Correio braziliense, n. 20487, 24/06/2019. Política, p. 3

 

Ministro cancela ida à Câmara

Augusto Fernandes

24/06/2019

 

 

Lava-Jato » Depois da divulgação de novas conversas vazadas com Dallagnol, Moro desiste de ser sabatinado pelos deputados na quarta. Reportagem aponta que a força-tarefa se mobilizou para proteger o então juiz

Após a revelação de novos trechos de mensagens atribuídas ao titular da pasta da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, relativos à época em que ele era juiz federal em Curitiba, o ministro decidiu cancelar a ida à Câmara nesta semana para ser sabatinado por deputados. A audiência estava marcada para quarta-feira. Por meio da assessoria, Moro, que está em viagem aos Estados Unidos para visitar órgãos de segurança e inteligência,  apenas explicou que não poderia comparecer e não definiu outro dia. A iniciativa de prestar esclarecimentos no Congresso havia partido do próprio ministro, que, na última semana, passou nove horas respondendo a perguntas de senadores sobre conversas que ele supostamente teve com procuradores da Operação Lava-Jato. Há a expectativa de que uma nova data possa ser marcada para a primeira semana de julho.

As últimas conversas foram divulgadas ontem pelo jornal Folha de S.Paulo, em parceria com o site The Intercept. Nelas, Moro dialoga com o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da Operação Lava-Jato em Curitiba. Segundo a publicação, em 2016, integrantes da força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) se mobilizaram para proteger Moro e poupar tensões com o Supremo Tribunal Federal (STF), após ele ser repudiado pela Corte por divulgar escutas telefônicas do ex-presidente Lula.

De acordo com a reportagem, o objetivo era evitar que a divulgação de documentos da empreiteira Odebrecht que haviam sido anexados, sem sigilo, pela Polícia Federal a um processo da Lava-Jato em 22 de março de 2016 estremecesse a relação com o Supremo. Fazia parte do material uma “superplanilha” com nomes de políticos associados a pagamentos da empreiteira que tinham direito a foro especial. Dessa forma, eles só poderiam ser investigados com autorização do STF.

Os diálogos divulgados mostram que, com as investigações sobre a Odebrecht avançando rapidamente, Moro e os procuradores do MPF estavam preocupados quanto à possibilidade de o ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato na Corte, dissolver inquéritos que estavam sob responsabilidade do então juiz. À época, segundo a matéria, Moro reclamou da Polícia Federal com Dallagnol. “Tremenda bola nas costas da PF. E vai parecer afronta”, diz a mensagem atribuída a ele, enviada ao procurador da República pelo aplicativo Telegram.

Deltan teria respondido que não houve má-fé da PF em divulgar os documentos. Apesar disso, Moro não se contentou, conforme as mensagens apresentadas ontem pela Folha. “Continua sendo lambança. Não pode cometer esse tipo de erro agora”, teria criticado o hoje ministro do governo Bolsonaro.

Apoio incondicional

Dessa forma, como relata a reportagem, Moro revelou a Deltan que enviaria ao Supremo ao menos um dos inquéritos em andamento em Curitiba, que tinha como alvo o ex-marqueteiro de campanhas do PT, João Santana. Entretanto, Deltan responde a Moro que contatou a Procuradoria-Geral da República e o sugere enviar outro inquérito ligado à empreiteira.

Durante a troca de mensagens com Moro, segundo o material publicado, Deltan promete apoio incondicional ao então magistrado. “Saiba não só que a imensa maioria da sociedade está com Vc, mas que nós faremos tudo o que for necessário para defender Vc de injustas acusações”, garantiu Deltan.

O coordenador da Lava-Jato ainda frisa a Moro que “uma das coisas que mais tenho admirado em Vc — uma nova face de suas qualidades — é a serenidade com que enfrenta notícias ruins e problemas”. Por fim, o procurador da República pede a Moro que “continue firme”.

Repúdio

Diante das novas denúncias, a assessoria de Moro se manifestou em nota oficial ao dizer que não confia na autenticidade de mensagens obtidas de forma criminosa e que podem ter sido editadas ou adulteradas total ou parcialmente. “O ministro da Justiça e da Segurança Pública repudia a divulgação de suposta mensagem com o intuito único de gerar animosidade com movimento político que sempre respeitou e que teve papel cívico importante no apoio ao combate à corrupção”, informou o texto.

Ainda segundo a assessoria, “causa revolta que se tente construir um enredo com mensagens, cuja autenticidade não se pode reconhecer, a partir de fatos que envolvem um processo judicial público e que só atestam a correção e isenção com que o ministro atuou enquanto juiz federal na Operação Lava-Jato”.

O ex-juiz federal também usou as redes sociais para se pronunciar. “Um pouco de cultura. Do latim, direto de Horácio, parturiunt montes, nascetur ridiculus mus (A montanha pariu um rato).”

Frase

"O ministro da Justiça e da Segurança Pública repudia a divulgação de suposta mensagem com o intuito único de gerar animosidade com movimento político”

Trecho de nota divulgada pela assessoria do Ministério da Justiça e da Segurança Pública

Pedido de desculpas

 

 

O Movimento Brasil Livre (MBL) tornou público um áudio de quase três minutos de duração atribuído a Moro em que ele pede desculpas ao grupo por ofender os seus integrantes em uma suposta conversa com o procurador da República Deltan Dallagnol, em 2016. No diálogo, o então juiz teria se referido aos militantes como “tontos”, por protestarem em frente ao apartamento do à época ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki. “Consta ali um termo que não sei se usei mesmo. Acredito que não. Pode ter sido adulterado. Mas queria pedir minhas escusas se eventualmente utilizei porque sempre respeitei o Movimento Brasil Livre”, disse o ministro. “Aquilo lá eu fiz com convicção na absoluta correção, mas gerou toda uma pressão, foi um período complicado. E achei que esse protesto na época era um tanto quanto inconveniente”, completou. Após a repercussão do arquivo nas redes sociais, a assessoria de Moro disse não ter conhecimento do áudio.