cinco tributos federais.

A intenção da equipe econômica é promover uma desoneração inicial mais restrita, mas capaz de impulsionar a geração de empregos. Isso daria mais força política ao governo para defender a extensão da medida e aprovar uma forma de financiá-la.

Caso opte pelo adicional no CBS, seriam cinco a seis pontos porcentuais a mais para que essa contribuição possa suprir a perda de arrecadação com a desoneração da folha pretendida por Guedes.

O temor, porém, é que a alíquota fique tão elevada que supere países da União Europeia que já têm as maiores cobranças de um imposto unificado sobre bens e serviços.

Para unificar os tributos federais sobre consumo (PIS e Cofins num primeiro momento e IPI no futuro), a equipe econômica calculava a necessidade de fixar uma alíquota de 15%. Mas a equipe de Guedes tem trabalhado para atrair Estados e municípios para dentro da proposta, o que levaria essa alíquota a 25% (com uma fatia menor que os 15% para a União justamente para incentivar a adesão). Caso o CBS precise compensar a desoneração da folha, a cobrança poderia ser ainda maior.

Na nota em que confirmou a demissão de Cintra, a Economia reafirmou o compromisso com a desoneração da folha.

Articulação. Com a saída de Cintra, o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, deve assumir de vez a negociação política da reforma tributária. Ele já tem participado das discussões sobre o tema nas últimas semanas e também estava na reunião de terça-feira entre Guedes e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na sede do Ministério da Economia.

Marinho é considerado um grande negociador no Congresso. Ele foi relator da reforma trabalhista, sancionada em 2017, e se empenhou neste ano para a aprovação da reforma da Previdência pelos deputados.

No encontro, que acabou após as 22h, Maia cobrou a proposta de reforma do governo e comunicou ao ministro que o anúncio feito pelo secretário adjunto da Receita, Marcelo Silva, não foi bem aceito no Parlamento. Segundo fontes ouvidas pelo Estado, os dois discutiram porque Maia comunicou que ia se posicionar publicamente contra a medida.

Negociação

O secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, deve assumir de vez a negociação política da reforma tributária. Ele já tem participado das discussões sobre o tema nas últimas semanas.

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Cenário para reforma fica mais arejado

Marcelo de Moraes

12/09/2019

 

 

A demissão do secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, pode servir como uma freada de arrumação na atabalhoada discussão de recriar a CPMF. Cintra era o principal defensor da proposta dentro do governo e tratava do assunto como se sua aprovação fosse fava contada dentro do Congresso. Não era, nunca foi e, talvez, nunca seja.

A proposta enfrenta gigantesca resistência entre os parlamentares, que temem sofrer o desgaste político com os eleitores caso aprovem um imposto desse tipo. Essa resistência não nasceu hoje.

A CPMF estava enterrada num buraco bem fundo desde 2007 e sua discussão é quase um tabu entre os parlamentares. Embora o presidente Jair Bolsonaro tenha negado, seguidas vezes, durante a campanha que a proposta pudesse ser recriada no seu governo, a equipe econômica decidiu brigar para que o imposto fosse ressuscitado. Até aí, jogo jogado. Mas o governo nem sequer se articulou para construir uma solução política que viabilizasse o plano dentro do Congresso.

A queda de Cintra representa uma espécie de jogada de toalha do governo na discussão da nova CPMF e mostra o quanto a proposta ainda causa enorme desgaste político, 12 anos depois de sua extinção.

Se a retomada da CPMF sair da mesa de discussões, o cenário fica mais arejado para se discutir a reforma tributária. Mas se o assunto for retomado, o governo se arrisca a sofrer mais estrago político. Porque, além de servir para arrecadar muitos recursos, a CPMF funciona para outra coisa também: desgastar quem a defende.