O Estado de São Paulo, n. 45999, 26/09/2019. Política, p. A10

 

Ibope revela desgaste na área ambiental

Julia Lindner

26/09/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Segundo pesquisa, a desaprovação na área aumentou de 45% para 55% entre junho e setembro; 50% desaprovam a forma de governar

Pesquisa Ibope publicada ontem demonstrou a continuidade da tendência paulatina de desgaste do presidente Jair Bolsonaro, com leve oscilação para baixo na taxa de aprovação ao governo. Houve alteração significativa, porém, no nível de insatisfação com a atuação na área ambiental. Segundo o levantamento, a taxa de desaprovação nesse setor aumentou de 45% para 55% entre junho e setembro deste ano.

A pesquisa, feita a pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI), mostrou que metade da população (50%) desaprova a maneira de Bolsonaro governar o País. Na pesquisa anterior, feita três meses atrás, a taxa de desaprovação ao desempenho pessoal do presidente era de 48%. A aprovação, por sua vez, passou de 46% para 44% no mesmo período.

Na série histórica do Ibope desde o início do governo, esta é a segunda pesquisa em que o porcentual de entrevistados que desaprovam Bolsonaro é marginalmente maior que o dos que a aprovam.

Desde janeiro, a aprovação da maneira de governar do presidente caiu 23 pontos porcentuais, de 67% para 44%. Já a desaprovação subiu 29 pontos: foi de 21% para 50%.

Segundo o levantamento, entre junho e setembro, a parcela da população que considera o governo Bolsonaro ótimo ou bom oscilou de 32% para 31%. O porcentual que avalia a atual administração como ruim ou péssima oscilou de 32% para 34%, no mesmo período. As variações ocorreram dentro da margem de erro da pesquisa, mas confirmaram a tendência apontada anteriormente de aumento do desgaste da gestão.

Em outro quesito do levantamento, 55% dos entrevistados afirmaram não confiar no presidente. A taxa era de 51% em junho. Já os que confiam caíram de 46% para 42% entre uma pesquisa e outra.

Memória. O Ibope, além de registrar aumento na desaprovação à gestão ambiental, detectou que as notícias sobre o governo mais lembradas pela população se referem justamente ao meio ambiente. O governo foi, recentemente, alvo de fortes críticas no Brasil e no exterior por causa do aumento das queimadas na Amazônia. Um em cada cinco dos entrevistados pela pesquisa lembraram de notícias relacionadas ao meio ambiente, considerando as queimadas na região amazônica e os embates entre Bolsonaro e o presidente da França, Emmanuel Macron.

O segundo grupo de notícias mais lembrado (11%) se refere à saúde do presidente, que no dia 8 de setembro passou pela quarta cirurgia após a facada que recebeu na campanha eleitoral.

Na análise por área de atuação do governo, a desaprovação é mais alta em relação aos impostos (62%) e à taxa de juros (61%).

Outro tema em que houve aumento de desgaste é o combate à fome e à pobreza, cuja desaprovação subiu de 51% em junho para 57% em setembro. No combate ao desemprego, a desaprovação passou de 55% para 59% no mesmo período.

O tema mais bem avaliado continua sendo a segurança pública, cuja aprovação é de 51%. A área é comandada pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, que foi enaltecido como “símbolo nacional” por Bolsonaro em discurso na Assembleia-Geral das Nações Unidas.

Na segmentação geográfica do eleitorado, a maior taxa de desaprovação ao presidente é registrada no Nordeste (61%). No Norte/Centro-Oeste, é de 40%.

O Ibope ouviu 2 mil pessoas em 126 municípios entre 19 e 22 de setembro. O levantamento anterior havia sido realizado de 20 a 26 de junho. A margem de erro é de dois pontos porcentuais para mais ou para menos.

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Uma indígena 'youtuber' do Xingu na comitiva brasileira

Fernanda Boldrin

Lucas Bólico

26/09/2019

 

 

Levada por comitiva de Bolsonaro à Assembleia Geral da ONU, Ysani há seis anos exaltava Raoni, alvo do atual governo

PERFIL - Ysani Kalapalo, indígena da aldeia de Tehuhungu, no Alto Xingu

ONU. Líder Ysani Kalapalo com Eduardo Bolsonaro, ministros e a primeira-dama Michelle

Pouco mais de seis anos separam o discurso do presidente Jair Bolsonaro durante a abertura da 74.ª Assembleia-Geral da ONU da participação de Ysani Kalapalo em sessão na Câmara para homenagear os povos indígenas. Anteontem, Ysani foi citada no pronunciaomento de Bolsonaro como uma liderança indígena emergente, depois de o presidente atacar o cacique Raoni, do povo Caiapó. “Acabou o monopólio do senhor Raoni”, disse Bolsonaro, que convidou Ysani para integrar a comitiva do governo em Nova York. Em abril de 2013, falando da tribuna da Câmara, Ysani exaltou justamento a liderança de Raoni.

Como os integrantes tradicionais de sua cultura não contam a idade nem comemoram aniversário, Ysani calcula ter 28 anos. Ela nasceu numa família com seis irmãos na aldeia de Tehuhungu, no Alto Xingu (MT), e ganhou projeção depois de fundar e presidir o Movimento Indígenas em Ação. Mas a popularidade veio com seu canal no YouTube, que conta hoje com 280 mil inscritos. Ela se autodefine como “a indígena do século 21” e usa o canal para falar sobre “a curiosidade indígena e outras coisas que os ouvintes pedem”.

No começo, as postagem abordavam o cotidiano nas aldeias e foram se politizando com o tempo. Seus primeiros vídeos mostram danças dos Kuikuros e imagens pessoais, como na publicação “Índia Ysani bagunçando os cabelos”. Depois disso, já opinou sobre a biografia de Carlos Marighella e o regime de Nicolás Maduro na Venezuela e entrevistou Bolsonaro para seu canal.

Em publicação feita no último dia 17, antecedendo a viagem a Nova York, ela escolheu Raoni como alvo. “Tem um certo cacique que a gente vê muito na mídia. Um certo cacique que se diz representante de todos os povos do Xingu. O que não é verdade”, afirmou. “O cacique Raoni é cacique da aldeia dele. Ele fica lá no baixo Xingu, não no alto Xingu, não é legal você falar por todo o Xingu”, disse a líder.

Dois dias antes, Ysani fez comentários sobre as queimadas na Amazônia – que rendeu uma crise entre Bolsonaro e governos europeus, que criticam a atual política ambiental do governo. A líder isentou o governo de responsabilidade pelo fogo no floresta. Segundo ela, “nesta época do ano, os povos indígenas fazem roças nas aldeias, queimam para ‘limpar a terra’ e depois plantar”. “Por vezes, no entanto, o vento acaba levando o fogo para outros lugares”, declarou.

‘Prestígio’. Bolsonaro usou boa parte do seu discurso na ONU para rebater críticas de países estrangeiros à política ambiental do governo, dizendo ver interesses financeiros nesses questionamentos. Durante a fala, aproveitou para citar Ysani, que, segundo o presidente, “goza da confiança e do prestígio das lideranças indígenas interessadas em desenvolvimento, empoderamento e protagonismo”.

No entanto, sua escolha para integrar a delegação brasileira ficou longe de ser consenso. Em carta pública, lideranças de 16 povos habitantes do próprio Xingu declararam enxergar desrespeito à autonomia das organizações dos povos indígenas na indicação dela como representante em eventos nacionais e internacionais.

“O governo brasileiro, não se contentando com os ataques aos povos indígenas do Brasil, agora quer legitimar sua política anti-indígena usando uma figura indígena simpatizante de suas ideologias radicais com a intenção de convencer a comunidade internacional de sua política colonialista e etnocida”, diz o documento.

Antes de se aproximar do bolsonarismo, ela teve boa relação com políticos da esquerda. No mesmo ano em que defendeu Raoni na Câmara, elogiou o então deputado Jean Wyllys, durante o 10.º Seminário LGBT no Congresso Nacional. “Acompanho a luta dele há muito tempo”, disse a indígena, comparando o preconceito a homossexuais ao sofrimento de indígenas durante a colonização do País.

Congresso. Ontem, Ysani e Raoni foram recebidos na Câmara dos Deputados. Parlamentares da oposição ao governo levaram o cacique para um encontro com o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Já o líder do governo, deputado Major Vitor Hugo (PSLGO), recebeu Ysani.

No Congresso, Ysani defendeu Bolsonaro. “Aceitei esse convite de Bolsonaro (para ir à ONU) para mostrar o outro lado que muitos não conhecem, que são os povos indígenas do século 21.” Para ela, os indígenas têm direito de querer sua independência financeira.

Raoni, por sua vez, rebateu declaração do presidente feita na ONU, segundo a qual o cacique serve de “peça da manobra por governos estrangeiros na guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia”. “O Bolsonaro falou que eu não sou uma liderança, mas é ele quem não é uma liderança e tem de sair”, afirmou o cacique.