O Estado de São Paulo, n. 46003, 30/09/2019. Metrópole, p. A17

 

Alta de mortes pela polícia não está ligada a menos crime, apontam dados

Marco Antônio Carvalho

Caio Sartori

Márcio Dolzan

30/09/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Rio de Janeiro. Números do Instituto de Segurança Pública analisados pelo ‘Estado’ mostram que, em diferentes momentos entre 2003 e 2019, redução da criminalidade nas cidades fluminenses foi acompanhada pela queda da letalidade policial, o que contradiz governo

A quantidade de pessoas mortas em ações policiais não se correlaciona com a queda em indicadores criminais como homicídios dolosos ou roubos em geral no Estado do Rio. Números do Instituto de Segurança Pública (ISP) mostram que, em diferentes momentos das duas últimas décadas, a redução de crimes nas cidades fluminenses foi acompanhada por queda na letalidade da polícia. A análise é reforçada por especialistas, que veem nas ações truculentas um papel catalisador da violência principalmente em áreas mais vulneráveis.

O governo Wilson Witzel (PSC) tem relacionado a redução em indicadores como roubos e homicídios com a “forma como a polícia vem trabalhando”, a chamada política do confronto. Apesar de os números realmente apresentarem uma queda até agora, o discurso parece alimentar uma alta histórica no número de vítimas em operações policiais. Até agosto, a quantidade já chegava a 1.249, o equivalente a cinco casos por dia.

O Estado analisou dados do ISP de 2003 a 2019 em todas as 137 Circunscrições Integradas de Segurança Pública (Cisp), a menor instância de apuração dos indicadores de criminalidade. Considerando registros de todo o Estado no período, foi mais frequente a alta na letalidade policial acompanhar um aumento em roubos e homicídios (2005, 2014, 2016 e 2017), do que uma alta letalidade acontecer no mesmo ano de redução de roubos e homicídios (2015 e 2019).

Em quatro anos do período (2004, 2010, 2011 e 2012), houve queda desses três indicadores simultaneamente. Em toda a série histórica, os menores números de homicídios dolosos e roubos foram registrados no mesmo ano (2012) em que a letalidade atingiu um dos seus patamares mais baixos no Estado. Naquele ano, foram 419 vítimas de letalidade policial; em 2019, até agosto, o número já é quase três vezes maior.

As declarações de Witzel sobre o tema se acumulam. Em julho, disse: “Se não se entregarem (os bandidos), serão mortos. O recado está dado”. Um mês depois, comparou o combate à criminalidade ao combate ao nazismo. “Chamem os especialistas e perguntem como acabamos com o nazismo na Europa. (...) Nós não queremos que pessoas morram. Queremos evitar. E vamos parar? Vamos deixar o crime organizado tomar conta de novo, ocupar as ruas e assaltar de fuzis os shoppings?”

Na semana passada, em entrevista para comentar as ações da polícia após a morte da menina Ágatha, no Complexo do Alemão, por um tiro em que a suspeita de autoria recai sobre policiais, Witzel destacou que os homicídios caíram 21% em 2019. “Se não estivéssemos trabalhando da forma como as polícias estão trabalhando, teríamos hoje quase 800 pessoas mortas (a mais). A nossa missão é resgatar o Estado do Rio das mãos do crime organizado.”

A 7.ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, responsável por atividades de controle externo da atividade policial, disse na semana passada que o “extermínio e abate são estimulados pelo discurso oficial que trata os moradores de comunidades, em sua maioria pobres e negros, como criminosos e inimigos a serem eliminados”.

Causalidade. Em documento que embasa a abertura de inquérito civil que investigará as altas taxas de letalidade, o Ministério Público Estadual do Rio analisou os dados e concluiu que “não é possível identificar causalidade entre a letalidade policial e o homicídio doloso no Estado, considerando que os dados disponíveis sequer indicam correlação entre eles”. E pondera sobre os riscos da política: “A atividade policial baseada no enfrentamento armado a criminosos aumenta o risco de vitimização de pessoas que não têm relação com o conflito, além de frequentemente afetar a prestação de serviços públicos nas áreas expostas aos confrontos”.

Autoria desconhecida

98%

Dos casos registrados no Rio como auto de resistência (morte por PM) são arquivados, mostrou CPI da Alerj realizada em 2016.