O globo, n.31383, 10/07/2019. País, p. 08

 

Prisão em 2ª instância fica fora de pacote de Moro 

Daniel Gullino 

Jussara Soares 

10/07/2019

 

 

O grupo de trabalho da Câmara dos Deputados que analisa o pacote anticrime apresentado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, retirou ontem do projeto o trecho que formaliza em lei que a execução da pena após a condenação de um réu em segunda instância.

Este é um dos pontos principais do pacote anticrime, e tem sido objeto de grande debate jurídico nos últimos anos no país. Por 7 votos a 6, a maioria dos integrantes do

grupo entendeu que esse tema deve ser tratado por meio de Proposta de Emenda à Constituição (PEC),e não por projeto de lei. A exclusão ainda pode ser revertida pois o pacote ainda será analisado pelo plenário da Casa e, depois, pelo Senado.

A prisão após a confirmação da condenação em segunda instância é considerada por Moro um ponto importante do combate à corrupção. Até a noite de ontem, o ministro, que está de licença para férias, não havia comentado a mudança em sua proposta.

O porta-voz da Presidência, Rêgo Barros, minimizou a decisão em nome do governo:

— Há de se entender que o momento que se vive sobre este tema na Câmara é de um grupo de trabalho, em que as discussões são mais amplas. Essas análises ainda serão submetidas à apreciação do plenário e das comissões.

DEBATE JURÍDICO

A última interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema, em 2016, autorizou que a execução de pena comece após a condenação em segunda instância. Há questionamentos a essa interpretação, pois o texto constitucional fala em “trânsito em julgado” para se considerar um réu culpado. O tema deve voltar à pauta do STF, mas o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, ainda não marcou uma data.

Antes, entre 2009 e 2016, prevaleceu a interpretação de cumprimento de pena só depois de esgotados todos os recursos. Entre 1988, ano da Constituição, e 2009, cabia aos tribunais determinar o início da execução penal caso a caso.

Alguns parlamentares argumentaram que o julgamento pelo Supremo mostra que a questão é constitucional. Outros ressaltaram que o mero fato de o STF ter discutido o tema indica que se trata de uma matéria constitucional, ou seja, que deve ser tratada por meio de PEC.

—Se chegou a ser uma discussão no Supremo, é porque é uma medida que não pode ser modificada por lei ordinária —afirmou Lafayette de Andrada (PRB-MG).

O relator do grupo de trabalho, Capitão Augusto (PLSP), fez um apelo aos colegas, dizendo que esse trecho é um dos principais do pacote anticrime e que a rejeição da medida poderá libertar todos os presos provisórios do país e passar um recado de impunidade à sociedade:

— É inadmissível. Não dá para acreditar que logo de cara nós vamos derrubar um dos principais pontos desse projeto. Não há nada inconstitucional — afirmou o deputado, admitindo a derrota.

— Nós já sabíamos que esse ponto era um ponto que dividia o grupo, mas nós tínhamos a esperança de conseguir esses votos suficientes. Mas acho que no plenário nós ganharemos.

Após críticas de outros parlamentares contra essa fala, a presidente do grupo, Margarete Coelho (PP-PI), tomou a palavra e disse que a decisão tomada ali não soltaria nenhum preso e que os deputados não poderiam “desinformar” a população.

— Nós não podemos passar esse recado para sociedade, porque não temos o direito de desinformar ninguém — disse.

— Eu, como coordenadora do grupo, não vou deixar que essa pecha de que estamos colocando pessoas na rua venha recair nos nossos ombros.

O grupo de trabalho está votando separadamente os 16 pontos que compõem o relatório. A execução da prisão em segunda instância foi o único votado ontem.

ALTERAÇÃO NO CPP

O projeto de Moro propõe uma alteração no Código de Processo Penal (CPP). Atualmente, o CPP determina que as prisões só podem ocorrer em “decorrência de sentença condenatória transitada em julgado” (ou seja, quando não há mais possibilidade de recurso) ou “no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou preventiva”. Moro propôs alterar esse trecho para determinar que a prisões possam ocorrer também por ordem de “órgão colegiado”.

O ministro também quer acrescentar um artigo determinando que “ao proferir acórdão condenatório, o tribunal determinará a execução provisória das penas privativas de liberdade, restritivas de direitos ou pecuniárias, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos”.