O globo, n.31384, 11/07/2019. Mundo, p. 25

 

Brasil tira gênero e tortura de camdodatura na ONU

André Duchiade 

11/07/2019

 

 

 O governo Bolsonaro excluiu menções a gênero, pobreza e tortura ao apresentara candidatura do Brasilà reeleição no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, para o triênio de 2020 a 2022. O país também inseriu “o fortalecimento das estruturas familiares” como uma de suas prioridades na candidatura, que deverá ser apresentada pelo Itamaraty ao Conselho Nacional de Direitos Humanos na manhã de hoje.

As eleições acontecem em outubro, durante a Assembleia Geral da ONU. Há duas vagas para países sul-americanos e do Caribe e entende-se que Brasil e Venezuela serão os únicos candidatos. Ao contrário da apresentação da candidatura

em 2016, o documento não faz menções ao termo “gênero”, que então aparecia duas vezes. O texto afirmava que o governo brasileiro “persistiria em seu intransigente compromisso para a igualdade de gênero e o empoderamento feminino”, além de reconhecer avanços “na luta contra todas as formas de violência e discriminação de gênero”.

A promoção da família, que não era citada na candidatura anterior, aparece nove vezes na atual .“O governo defende o fortalecimento dos vínculos familiares, sob o enfoque dos direitos humanos”, diz o documento, que afirma que, para tal, são desenvolvidas “políticas públicas transversais”. No texto, o país se compromete ainda a apoiar iniciativas que “contribuam para fortalecer as estruturas e relações familiares, levando em especial consideração as diferentes circunstâncias socioculturais e econômicas das famílias, sobretudo no que respeita às famílias em situação de vulnerabilidade”.

Apesar de não citar gênero, o novo documento, que apresenta compromissos voluntários do país com o Conselho, defende a “promoção dos direitos das mulheres, incluindo o combate à violência contra a mulher”, assim como “reconhece o papel central das mulheres para garantir o desfrute completo dos direitos humanos”, entre outras menções.

O texto também afirma que o governo brasileiro“prioriza a proteção dos direitos das pessoas em situações de vulnerabilidade” e “reitera sua determinação para combater todas as formas de violência e de discriminação, especialmente contra grupos e povos em situação de vulnerabilidade”.

Também foram excluídas menções à pobreza, à desigualdade, à fome e ao desemprego — que apareciam mais de uma vez no documento de abril de 2016, durante o governo de Dilma Rousseff — assim como à tortura, que era citada uma vez.

OBSERVADORES CRITICAM

A inclusão social é o compromisso voluntário de número 17, em um total de 21, da nova candidatura. O governo brasileiro“continuará a apoiar a implementação de iniciativas que promovem a inclusão social, a equidade e a educação inclusiva, para promover melhores padrões de vida e melhorar o bem-estar de todos os seus cidadãos. O governo brasileiro apoia a premissa básica de inclusão para todos, para não deixar ninguém para trás”.

O presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Leonardo Pinho, afirmou que o órgão, que monitora as políticas públicas brasileiras na área, apresentará “muitas críticas” na reunião de hoje:

—A ausência de políticas para populações LGBT,de questionamento à pena de morte e da defesa da prevenção à tortura são muito graves. A candidatura brasileira deveria ter posições muito claras sobre estes assuntos—afirmou Pinho.

A exclusão da menção à tortura preocupa Camila Asano, coordenadora da ONG Conectas Direitos Humanas, que é credenciada na ONU. Segundo ela, a ausência de menção acompanha uma mudança de prioridade interna. Asano cita como exemplo o esvaziamento do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, em junho.

— A ausência de menção a isso se soma ao decreto que altera o Mecanismo de Prevenção à Tortura, que levou a própria ONU a pedir que o Brasil se justificasse —disse.

A candidatura brasileira contraria declaração do presidente Jair Bolsonaro, que, em junho de 2018, durante a pré campanha, afirmou que seguiria o exemplo do seu homólogo americano, Donald Trump, e tiraria o Brasil do Conselho, que disse que não servia para “absolutamente nada”.

Procurado, o Itamaraty não se manifestou até o fechamento desta edição. Hoje e amanhã acontecem votações no Conselho de Direitos Humanos da ONU relacionadas a gênero.