O Estado de São Paulo, n. 46001, 28/09/2019. Política, p. A8

 

PF apreende pistola em residência de Janot

Rafael Moraes Moura

Renato Onofre

Breno Pires

 

 

Busca acontece após ex-procurador-geral dizer que pensou em matar ministro do STF

Um dia após afirmar ao Estado que, por pouco, não executou um plano para matar o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, o exprocurador-geral da República Rodrigo Janot foi alvo de ações de busca e apreensão executadas pela Polícia Federal em sua casa e escritório, em Brasília.

A ordem foi dada ontem pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes, que atendeu a pedido feito por Gilmar para suspender o porte de armas de Janot e impedi-lo de entrar nas dependências do Supremo.

A PF apreendeu uma pistola .40, um tablet e um celular no apartamento de Janot. As ações de busca e apreensão foram decretadas no inquérito das fake news – aberto para apurar ameaças a ministros do STF e suas famílias – e, de acordo com Moraes, tiveram o objetivo de verificar a “eventual existência de planejamento de novos atos atentatórios” contra Gilmar. “O quadro revelado é gravíssimo, pois as entrevistas concedidas sugerem que aqueles que não concordem com decisões proferidas pelos ministros desta Corte devem resolver essas pendências usando de violência, armas de fogo e, até, com a prática de delitos contra a vida”, disse Moraes.

Em entrevista ao Estado, Janot revelou que, em 2017, chegou a entrar armado com uma pistola no Supremo, decidido a matar Gilmar. “Não ia ser ameaça, não. Ia ser assassinato mesmo. Ia matar ele e depois me suicidar”, afirmou o ex-procurador.

Duas equipes da Polícia Federal chegaram por volta de 17h40 à casa de Janot, no bairro Asa Sul. O ex-procurador acompanhou as buscas ao lado do segurança particular e de um morador chamado pelos policiais para servir de testemunha.

Além de suspender o porte de armas de Janot, de impedi-lo de entrar nos edifícios do STF e de barrar sua aproximação com ministros da Corte, Moraes também determinou o recolhimento imediato de depoimento do ex-procurador-geral, “salvo se houver recusa”, “por tratar-se de direito do investigado ao silêncio”. Janot preferiu não depor.

Reações. O episódio e seus desdobramentos chocaram o mundo político e provocaram reações de perplexidade. Janot disse ao Estado que a intenção de atirar em Gilmar foi motivada por ataques que o ministro fez à filha dele. Quando era chefe do Ministério Público, Janot chegou a pedir a suspeição de Gilmar na análise de um habeas corpus do empresário Eike Batista, sob o argumento de que a mulher do ministro, Guiomar Mendes, atuava no escritório de Sérgio Bermudes.

Ao se defender, o magistrado afirmou que a filha de Janot advogava para a empreiteira OAS em processo no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e poderia ser “credora por honorários advocatícios de pessoas jurídicas envolvidas na Lava Jato”. A história aparece no livro de memórias Nada Menos que Tudo, a ser lançado pelo ex-chefe do MP em outubro. Na publicação, porém, Janot preferiu “não dar nome aos bois”.

Em tom irônico, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que “esse é o Brasil”. Depois, disse que a revelação de Janot pode afetar os investimentos privados no País. “O Brasil é um país estranho. Cada dia é uma novidade. Hoje descobrimos que o procurador-geral queria matar um ministro do Supremo. Quem é que vai querer investir num país desse?”, perguntou Maia, em um seminário na Fundação Getúlio Vargas, no Rio, sobre parcerias público-privadas.

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Gilmar diz que ex-PGR é um 'potencial facínora'

Amanda Pupo

28/09/2019

 

 

Em resposta à revelação de Rodrigo Janot, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes afirmou, em nota, que o ex-procurador-geral deve buscar ajuda psiquiátrica e, durante entrevista, disse que não imaginava que houvesse um “potencial facínora” no comando da Procuradoria-Geral da República – Janot comandou o Ministério Público Federal entre 2013 e 2017. Ao Estado, Janot disse que chegou a ir ao Supremo armado com a intenção de matar Gilmar a tiros.

Durante entrevista em Brasília, o ministro do Supremo afirmou que, frente às declarações do ex-procurador-geral da República, até a atuação de Janot enquanto esteve na PGR precisa ser analisada. Gilmar fez ainda críticas ao modelo de indicação ao cargo, que chamou de “corporativo”, e disse que o sistema político terá de descobrir novos critérios para a escolha do posto. Para o ministro, “o modelo deu errado”.

Análise. Gilmar também afirmou que, por se tratar, em sua “impressão”, de um “problema grave de caráter psiquiátrico”, isso afetaria todas as medidas que Janot solicitou e foram deferidas na Suprema Corte. “Denúncias, investigações e tudo o mais. É isso que tem que ser analisado pelo País”, disse.

O ministro fez ainda comentários sobre o assunto nas redes sociais. “É difícil não imaginar os abusos cometidos ao acusar e processar investigados”, escreveu no Twitter. “Lamento que o ex-chefe da PGR tenha sido capaz de cogitações homicidas por divergências na interpretação da Constituição.”

Por meio de nota, Gilmar, que é um dos principais críticos no STF aos métodos da Operação Lava Jato, afirmou que o combate à corrupção no Brasil, “justo, necessário e urgente”, “tornou-se refém de fanáticos que nunca esconderam que também tinham um projeto de poder”. “Dentro do que é cabível a um ministro do STF, procurei evidenciar tais desvios. E continuarei a fazê-lo em defesa da Constituição e do devido processo legal”, disse o ministro no comunicado.