O Estado de São Paulo, n. 46002, 29/09/2019. Política, p.A12

 

Como as eleições podem mudar com o voto distrital misto

José Fucz

29/09/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

 

Um estudo exclusivo mostra qual seria o resultado do pleito de 2018 se o sistema, em discussão na Câmara, estivesse em vigor

 

José Fucs

 

Um projeto em tramitação no Congresso poderá mudar a forma de votar e de ser eleito no País. Ele propõe a adoção do sistema do voto distrital misto – uma combinação do voto proporcional, hoje em vigor, com o distrital – para a eleição de deputados federais, estaduais e vereadores.

Apresentado pelo senador José Serra (PSDB-SP), o Projeto de Lei 9.212/2017 foi aprovado pelo Senado em novembro e está em análise na Câmara. O deputado Felipe Francischini (PSL-PR), presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, disse que deve avaliar a retomada das discussões sobre o tema na reunião com os coordenadores de bancada nesta terça-feira.

O substitutivo do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), relator do projeto, manteve basicamente o texto aprovado no Senado, incorporando sugestões do grupo de trabalho formado para analisar o assunto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), coordenado pelo ministro Luís Roberto Barroso, vice-presidente da Corte. Entusiasta do sistema, também defendido pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), Barroso chegou a dizer que a adoção do voto distrital misto representará “a redenção política do Brasil”.

Há outras propostas, porém, em discussão. Duas são de autoria da deputada Renata Abreu (Podemos-SP). Uma prevê a adoção do chamado “distritão”, pelo qual os mais votados são eleitos sem levar em conta o quociente eleitoral, em todos os municípios do País. A outra propõe a combinação do voto distrital com o “distritão” em municípios com mais de 200 mil eleitores, e só o “distritão” em municípios menores.

Já deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) propõe a adoção do voto distrital puro para a escolha de vereadores em cidades com mais de 200 mil habitantes e do “distritão” em municípios de menor porte.

 

Critérios geográficos. Para dar a sua contribuição ao debate sobre a questão, o Estado publica, com esta reportagem especial, um estudo exclusivo realizado pelo Centro de Liderança Pública (CLP), com apoio do professor Örjan Olsén, da Analítica Consultoria, especializado em análise de dados e em eleições. O levantamento apresenta, a partir da definição de 257 distritos em todo o País, uma simulação de como seriam os resultados da eleição de 2018 para deputado federal e como ficariam os gastos de campanha se o sistema de voto distrital misto já estivesse em vigor.

Segundo o estudo, haveria a renovação de cerca de 25% na Câmara com o sistema. Dos 513 deputados, 382 tenderiam a manter a vaga, sendo 252 pelo voto em lista e 130 pelos distritos. Provavelmente, 131 deputados não seriam eleitos .

“Esse estudo é importante para as pessoas tirarem suas dúvidas e começarem a visualizar o sistema e a se acostumar com ele. Pode parecer uma coisa complexa, mas não é”, afirma o cientista político Luiz Felipe D’Avila, fundador e presidente do conselho consultivo do CLP, que há dez anos apoia essa bandeira. “O objetivo do estudo foi mostrar que é possível dividir o Brasil em distritos, para a escolha de deputados federais e estaduais, e que dá para fazer isso a partir de critérios geográficos imunes à manipulação política”, diz Olsén.

Ao contrário do que desejava um grupo de parlamentares e de analistas que apoiam o projeto, incluindo o próprio Serra, ele dificilmente valerá para as eleições municipais de 2020. Para tanto, teria de ser votado e aprovado pela comissão e pelo plenário, ser devolvido ao Senado para nova votação, já que deverá sofrer modificações na Câmara, e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro até a próxima sexta-feira, um ano antes das eleições.

 

Dinâmica da política. Faltando só três ou quatro sessões legislativas para a data-limite, o mais provável, de acordo com Samuel Moreira, é que o projeto seja analisado sem pressa, com foco nas eleições de 2022, para deputados estaduais e federais.

“Acredito que, neste momento, em função da dinâmica da política nacional, com vários temas em andamento no Congresso, seja muito difícil ele ser aprovado num prazo tão curto, já para 2020”, diz Moreira. “Nesta eleição, já vamos ter um grande avanço com o fim das coligações proporcionais. Isso já deve levar a uma redução do número de partidos na disputa, porque nem todos conseguirão ter chapa exclusiva em todas as cidades.”

 

As experiências da Alemanha e da Escócia

Confira as variações do sistema distrital misto em outros países

• Escócia

O modelo escocês conjuga o voto distrital com o voto em lista partidária preordenada. Como em outros países que adotam o voto distrital misto, o eleitor vota duas vezes. Cada distrito elege um deputado. Do total de 129 deputados, 73 são eleitos pelos distritos. Os outros 56 são eleitos em lista partidária pelas oito macrorregiões em que se divide o País, sete deputados em cada uma. Um partido pode, ocasionalmente, conquistar mais cadeiras no distrito do que o estabelecido na distribuição proporcional. Quando isso ocorre, a legislação garante ao partido as cadeiras conquistadas nos distritos. Como o número de cadeiras é fixo, ao contrário do que acontece na Alemanha, as cadeiras adicionais são retiradas dos partidos que ficaram com as últimas vagas na lista.

 

• Alemanha

O sistema eleitoral alemão é considerado um dos mais complexos. O cientista político Jairo Nicolau, pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), diz que até trocou o exemplo alemão pelo escocês nas edições mais recentes de seu livro sobre sistemas políticos por causa disso. Na essência, o modelo alemão funciona como qualquer sistema distrital misto. Os eleitores votam duas vezes, no candidato distrital de sua preferência e na legenda. Em tese, metade dos deputados é eleita pelos 299 distritos (um representante por distrito). A outra metade, em número equivalente, pelo sistema proporcional, com voto em lista partidária, na qual os primeiros nomes são favorecidos. O problema começa na hora de definir o número de deputados de cada partido. O sistema alemão garante as vagas dos deputados eleitos pelos distritos, mas calcula o número de parlamentares que cada agremiação conquistou com base na votação da legenda. O número de eleitos nos distritos, assim, pode ser superior ao total de cadeiras que couber a um partido. Para não afetar a proporcionalidade, o número de deputados do Parlamento alemão varia a cada eleição. Pela legislação em vigor, o número mínimo de deputados é 598. Hoje, porém, há um total de 709 parlamentares no Bundestag.

 

 

O Estado de São Paulo, n. 46002, 29/09/2019. Política, p.A12

 

Como as eleições podem mudar com o voto distrital misto

José Fucz

29/09/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

 

Um estudo exclusivo mostra qual seria o resultado do pleito de 2018 se o sistema, em discussão na Câmara, estivesse em vigor

 

José Fucs

 

Um projeto em tramitação no Congresso poderá mudar a forma de votar e de ser eleito no País. Ele propõe a adoção do sistema do voto distrital misto – uma combinação do voto proporcional, hoje em vigor, com o distrital – para a eleição de deputados federais, estaduais e vereadores.

Apresentado pelo senador José Serra (PSDB-SP), o Projeto de Lei 9.212/2017 foi aprovado pelo Senado em novembro e está em análise na Câmara. O deputado Felipe Francischini (PSL-PR), presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, disse que deve avaliar a retomada das discussões sobre o tema na reunião com os coordenadores de bancada nesta terça-feira.

O substitutivo do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), relator do projeto, manteve basicamente o texto aprovado no Senado, incorporando sugestões do grupo de trabalho formado para analisar o assunto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), coordenado pelo ministro Luís Roberto Barroso, vice-presidente da Corte. Entusiasta do sistema, também defendido pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), Barroso chegou a dizer que a adoção do voto distrital misto representará “a redenção política do Brasil”.

Há outras propostas, porém, em discussão. Duas são de autoria da deputada Renata Abreu (Podemos-SP). Uma prevê a adoção do chamado “distritão”, pelo qual os mais votados são eleitos sem levar em conta o quociente eleitoral, em todos os municípios do País. A outra propõe a combinação do voto distrital com o “distritão” em municípios com mais de 200 mil eleitores, e só o “distritão” em municípios menores.

Já deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) propõe a adoção do voto distrital puro para a escolha de vereadores em cidades com mais de 200 mil habitantes e do “distritão” em municípios de menor porte.

 

Critérios geográficos. Para dar a sua contribuição ao debate sobre a questão, o Estado publica, com esta reportagem especial, um estudo exclusivo realizado pelo Centro de Liderança Pública (CLP), com apoio do professor Örjan Olsén, da Analítica Consultoria, especializado em análise de dados e em eleições. O levantamento apresenta, a partir da definição de 257 distritos em todo o País, uma simulação de como seriam os resultados da eleição de 2018 para deputado federal e como ficariam os gastos de campanha se o sistema de voto distrital misto já estivesse em vigor.

Segundo o estudo, haveria a renovação de cerca de 25% na Câmara com o sistema. Dos 513 deputados, 382 tenderiam a manter a vaga, sendo 252 pelo voto em lista e 130 pelos distritos. Provavelmente, 131 deputados não seriam eleitos .

“Esse estudo é importante para as pessoas tirarem suas dúvidas e começarem a visualizar o sistema e a se acostumar com ele. Pode parecer uma coisa complexa, mas não é”, afirma o cientista político Luiz Felipe D’Avila, fundador e presidente do conselho consultivo do CLP, que há dez anos apoia essa bandeira. “O objetivo do estudo foi mostrar que é possível dividir o Brasil em distritos, para a escolha de deputados federais e estaduais, e que dá para fazer isso a partir de critérios geográficos imunes à manipulação política”, diz Olsén.

Ao contrário do que desejava um grupo de parlamentares e de analistas que apoiam o projeto, incluindo o próprio Serra, ele dificilmente valerá para as eleições municipais de 2020. Para tanto, teria de ser votado e aprovado pela comissão e pelo plenário, ser devolvido ao Senado para nova votação, já que deverá sofrer modificações na Câmara, e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro até a próxima sexta-feira, um ano antes das eleições.

 

Dinâmica da política. Faltando só três ou quatro sessões legislativas para a data-limite, o mais provável, de acordo com Samuel Moreira, é que o projeto seja analisado sem pressa, com foco nas eleições de 2022, para deputados estaduais e federais.

“Acredito que, neste momento, em função da dinâmica da política nacional, com vários temas em andamento no Congresso, seja muito difícil ele ser aprovado num prazo tão curto, já para 2020”, diz Moreira. “Nesta eleição, já vamos ter um grande avanço com o fim das coligações proporcionais. Isso já deve levar a uma redução do número de partidos na disputa, porque nem todos conseguirão ter chapa exclusiva em todas as cidades.”

 

As experiências da Alemanha e da Escócia

Confira as variações do sistema distrital misto em outros países

• Escócia

O modelo escocês conjuga o voto distrital com o voto em lista partidária preordenada. Como em outros países que adotam o voto distrital misto, o eleitor vota duas vezes. Cada distrito elege um deputado. Do total de 129 deputados, 73 são eleitos pelos distritos. Os outros 56 são eleitos em lista partidária pelas oito macrorregiões em que se divide o País, sete deputados em cada uma. Um partido pode, ocasionalmente, conquistar mais cadeiras no distrito do que o estabelecido na distribuição proporcional. Quando isso ocorre, a legislação garante ao partido as cadeiras conquistadas nos distritos. Como o número de cadeiras é fixo, ao contrário do que acontece na Alemanha, as cadeiras adicionais são retiradas dos partidos que ficaram com as últimas vagas na lista.

 

• Alemanha

O sistema eleitoral alemão é considerado um dos mais complexos. O cientista político Jairo Nicolau, pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), diz que até trocou o exemplo alemão pelo escocês nas edições mais recentes de seu livro sobre sistemas políticos por causa disso. Na essência, o modelo alemão funciona como qualquer sistema distrital misto. Os eleitores votam duas vezes, no candidato distrital de sua preferência e na legenda. Em tese, metade dos deputados é eleita pelos 299 distritos (um representante por distrito). A outra metade, em número equivalente, pelo sistema proporcional, com voto em lista partidária, na qual os primeiros nomes são favorecidos. O problema começa na hora de definir o número de deputados de cada partido. O sistema alemão garante as vagas dos deputados eleitos pelos distritos, mas calcula o número de parlamentares que cada agremiação conquistou com base na votação da legenda. O número de eleitos nos distritos, assim, pode ser superior ao total de cadeiras que couber a um partido. Para não afetar a proporcionalidade, o número de deputados do Parlamento alemão varia a cada eleição. Pela legislação em vigor, o número mínimo de deputados é 598. Hoje, porém, há um total de 709 parlamentares no Bundestag.