Correio braziliense, n. 20486, 23/06/2019. Mundo, p. 12

 

Nas mãos do aiatolá

Rodrigo Craveiro

23/06/2019

 

 

Oriente Médio » O regime iraniano, comandado por Ali Khamenei, amplia a interferência por toda a área, com operações militares pontuais e intervenções ideológicas em vários países. Política externa de Teerã coloca em xeque os interesses dos Estados Unidos e de Israel

A maioria dos árabes e muçulmanos o vê como sinônimo de libertação da tirania e de coragem. Os Estados Unidos e boa parte do Ocidente o enxergam como um fator de instabilidade e de influência nociva sobre uma região historicamente conturbada. Sob controle absoluto do aiatolá Ali Khamenei, líder espiritual e comandante supremo, o Irã tem ampliado o espectro de sua influência sobre todo o Oriente Médio, com ações diretas ou indiretas, nos âmbitos militar, político e ideológico. As recentes sabotagens de petroleiros na estratégica região do Estreito de Ormuz — única ligação entre o Golfo Pérsico e o resto do mundo — e a derrubada de um drone norte-americano fortaleceram a posição de Khamenei e a imagem de Teerã entre os aliados (Leia mais na página 13). A campanha pela libertação da Palestina confere legitimidade ao discurso do chefe máximo do Irã, muitas vezes calcado em tom agressivo. “Vocês, jovens, devem ter certeza de que vão testemunhar a morte dos inimigos da humanidade, ou seja, da degenerada civilização americana, e a morte de Israel”, profetizou, durante reunião com estudantes, em maio.

Ali Mourad, pesquisador libanês especialista em assuntos do Golfo Pérsico, avaliou como “óbvia” a interferência regional do Irã, um fenômeno retratado pelos Estados Unidos, por Israel, pela Arábia Saudita e pelos Emirados Árabes Unidos como negativo e ofensivo aos seus interesses nacionais. “A influência iraniana está alinhada a escolhas dos povos da região. Teerã está formando políticas regionais que levem em conta os temas da opinião pública, não dos governos. Este é o ponto fulcral que possibilita ao Irã ganhar tempo na expansão de sua geopolítica, ao contrário de governos que se moldam pelo alinhamento com os EUA”, explicou ao Correio. Para Mourad, o objetivo final de Teerã no Oriente Médio é a expulsão dos norte-americanos do oeste asiático. “O líder supremo declarou  isso por mais de uma vez e essa meta está na agenda que move o comportamento regional iraniano. Essa também é uma ambição dos povos árabes e muçulmanos.”

O especialista  lembra que o papel do Irã no Oriente Médio é visto como positivo por boa parte da população. “No Líbano, os iranianos apoiaram o Hezbollah, que conseguiu liberar suas terras do jugo de Israel. Na Síria e no Iraque, retomaram as terras das mãos dos terroristas do Estado Islâmico. No Iêmen, ajudam os rebeldes xiitas houthis a minarem a hegemonia da Arábia Saudita sobre o país”, disse Mourad.

Extremismo

Por sua vez, Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova  York e especialista em Oriente Médio, afirmou que o Irã tem se envolvido com, e continua a apoiar, extremistas em toda a região, incluindo a milícia xiita libanesa Hezbollah, o movimento palestino Hamas e grupos jihadistas. “Enquanto isso, Teerã avaliza elementos de grupos terroristas. As ações do Irã a esse respeito ajudam, certamente, para a desestabilização da região. Elas têm contribuído dramaticamente para a tensão geral e a hostilidade entre o Irã e vizinhos.”

Ali Vaez, diretor do Projeto Irã do instituto International Crisis Group (em Washington), compara o Irã ao Brasil em termos de importância geopolítica. “É um dos maiores e mais populosos países do Oriente Médio. Assim como o Brasil, é normal que uma nação como o Irã goze de influência sobre a vizinhança. Embora a dominação iraniana no Oriente Médio não seja aceitável por muitos, a exclusão do país é inimaginável.” Ele acusa os EUA de destruírem o balanço de poder na região, após a invasão ao Iraque, em 2003. “Isso levou ao empoderamento iraniano. A crise de hoje tem raízes nesse tropeço estratégico.” Vaez crê que, nas últimas três décadas, Irã e EUA nunca estiveram tão próximos de uma guerra capaz de se transformar em conflagração regional. “É o resultado previsível da estratégia de máxima pressão exercida pela Casa Branca, que tornou o Irã mais beligerante.”

De acordo com Ali Mourad, a morte do presidente egípcio, Gamal Abdel Nasser (1918-1970), fez com que o movimento nacionalista ruísse, abrindo espaço para a dominação dos EUA. Com a Revolução Iraniana — e a ascensão do aiatolá Ruhollah Khomeini —, a frustração dos árabes ante uma aliança do Cairo com Israel deu lugar à esperança. “Khomeini expulsou os israelenses de Teerã e avisou que a embaixada de Israel seria dos palestinos. O líder palestino, Yasser Arafat, foi a Teerã e recebeu as chaves da representação. Os líderes árabes abandonaram, gradualmente, o tema palestino, após Arafat assinar os Acordos de Oslo. Mas, a posição iraniana sobre o tema nunca mudou. Por isso, Teerã ganha influência”, disse o pesquisador. Ele explicou que a Guarda Revolucionária —  exército ideológico do regime — foi o meio usado para angariar a simpatia dos árabes, ao resistir à presença americana no Iraque e ao combater o Estado Islâmico na Síria e no Iraque. “Os cidadãos comuns do Oriente Médio creem que o Irã as ajudou a lutarem por causas justas”, concluiu Mourad.

Frase

"Vocês, jovens, devem ter certeza de que vão testemunhar a morte dos inimigos da humanidade, ou seja, da degenerada civilização americana, e a morte de Israel”

Aiatolá Ali Khamenei, durante reunião com estudantes, em maio passado

Pontos de vista

Por Alon Ben-Meir

Limites reconhecidos

“Não há dúvidas de que o Irã surge como o principal ator no Oriente Médio. Isso é percebido pelos próprios países do Golfo Pérsico, bem como por Israel, como uma ameaça regional. O Irã reconhece os seus limites e é improvável que provoque o Estado judeu ou outras nações da região, pois isso poderia convidar os Estados Unidos a iniciarem hostilidades contra Teerã. Washington também firmou o compromisso de proteger os seus aliados no Oriente Médio.”

Professor de relações internacionais da Universidade de Nova York e especialista em Oriente Médio

Por Ali Vaez

Preocupações legítimas

“O Irã precisou recorrer a aliados e a parceiros regionais para deter ataques direto ao seu território. Isso por não ser capaz de se defender de forma apropriada, depois de anos de isolamento e de privação da capacidade de renovar o seu arsenal, o qual remonta ao tempo do xá Mohammed Reza Pahlevi. A não compreensão de que o Irã tem preocupações legítimas de segurança é uma fórmula que somente aprofunda as tensões na região.”

Diretor do Projeto Irã do International Crisis Group (ICG), em Washington

Por Ali Mourad

Superpotência desafiada

“Os mais recentes capítulos da crise entre Irã e os Estados Unidos, com a derrubada do drone, fizeram emergir um cenário claro. O Irã está ganhando mais influência e importância no Oriente Médio. O aiatolá Ali Khamenei é visto como um ator decisivo em todo o Oriente Médio quando confronta a superpotência mundial.”

Pesquisador freelancer libanês especialista em assuntos do Golfo Pérsico