Título: Câmara dos folgados
Autor: Caitano, Adriana ; Almeida, Amanda
Fonte: Correio Braziliense, 19/10/2012, Política, p. 2

Livres de aparecer no plenário às segundas e às sextas-feiras, 117 deputados em média faltam às sessões de quinta-feira, de acordo com levantamento feito pelo Correio. Os gazeteiros representam 22% do total de parlamentares

Plenário vazio em uma quinta-feira, durante o "recesso" acertado por causa do período eleitoral

Aguardando apenas a publicação no Diário da Câmara dos Deputados da resolução que libera um hábito adotado há anos — a ausência no Legislativo nas segundas e nas sextas-feiras —, os parlamentares, na prática, incluem mais um dia na chamada "gazeta". De acordo com levantamento feito pelo Correio, com base em dados fornecidos pela Casa, em média, 117 deputados federais não apareceram nas sessões das quintas-feiras da atual legislatura, ou seja, desde fevereiro do ano passado.

O número, porém, esconde uma realidade ainda mais "esvaziada" na Câmara. Com sessões deliberativas frequentemente marcadas para a manhã de quinta-feira, é comum que parlamentares registrem presença em plenário e corram no mesmo dia para o aeroporto, a caminho de suas bases. Ignoradas, as reuniões das tardes de quinta acabam se transformando em sessões de debate, que têm apenas discursos de deputados, geralmente com pouca plateia.

Desde fevereiro de 2011, foram 42 reuniões ordinárias marcadas para as quintas-feiras. A média de comparecimento é de 396 parlamentares por sessão — o dia com o pior quórum ocorreu em 5 de julho deste ano, quando apenas 281 deputados registraram presença. Durante o atual semestre, a situação tem sido ainda mais curiosa. Desde junho, houve votação em apenas uma quinta-feira. Por causa do período eleitoral e do recesso branco, o dia foi extraoficialmente eliminado do calendário dos deputados.

A ausência de 22% dos deputados federais nessas reuniões de quinta-feira tem como consequência a rara votação de projetos. Enquanto isso, 1.129 propostas, prontas para serem analisadas em plenário depois de passar por comissões, estão na fila para entrar na ordem do dia. "Há projetos que estão há mais de 10 anos esperando uma oportunidade de entrar na pauta e a maioria é de autoria dos deputados, que terminam o mandato sem ver suas propostas aprovadas", comenta o deputado Antônio Reguffe (PDT-DF). Ele diz que, para a Casa apreciar tudo o que precisa, seria necessário haver sessão deliberativa inclusive nas segundas e nas sextas.

O líder do PR na Câmara, deputado Lincoln Portela (MG), se diz a favor da nova norma, mas reconhece que é preciso haver uma mudança de comportamento. "Precisamos ter uma terça, quarta e quinta cheias e produtivas e começá-las mais cedo, para que todos criem o hábito de estarem presentes para votações e aproveitarmos bem o tempo que temos", defende. "A Casa não é uma máquina de fazer leis, mas, por outro lado, protelar matérias relevantes para o país é um absurdo."

Histórico Se o enforcamento da quinta-feira não é previsto no regimento, a gazeta nas segundas e nas sextas-feiras já está quase liberada. Na surdina, o plenário aprovou na quarta-feira um projeto de resolução que prevê sessões ordinárias apenas entre terça e quinta-feira. Incluído de última hora na pauta do dia, o projeto foi aprovado por unanimidade e passa a valer quando for publicado formalmente, o que está previsto para, no máximo, o início da próxima semana.

Segundo o vice-presidente da Mesa Diretora e corregedor da Casa, deputado Eduardo da Fonte (PP-PE), a proposta teve o aval de todos os integrantes consultados, após ser feito um estudo técnico apontando essa necessidades. "Foi apenas uma questão resolutiva para normatizar o que já acontece sempre", justifica.

O primeiro-secretário, deputado Eduardo Gomes (PSDB-TO), argumenta que, apesar de raramente haver votação na quinta-feira, o dia é utilizado para reuniões nas comissões. "Elas sempre estão movimentadas, com debates intensos e importantes", afirma. Para ele, as segundas e as sextas não são ocupadas oficialmente porque os parlamentares precisam exercer outras funções. "Os deputados não vivem apenas de legislar, precisam ter contato com as bases e colher informação dos eleitores, ou não se elegem nem prestam contas de seu mandato a quem os escolheu", pondera.

De acordo com a Secretaria-Geral da Câmara, os prazos para a tramitação de projetos não vão mudar. O regimento interno prevê que o intervalo entre os dois turnos de propostas de emenda à Constituição (PEC) ou o período que um relator tem para apresentar seu parecer, por exemplo, é de até 10 sessões. Mesmo as de segunda e as de sexta tornando-se apenas de debates, elas continuam a ser consideradas na contagem.

Ontem, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), se manifestou sobre o assunto por meio de nota. Em reação a críticas do líder do PPS, Rubens Bueno (PR), ao projeto aprovado, Maia elevou o tom. "Se o deputado Rubens Bueno tivesse inteligência emocional, procuraria se informar sobre o funcionamento do parlamento em outros países e descobriria que o Legislativo brasileiro é um dos poucos que funciona cinco dias por semana durante o ano todo", alfinetou. "O desconhecimento do deputado talvez esteja baseado na sua própria prática de considerar apenas a atividade parlamentar a presença em plenário, o que não é a realidade da maioria dos parlamentares que hoje atua na Câmara dos Deputados."

Comparação

R$ 1,9 mil Valor recebido por dia trabalhado por um deputado federal, com a oficialização da gazeta às segundas e às sextas-feiras

R$ 31,10 Valor que um trabalhador remunerado com um salário mínimo recebe diariamente, considerando uma jornada de segunda a sexta-feira

"Os deputados não vivem apenas de legislar, precisam ter contato com as bases e colher informação dos eleitores" Eduardo Gomes (PSDB-TO), deputado federal

Críticas na internet Por causa da aprovação do projeto que tira a possibilidade de haver sessão deliberativa às segundas e às sextas-feiras, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), um dos autores da proposta e responsável por colocá-la em votação, recebeu dezenas de críticas no Twitter por internautas irritados. "Todos juntos uma grande salva de palmadas na cara do Deputado Marco Maia. #Vergonha", disse um dos tuiteiros. Outro usuário do microblog ironizou: "Fim de semana estendido aos deputados. Parabéns aos envolvidos. Leia-se povo que vota no deputado Marco Maia". O presidente da Câmara não respondeu aos comentários.

TUITADAS A decisão dos deputados federais de institucionalizar a ausência às segundas e às sextas-feiras repercutiu nas redes sociais. Confira alguns comentários no Twitter:

"Vida boa é de deputado, quer pode faltar na segunda e na sexta e não tem seu ponto cortado... Dá para acreditar no Brasil?" @linno_carvalho

"Deputado "trabalhando" de terça a quinta ganhando muito mais que um professor que trabalha de segunda a segunda" @iamdaleth

"#deputado tem que trabalhar. De segunda a sexta, por favor, ou cortem os salários e mordomias em 40%!!!!" @florsete

"Agora é oficial, deputado só trabalha três dias por semana e nós.... pagamos a conta. Imaginem quando tiver um feriado no meio da semana..." @Alvaro__roberto

"Sabe a parte mais triste de tudo isso? O melhor deputado da casa é o Tiririca, que compareceu em 100% de todas as sessões, o resto só quer folga" @marianne_fu