Título: Delação na mira da defesa de Arruda
Autor: Tahan, Lilian ; Marcos, Almiro
Fonte: Correio Braziliense, 18/10/2012, Cidades, p. 34

Menção à existência de vídeos inéditos pode desqualificar acusações de Durval

Uma declaração dada em meio à audiência sobre ação de improbidade administrativa da Caixa de Pandora deixou no ar a possibilidade do surgimento de novos fatos sobre o retumbante escândalo político do DF. Durante a sessão na última terça-feira, em que o ex-governador José Roberto Arruda fez, pela primeira vez, sua defesa pessoal no processo, a advogada do delator Durval Barbosa, Margareth Almeida, falou da existência de vídeos ainda desconhecidos da imprensa, mas que estariam em poder das autoridades competentes. Essa menção virou mais um argumento de Arruda no esforço de provar que a colaboração de Durval seria a conta-gotas e com o objetivo de atingir alvos específicos.

Um dos princípios da delação premiada é o de que o réu deve se comprometer em contar toda a verdade sobre o crime que confessa, sem omitir fatos ou esconder documentos. Por isso, um vídeo novo que porventura tivesse sido omitido dos depoimentos poderia colocar a perder os efeitos do benefício, se os promotores que respaldam a negociação e o próprio juiz à frente do processo considerassem que houve quebra do acordo. A delação é uma via de mão única, está subordinada ao interesse do Ministério Público em elucidar um fato. A qualquer momento em que avaliar não valer a pena o acordo, ele poderá ser desfeito.

É justamente com base nessa cláusula que a defesa do ex-governador se apega na tentativa de desqualificiar as revelações de Durval na ação de improbidade em que a deputada federal Jaqueline Roriz (PMN), o marido dela, Manoel Neto, o ex-governador Arruda e o próprio Durval respondem como réus. O vídeo contendo o flagrante em que Jaqueline e Manoel recebem dinheiro das mãos do delator — bem como negociam aparelhos Nextel pagos com dinheiro público para a campanha da então candidata — foi divulgado mais de um ano depois das primeiras fitas envolvendo distritais e o próprio Arruda.

A diferença de prazo em que a prova foi entregue ao Ministério Público e o contexto político no qual o material surgiu — depois da eleição de Jaqueline como deputada federal — são argumentos da defesa de Arruda para sustentar que houve um direcionamento na delação com o objetivo de prejudicar inimigos de Durval. No caso, a revelação tardia da fita seria uma forma de prejudicar Jaqueline para que ela perdesse o mandato (a parlamentar chegou a ser condenada no Conselho de Ética, mas foi absolvida no plenário da Câmara) e abrisse caminho para Laerte Bessa, que ficou na suplência e é um antigo aliado de Durval. Na audiência da última terça-feira, o ex-governador alegou em juízo ter sido vítima de uma armação de vingança. "Se não tivesse prejudicado Durval, se tivesse permitido que ele fizesse o que queria, não estaria sendo vítima dessa tragédia pessoal. Mas eu não cedi à chantagem dele, por isso estou pagando esse preço", disse.

A declaração de Margareth na sessão de ontem pode virar munição para Arruda reforçar sua tese de defesa. Se há vídeos inéditos, isso poderia provocar um novo debate sobre a validade das declarações de Durval. Mas há um fator fundamental nesse gancho a que podem se apegar os advogados a fim de aumentar a brecha da desqualificação dos relatos de delator. O fato de haver novas gravações não conhecidas da imprensa não significa que as imagens ou informações adicionais não estejam em poder das autoridades, no âmbito do processo. Além disso, cada elemento novo trazido ao longo da delação é objeto de investigação dos promotores que subscrevem o acordo.

Assim como ocorreu no caso do vídeo de Jaqueline, que foi submetido à apuração e considerado um instrumento válido no processo pelos promotores de Justiça, eventuais fatos novos trazidos no bojo da delação seriam objeto da mesma análise. Assim, dentro desse contexto, Durval ainda é considerado uma testemunha chave e, até agora, não teria rompido as normas do acordo, tanto que, em todas audiências, com exceção da última em que Arruda participou, ele é tratado como colaborador.

Embora tenha optado por fazer a declaração sobre supostos fatos ainda desconhecidos e com força para gerar novos capítulos para a Pandora, a advogada de Durval Barbosa confirma que o material a que se referiu durante a audiência está em poder do Ministério Público. "A delação premiada não se faz em uma sentada, é um processo envolvendo uma série de depoimentos, de provas. Há informações que ainda não são do conhecimento público, mas estão em poder das autoridades competentes", afirmou Margareth.

O que diz a lei

Previsto pela legislação brasileira para ser aplicado em várias situações %u2014 de crimes hediondos a casos que incluem lavagem de dinheiro %u2014, o instituto legal da delação premiada é concedido a pessoa que tenha algum tipo de relação próxima com uma organização criminosa e se disponha a contribuir com as investigações, detalhando o funcionamento de esquemas e entregando ex-companheiros. O instrumento pode favorecer o réu com benefícios, como redução da pena (de um terço a dois terços), cumprimento em regime semiaberto, extinção da punição ou até mesmo perdão judicial. Esse instituto passou a figurar no sistema legal nacional em meados dos anos 1980, considerada inicialmente apenas na confissão espontânea de um acusado, com a indicação de pormenores das práticas ilegais, como circunstância atenuante da pena. Com o tempo, foi sendo incrementada até chegar ao estágio atual de delação premiada. Acabou introduzida no país sob influência de casos em que criminosos ajudaram a desmantelar a máfia italiana, no início daquela década.