O Estado de São Paulo, n. 46002, 29/09/2019. Política, p.A4

 

Sigla da lava jato”, podemos vira alvo dos bolsonaristas

 

 

 

Felipe Frazão

29/09/2019

 

 

Congresso. Aliados do presidente acusam o partido, que tem atraído parlamentares descontentes com o governo, de se apropriar da operação e da popularidade de Moro

 

Felipe Frazão / BRASÍLIA

 

Identificado como “partido da Lava Jato”, o Podemos atraiu a ira do bolsonarismo, que vê em movimentos recentes da sigla uma tentativa de se apropriar do espólio da operação e da imagem popular do ex-juiz Sérgio Moro, atual ministro da Justiça, e de enfraquecer a base de apoio do governo no Congresso. Na semana passada, uma postagem do vereador licenciado Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, escancarou o incômodo com o crescimento da sigla.

“É impressão minha ou esse tal de Podemos já faz bastante tempo quer tomar o lugar de um partido vermelho? A metamorfose não para um segundo!”, escreveu Carlos no Twitter. No mesmo dia, parlamentares do Podemos participaram de um protesto em Brasília contra o Supremo Tribunal Federal, ao lado de grupos que, no passado, lideraram manifestações contra o PT – como o Nas Ruas, o MBL e o Vem Pra Rua.

O Podemos tem atraído nos últimos meses parlamentares da centro-direita descontentes com o governo. Só no Senado, foram seis novas filiações desde o início do ano, o que fez o partido pular para uma bancada com 11 nomes – só atrás do MDB, com 13 integrantes. Entre esses novos filiados, está a senadora Juíza Selma (MT), que deixou o PSL há duas semanas insatisfeita com posições recentes da sigla do presidente Jair Bolsonaro e depois de entrar em atrito com o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

Selma afirma que foi pressionada pelo filho “01” do presidente a tirar seu apoio à CPI da Lava Toga, que tem o objetivo de apurar “ativismo” no Judiciário. As críticas partem também do líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), que rompeu com Flávio e quase seguiu o caminho de Selma. “O Flávio que fique no canto dele. Ele falou que a CPI era uma sacanagem, que ia travar o País. Quem não está em sintonia com a sociedade e com os princípios do partido é ele, não eu”, disse.

Dos 21 integrantes do grupo “Muda, Senado”, principal base de defesa da CPI e que defende até o impeachment de ministros do STF, sete são do Podemos. Pelos menos seis senadores de outras siglas que integram o grupo – PSD, PSL, Rede, Cidadania, PP, PSB e PSDB – mantiveram negociações recentes para migrar para o Podemos.

 

Racha. A CPI provocou um racha na rede bolsonarista. Militantes, congressistas e influenciadores digitais mais identificados com Moro, os chamados “moristas” ou “lavajatistas”, levantam a suspeição da Corte e denunciam riscos de retrocesso à operação, como o julgamento que já tem maioria para levar à revisão de ações penais baseadas em colaborações premiadas. Os aliados mais ideológicos, por sua vez, dizem que a CPI criaria instabilidade institucional e atrapalharia a agenda do governo no Congresso.

Em entrevista ao Estado, o senador do Podemos Alvaro Dias (PR) afirmou que a filiação de Moro é um “sonho de consumo” da direção da legenda. Por enquanto, porém, é vista como improvável. “Minha percepção é que o objetivo dele é retornar à Justiça na Corte maior.” Ainda assim, o discurso de defesa de Moro e da Lava Jato foram repetidos pelo senador, que pretende usar o crescimento do Podemos para viabilizar uma nova candidatura à Presidência em 2022.

Apesar do nome importado da esquerda espanhola, o Podemos nada tem de “vermelho”. Oriundo do antigo Partido Trabalhista Nacional (PTN), agora unido ao Partido Humanista da Solidariedade (PHS), duas siglas de histórico fisiologista, o partido é comandado há anos pela família da deputada Renata Abreu (SP), que preside o Podemos e é vista como hábil negociadora no mercado de trocas partidárias.

Foi prometendo o controle da legenda nos Estados – e de verbas públicas atreladas a cargos – que o Podemos se expandiu. Sobre o tuíte de Carlos Bolsonaro, Renata disse que o crescimento da sigla “não deveria causar temor ao governo”. “Somos independentes, mas votamos com eles em tudo o que achamos importante para o País.”

 

Votações. O Basômetro, ferramenta do Estado que monitora o grau de “governismo” dos partidos e deputados, mostra que o Podemos empresta a Bolsonaro a mesma fidelidade que tinha em relação a Dilma Rousseff (PT) e a Michel Temer (MDB). A bancada na Câmara, com 10 integrantes, seguiu a orientação do governo Bolsonaro em 82% das votações no plenário, mesmo porcentual do governo Temer e apenas 1% abaixo da gestão Dilma.

Além disso, o Podemos tem uma ala de parlamentares próxima do Palácio do Planalto, que possui apadrinhados em cargos federais. Três deles são vice-líderes do governo: o deputado paulista Marco Feliciano no Congresso, o senador piauiense Elmano Férrer no Senado e o deputado mato-grossense José Medeiros na Câmara.

O comportamento de alguns deles, como Feliciano – que tem porta aberta no gabinete de Jair Bolsonaro no Planalto – incomoda os senadores. Alvaro Dias já cobrou a saída dele do partido. “Se alguém desejar se posicionar como candidato a vicepresidente com Bolsonaro (nas eleições de 2022), deve deixar o Podemos”, afirmou o senador ao Estado.

 

‘Vermelho’

“É impressão minha ou esse tal de Podemos já faz bastante tempo quer tomar o lugar de um partido vermelho? A metamorfose não para um segundo!”

Carlos Bolsonaro

FILHO DO PRESIDENTE BOLSONARO E VEREADOR NO RIO, NO TWITTER, AO COMENTAR ATO CONTRA O STF