Correio braziliense, n. 20487, 24/06/2019. Política, p. 4

 

Entrevista - Fábio George Cruz da Nóbrega: "Lista é garantia de combate à corrupção"

Fábio George Cruz da Nóbrega

Ana Dubeux

Leonardo Cavalcanti

Renato Souza

24/06/2019

 

 

Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República defende escolha da categoria para o comando do Ministério Público

Há menos de dois meses no cargo de presidente da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR), o procurador Fábio George Cruz da Nóbrega percebe as dificuldades que têm pela frente. O primeiro desafio já começou. Até setembro deste ano, quando Raquel Dodge encerra seu primeiro mandato a frente do Ministério Público Federal (MPF), Nóbrega e a maioria dos demais integrantes da carreira precisam convencer o presidente Jair Bolsonaro a seguir uma lista tríplice, escolhida por meio do votos dos próprios integrantes do órgão.

O chefe do Executivo afirmou que sua decisão será tomada aos “48 minutos do segundo tempo”. O mandato de Dodge, que não lançou candidatura à lista neste ano, termina em 17 de setembro. No entanto, a decisão do presidente da República deve ocorrer até agosto, com tempo para que o Senado realize uma sabatina com quem for indicado. Nóbrega corre contra o tempo para garantir que as escolhas da categoria tenham peso a ponto de definir quem será o próximo procurador-geral da República.

Na votação dos integrantes do MPF, o subprocurador-geral da República Mário Bonsaglia recebeu o maior apoio, ficando em primeiro lugar no pleito. Em segundo, veio a subprocuradora Luiza Frischeisen, e em terceiro, o procurador Blal Dalloul. Caso Bolsonaro escolha alguém de fora da lista, ou decida manter Dodge no cargo para mais dois anos de gestão, Nóbrega projeta um cenário de grande dificuldade nas relações com o Ministério Público, e vê ameaças no combate à corrupção.

Em entrevista ao Correio, o presidente da ANPR narra como é a responsabilidade de assumir o comando da entidade em meio a maior crise já enfrentada pela Lava-Jato, com a divulgação de mensagens trocadas entre o ministro Sérgio Moro e procuradores da força-tarefa da operação no Paraná. Ele comenta também sobre as turbulências da gestão de Raquel Dodge e projeta o papel do MPF nos próximos anos. Além disso, defende mudanças no sistema de Justiça e avalia que são necessárias alterações no processo penal.

O senhor avalia que o presidente Jair Bolsonaro vai seguir a escolha da categoria e nomear para a PGR um dos três mais votados na lista tríplice?

Essa é a nossa expectativa desde o início. Há uma longa história de construção da lista, ela já tem 18 anos e nos últimos 16 houve o respeito e acolhimento. Esse é um processo transparente, democrático que fortalece a nossa instituição. Um exemplo deste ano: tivemos 10 candidatos, visitamos as cinco regiões do país em debates abertos com a cobertura da imprensa. De maneira que houve um processo de transparência que leva a um escrutínio público por parte daqueles que querem ser ou exercer esse que é um dos cargos mais relevantes da República. Tudo isso nos leva a crer que todos aqueles que querem o fortalecimento da nossa instituição (não temos dúvidas de que o presidente se posiciona nesse sentido) almejam que esse processo venha a ser reconhecido, acolhido e respeitado.

Parte das propostas dos vencedores são corporativistas. A lista não fica em xeque diante deste cenário e assuntos da própria categoria?

Eu discordo de que a lista tenha um perfil corporativista. Se a gente pegar o histórico de todas as eleições ocorridas, do procurador-geral Claudio Fonteles passando para o procurador-geral Cláudio Fernando, Roberto Gurgel, Rodrigo Janot e Raquel Dodge, nenhum deles tem perfil corporativista, todos tiveram serviços relevantes para estabilizar o país, e portanto, essa percepção não nos parece que é compatível com a realidade. Particularmente, nessa campanha, em todos debates realizados, pouco se discutiu temas internos, particularmente sobre temas ligados à corporação em termos remuneratórios. O que eu vi foi um amplo debate sobre o cumprimento de nossas missões institucionais e projetos, especialmente na região Norte do país. Mas temos exemplos como a questão ambiental na região Sudeste, e em São Paulo, com um foco muito voltado para a questão da política nacional de drogas. No Rio de Janeiro, o destaque da Lava-Jato. No Rio Grande do Sul, toda uma área de atuação da tutela coletiva em defesa da sociedade, se falou da questão dos agrotóxicos, da defesa indígena, do contrabando, esses assuntos institucionais dominaram a pauta nesse momento.

Como será a reação da categoria caso o nome escolhido não seja um desses três indicados?

Há uma enorme dificuldade para que a classe aceite um nome de fora da lista. Se a gente considerar que 82,5% dos colegas votaram (repito, o voto é facultativo. Acredito que 10% ou 12% dos colegas não puderam votar por estar fora do país de férias, já que existe a necessidade de se dirigir a uma unidade nossa para votar), temos um índice de 95% dos colegas completamente envolvidos com esse processo.

A procuradora Raquel Dodge enfrentou turbulências, teve até entrega de cargos. A classe aceitaria uma manutenção dela à frente do Ministério Público?

A gente nota que o mundo vive um processo de polarização grande. O Brasil vive um processo de conflitos aguçados, de dificuldade de diálogo, de dificuldade de obtenção do consenso. Seria impensado compreender que a nossa instituição iria ter uma realidade diversa. Particularmente, houve uma dificuldade muito grande de diálogo por parte da procuradora-geral com a classe, e isso também fez com que esses momentos de tensões viessem a ser evidenciados. A doutora Raquel Dodge, que tem uma longa folha de serviços prestados, como todos os outros que a antecederam, teve a oportunidade de requerer a sua inscrição na lista tríplice, de participar desse processo democrático amplo, não fez. Isso, para nós, foi uma surpresa. Portanto, não tenho dúvidas ao dizer que a carreira está completamente mobilizada antes em torno dos 10 candidatos que se inscreveram, e agora, em torno dos três candidatos que foram alçados como líderes para poderem, daqui para frente, ter a indicação por parte do presidente da República e a avaliação por parte do Senado. Portanto, são as nossas três lideranças que são oferecidas ao país para prestar serviços em todas essas áreas que eu mencionei.

O que você achou do depoimento do Sérgio Moro no Senado? O senhor acompanhou?

Eu vi trechos, em parte, não poderia fazer uma avaliação completa do que se disse ali.

O senhor acha natural a relação que se mostra com esses vazamentos? Considera natural essa relação entre o Ministério Público e o juiz, como se deu na Lava-Jato ou como se mostra nesses vazamentos?

Eu preciso dar uma resposta um pouco mais ampla, mas chego lá. Em primeiro lugar, acho que é absolutamente irrepreensível, e acho que ninguém discorda, que existam captações ilícitas de conversas, que envolvam membros do MP ou do Poder Judiciário e jornalistas. Isso é uma agressão às instituições e viola os princípios do Estado democrático de direito. Em segundo lugar, acho que temos que ter extrema cautela e serenidade ao acompanhar esses trechos que estão sendo divulgados, porque as próprias partes envolvidas negam que as conversas tenham se dado daquela forma. Em terceiro, é preciso compreender que o nosso sistema judicial é muito parecido com o sistema europeu, particularmente com o italiano, em que magistrados e membros do MP têm uma proximidade e uma cooperação muito maior, e onde vigora, não o princípio da neutralidade do juiz, mas sim o princípio da imparcialidade do juiz. Há uma distinção entre neutralidade e imparcialidade que eu acho importante. Então, ao contrário do sistema americano, em que nós temos um juiz completamente inerte que aguarda as partes produzirem provas e discutirem, portanto, ele julga o que vier, há vários mecanismos que, inclusive, constam no Código Penal, que impõem a exigência de um juiz mais ativo.

Nos Estados Unidos, em uma situação dessas, o Moro estaria completamente suspenso?

Nos EUA, uma situação como essa poderia vir a ser reconhecida como algo que, para o sistema deles, não seria adequado. Para o nosso sistema, que apresenta todas essas regras, e mais, que permite uma cooperação muito mais próxima entre dois órgãos do Estado com missões importantes mais distintas (um de acusar e outro de julgar), tanto que, nas audiências, o MP senta do lado do juiz, e o advogado fica mais distante. Tanto que, nas sessões que acompanhamos no STF, a procuradora ou o procurador-geral está praticamente em um contato diário com os ministros e participa de momentos um pouco mais próximos, e não é isso que ocorre com os advogados. Dito tudo isso, levando em consideração a existência do nosso sistema, pode-se até repensar o sistema, pode-se eventualmente compreender lá na frente que o sistema americano é mais adequado. Mas não podemos deixar de reconhecer que esses espaços de interlocução são espaços que estão compreendidos dentro da abrangência do nosso sistema. Vou complementar toda essa resposta com um último ponto, que também acho relevante. Eventualmente, ainda que nada disso ocorresse, antes de constatar algum equívoco de atuação, é muito importante que haja um aperfeiçoamento. Esse é o tema que está faltando em todas as discussões que estão sendo realizadas em torno dessas conversas. É preciso aperfeiçoar o sistema, fortalecer instituições, inovar no processo penal, trazer inovações no que diz respeito ao combate e prevenção à corrupção, é isso que importa.

E que tipo de inovação seria essa? A gente está tratando do que, efetivamente? O juiz, na época, criticou uma colega de vocês. Disse que ela não estava boa, e sugeriu um treinamento.

É preciso compreender o contexto em que aquelas conversas se deram, é preciso compreender de que maneira essas falas correspondem a verdade e realidade. De uma forma ou de outra, acredito que os números objetivos do processo, inclusive das sentenças que foram proferidas pelo juiz e hoje ministro Sérgio Moro, e a resignação da nossa instituição, em relação a essas sentenças, que falam por si só. De 45 sentenças judiciais, em 44 houve recurso do Ministério Público. Só em uma das 45 sentenças o ministério concordou com a sentença que foi dada pelo juiz. Isso mostra um índice de insatisfação, de visões diversas, de recurso de resignação muito alto. O índice de absolvições que foram combatidos pelo Ministério Público alcança 25% nessas sentenças. Então, pelo menos em um quarto dessas sentenças, o MP também não concordou com as absolvições e recorreu a segundo grau. Eu acho que esses dados objetivos mostram o espelho da nossa realidade muito mais claro do que eventuais acertos que foram divulgados, não se sabe em que contexto, de que maneira isso corresponde a verdade ou não.

O senhor afasta a possibilidade de que tenha sido um membro da Lava-Jato que tenha vazado?

Completamente, por causa do contexto em que já houve menções nesse sentido, de que o hacker se passou, dentro de grupos, não só do MP, mas também do Conselho Nacional do Ministério Público, por pessoas que faziam parte dele, e começou a tentar coletar evidências, e participou, construiu diálogos e, eventualmente, quando foi notado, restou a evidência de que alguém se infiltrou ali de maneira absolutamente ilícita. Não há nenhuma possibilidade de isso ter sido feito fora desse contexto criminoso que precisa do repúdio de todos.

Em um dos diálogos vazados, o então juiz Sérgio Moro sugeriu que uma testemunha específica fosse ouvida no processo. Isso interfere no processo. Não deveria ter sido feito nos autos?

Eventualmente, um juiz pode, segundo o Código de Processo Penal (CPP), requerer ou realizar diligências ainda que nenhuma das partes tenha feito isso. Vige no nosso processo penal, no modelo da Itália, o princípio da verdade real. O que importa é a busca da verdade. O que importa é o impulsionamento do processo. É permitido para que se tente descobrir a verdade dos fatos. Reflexões existem, eventuais mudanças podem ser feitas para melhorar o sistema. Mas pode.

As inovações que o senhor fala dizem respeito a deixar as regras mais claras sobre até onde o juiz e o MP podem ir?

Nosso processo penal precisa de modificações, precisa evoluir muito. De maneira mais genérica, temos um processo extremamente burocrático. Desde a investigação, antes do processo, temos uma morosidade latente. Temos diversas instâncias que se sobrepõem as outras. Tratamos crimes mais graves da mesma forma que tratamos os crimes mais graves, sendo que, em outros lugares do mundo, temos um sistema bem mais eficiente.

Qual é o efeito disso tudo para a Operação Lava-Jato? De que tamanho ela sai?

Há 23 anos, desde que entrei no MP, atuo nessa área (combate à corrupção). Vi uma imprensa mais livre, que divulga e contesta, vi a sociedade civil despertar, deixar a apatia de lado e envolver-se pessoalmente com tudo o que a Lava-Jato representa. A corrupção é o problema mais grave do país, mas temos segurança, saúde e educação deficientes. Chegamos a um ciclo virtuoso com resultados visíveis, coisa impensável quando comecei aqui. Temos partes importantes cumprindo pena e sendo processadas… A Lava-Jato é a maior operação de combate à corrupção do mundo. Os números assustam. É um processo sem volta, o Brasil melhorou muito.

Um envolvido é ministro da Justiça. Isso não quebra a isonomia da PF?

A PF tem dado provas de isenção, até com abertura de investigação sobre o presidente da República. Certamente, vai cumprir seu papel, independente dos investigados.

A PF prendeu no Rio integrantes da própria corporação que beneficiavam investigados…

Isso mostra que se houver falhas, a própria política está pronta para corrigi-las, sem corporativismo

Voltando à questão da lista e da Raquel Dodge, um observador mais atento poderia dizer que ela acabou desgastada e não foi indicada por ter sido contra os benefícios dos procuradores e pela questão do fundo da Lava-Jato…

O fundo seria gerido coletivamente, o Ministério Público teria apenas um assento nesse colegiado.

Mas a iniciativa foi do MP. Raquel Dodge fez movimentos fora da corporação. O senhor falou que a lista não é corporativista. Mas a categoria fez movimentos contra ela, a ponto de ela nem disputar a recondução.

Temos um mecanismo no nosso país. Nos últimos anos, recursos bilionários foram revertidos para pagamento de juros. Ou seja, não voltaram para a sociedade. O fundo em questão era apenas a tentativa de um novo mecanismo, algo que voltasse para a população. O Congresso até começou a discutir uma coisa semelhante, mais generalizada, um lugar ali para colocar o dinheiro da corrupção. Mas depois essa discussão acabou. É importante que valores bilionários ao serem carreados não sirvam para o pagamento de dívidas.

Há ativismo político no MP?

Como definir o ativismo político? Somos agentes políticos, proibidos pela Constituição de desenvolver atividades político-partidárias. O MP, quando defende a sociedade, e é uma característica peculiar no Brasil, porque, no mundo todo, a função é apenas de acusador penal. No nosso país, o constituinte deu essa característica de defensor da sociedade… Meio ambiente, hipossuficientes, direitos humanos… Isso nos faz porta-vozes da sociedade nessas causas. Isso cria a necessidade de interlocução com as áreas envolvidas justamente para que o trabalho possa ser feito. Só poderemos atuar em torno dessas questões entendendo quais são as necessidades. Precisamos ter atuação em espaços políticos para que as causas sejam bem defendidas, fora ou dentro do Judiciário. Esse é o nosso perfil. A vedação é para manifestações de caráter político-partidário. Isso não existe e não pode ser tolerado.

O ex-procurado-geral Roberto Gurgel defendeu a lista, mas disse que não é ilegítimo Dodge ser indicada fora da lista porque, na primeira eleição, ela foi da lista. Seria apenas uma recondução a partir de uma chancela anterior.

Na nossa compreensão, a legitimidade se conquista a cada dois anos. Em um processo que você consegue dizer quais são as suas ideias, quais são os seus projetos… Um diálogo transparente. O resultado é o fortalecimento da instituição. Legitimidade precisa ser reafirmada. E, de uma maneira ou de outra, um processo transparente com debates e discussão na imprensa propicia isso. É necessário que o processo seja aberto, e não a partir de conversas em gabinetes fechados.

Houve um movimento do primeiro da lista, que foi diretamente no Planalto, antes mesmo da ANPR. O senhor acha que foi precipitado?

É importante entregar a agenda ao presidente e não nos cabe fazer qualquer consideração sobre a movimentação dos três candidatos à vaga de procurador-geral. A lista vem de um processo transparente e aberto. Um dos três nomes atende amplamente ao MP. Um dos três nomes vai comandar essa instituição com apoio interno. Ninguém comanda uma instituição tão importante e complexa sem passar por um processo de diálogo. Isso faz com que nossa chefia possa, inclusive, mobilizar a instituição no cumprimento das funções.

Qual o cenário de uma escolha fora da lista?

É um cenário de muita dificuldade. Depois de 40 dias de campanha, debates em todas as regiões do país, os candidatos mostraram a cara e mostraram o que pensam. Foram acolhidos pela carreira inteira. Há uma expectativa muito grande de que a instituição continue fortalecida pela liderança de alguém que passou por um processo amplo como esse.

A saída do Janot provocou o início do desmonte da Lava-Jato?

A atuação do combate à corrupção vem numa ascendência. É claro que no momento em que, durante a gestão do Rodrigo Janot, se houve uma acusação, inclusive formal contra o presidente da República, se pode compreender que a carreira tinha dado as respostas efetivas no momento em que todas essas irregularidades vinham sendo anunciadas. A doutora Raquel tem uma outra forma de atuação, outra forma de ser. É muito discreta, tem outra forma de se comunicar e o tempo dela. Eu acho que é importante respeitar todas as compreensões que cada procurador-geral tem a respeito do seu momento.

A Lava-Jato exagerou em algum momento?

A gente considera a Lava-Jato como uma atuação de sucesso. Isso é reconhecido por todos. Seria impensado dizer ou não dizer que havia alguma falha. Agora recentemente saíram índices de aprovação altíssimos. Eu confio nos colegas da Lava-Jato. São dos melhores quadros da instituição.

Caso a lista seja desconsiderada, em relação ao trabalho das forças-tarefas, a Lava-Jato, ou futuras operações contra políticos, e crimes de colarinho-branco, e o combate a corrupção podem ficar em xeque?

A lista tríplice é a garantia de que o combate a corrupção vai continuar.

Sua gestão será marcada por qual objetivo?

Vivemos um momento de crises, de dificuldades de diálogos, da obtenção de consenso e de polarização exacerbada. Temos que desenvolver todas as potencialidades possíveis para superá-las. O diálogo precisa ser exercitado no mundo e em nosso país. Se constrói muros, e se exaltam os muros. É preciso continuar criado pontes.

Se o governo optar em construir um muro em relação à lista tríplice. Quão difícil será essa relação entre poderes?

As últimas eleições se caracterizam por dois temas. O combate à corrupção e a segurança pública. Em todas as manifestações do presidente, o tema de seguir a corrupção, vem sendo explicitado. Ele sempre elogia o MPF neste processo. É isso que nos faz crer que ele possa reconhecer os três nomes que a classe colocou.

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Estratégia do lulismo

Leonardo Cavalcanti

24/06/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro pode até não gostar da comparação, mas os últimos movimentos do capitão reformado lembram as ações de um ex-ocupante do Palácio do Planalto de nome Luiz Inácio Lula da Silva. Uso o verbo “lembrar” para não escrever “coincidir”, pois o atual chefe deste sofrido país pode alegar que tudo se trata de uma coincidência, e talvez tenha razão. Explico.

A estratégia de Lula nos momentos mais críticos do governo era correr para a plateia — leia-se o eleitor-raiz, aquele que, independentemente dos tropeços, estaria com o então presidente. O alvo principal eram os eleitores do Nordeste, mas as viagens traziam um elemento que se refletia em Brasília e nas outras regiões: a inegável capacidade de Lula em mobilizar gente, fortalecendo o próprio petista e assustando os opositores mais aventureiros.

De certa forma — e com algumas variações, por óbvio —, Bolsonaro repete tal estratégia quando consegue mobilizar apoiadores nas manifestações de rua, participa de eventos religiosos e deixa o Planalto no sábado pela manhã para aparecer no supermercado no Sudoeste, região nobre de Brasília. Na prática, o que Bolsonaro revela é o mesmo instinto de sobrevivência política de Lula, deixando clara a força em relação a uma parte do eleitorado, que não tem dúvidas sobre o voto dado em 2018.

Fôlego

Tanto Lula quanto Bolsonaro sabem que esse perfil do eleitorado não garante uma eleição, pois representa apenas uma parte dos apoiadores. Mas é inquestionável que garante certo fôlego até que, no caso do capitão reformado, uma reforma da Previdência seja aprovada. Sim, porque há um prazo de validade nessa estratégica, considerando que, se o país não crescer ou gerar emprego, Bolsonaro pode aparecer todo santo dia na vendinha da esquina que os apoiadores abandonarão o barco e o político.

Assim, por mais que Bolsonaro possa parecer alguém desassisado ao demitir o general Carlos Alberto Santos Cruz, um dos militares mais preparados do país, ele segue firme no propósito de jogar para a plateia para garantir apoios nas redes e nas ruas. O general Santos Cruz — considerado um estrategista acima da média e, a partir de bastidores, um dos palestrantes mais caros da Esplanada dos últimos 20 anos — peitou o coronel. Tentou fazer com que Bolsonaro olhasse a longo prazo. Mas caiu rápido demais. No lugar entrou alguém, aparentemente, menos inconveniente.

Queda

O problema é que, mostrou reportagem do Correio da última sexta-feira, a queda de Santos Cruz atingiu o ânimo de parte dos oficiais, segundo relatos. O general era um dos únicos que falava a “real” para Bolsonaro. Fez isso, por exemplo, no episódio envolvendo o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, criticado por Olavo de Carvalho, o guru dos amalucados. Santos Cruz cobrou do presidente uma resposta mais enfática do capitão reformado. Não a teve, ao contrário. Tal atitude se explica pelo fato de que Olavo e parte dos parlamentares do PSL — incluindo os filhos de Bolsonaro — fazerem a ponte com os eleitores mais radicais, justamente o que o presidente expõe neste momento.

O receio de governistas mais atentos é de que Bolsonaro não apenas refaça a estratégia de Lula ao buscar o eleitor-raiz, mas também acabe se cercando de assessores que só dizem “sim”. Se isso ocorrer, ele acabará próximo da ex-presidente Dilma Rousseff, que, entre outros integrantes da equipe, dava muita bola para Ideli Salvatti, Erenice Guerra e Gleisi Hoffmann. Não custa lembrar o que deu.

Fla-Flu

Na semana passada, pedi aos leitores para sugerirem uma imagem melhor do que o desgastado Fla-Flu nos comentários sobre a divisão política no Brasil. Entre um e outro xingamento, alguns foram muito generosos e indicaram o “nós versus eles”, por exemplo. Mas restou, por comentários da maioria, a simbologia do Fla-Flu, por mais que incomode torcedores do Flamengo e do Fluminense.