O Estado de São Paulo, n. 46000, 27/09/2019. Política, p. A4

 

STF forma maioria por tese que pode afetar Lava Jato

Rafael Moraes Moura

27/09/2019

 

 

Julgamento. Ministros da Corte votam a favor de questão processual que abre brecha para derrubar série de condenações impostas; alcance da decisão ainda será discutido

Tribunal. Ministros Dias Toffoli, presidente do Supremo, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski chegam à Corte

Em nova derrota para a Lava Jato, o Supremo Tribunal Federal formou ontem maioria a favor de uma tese que pode levar à anulação de uma série de sentenças impostas pela operação e beneficiar condenados como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – preso desde abril do ano passado. Sete dos 11 ministros que compõem a Corte já aceitaram o entendimento de que réus delatados têm o direito de falar por último nos casos em que também há delatores acusados no mesmo processo.

O resultado inclui o presidente do Supremo, Dias Toffoli, que antecipou seu voto, mas decidiu concluir a análise do caso só na próxima quarta-feira, quando a composição da Corte estiver completa. O ministro Marco Aurélio Mello se ausentou no fim da sessão de ontem sem votar.

O Supremo ainda deve delimitar os efeitos da decisão, fixando critérios para a eventual anulação de condenações – muitas delas proferidas pelo ex-juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça –, como exigir a comprovação de prejuízo à defesa. Dessa forma, seriam alcançadas apenas as sentenças nas quais a Justiça negou o pedido de réus delatados para se manifestar depois dos delatores.

Foi o que ocorreu, por exemplo, com o ex-presidente da Petrobrás e do Banco do Brasil Aldemir Bendine, que conseguiu sentença favorável na Segunda Turma do STF para derrubar condenação imposta por Moro. O caso de Bendine marcou a primeira sentença de Moro na Lava Jato anulada pela Corte.

O entendimento a ser firmado pelo STF pode afetar processos de Lula como o do sítio de Atibaia, mas não a condenação imposta por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na ação do triplex do Guarujá. Motivo: neste caso, não havia réus com acordo de colaboração premiada homologado pela Justiça na época da condenação em primeira instância.

Na tentativa de “salvar” decisões da Lava Jato, o ministro Luís Roberto Barroso sugeriu uma solução intermediária para evitar que o entendimento do plenário tenha efeitos retroativos e propôs que o veredicto da Corte só valha daqui para a frente. Em seu voto, Barroso destacou não haver previsão legal para que réus delatores e delatados se manifestem em prazos distintos na fase final do processo. O ministro acompanhou, assim, o entendimento do relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, para manter as condenações.

“O caso tem risco de anular o esforço que se vem fazendo até aqui para enfrentar a corrupção, que não é fruto de pequenas fraquezas humanas, mas de mecanismos profissionais de arrecadação, desvio e distribuição de dinheiro público. Não há como o Brasil se tornar desenvolvido com os padrões de ética pública e privada praticados aqui”, disse Barroso.

A posição foi endossada pelo vice-presidente do STF, Luiz Fux. “Entendo que juízes devem ter em mente as consequências do resultado judicial. Nesse sentido, tenho absoluta certeza de que vamos debater uma modulação da decisão, para que ela não seja capaz de pôr por terra uma operação que colocou o País num padrão ético e moral.”

Divergência. O habeas corpus examinado ontem pelo plenário da Corte foi do ex-gerente da Petrobrás Marcio de Almeida Ferreira. A exemplo de Bendine, a defesa do ex-gerente alegou que ele sofreu grave constrangimento ilegal por não poder apresentar as alegações finais após a manifestação dos réus colaboradores.

A divergência no julgamento foi aberta pelo ministro Alexandre de Moraes, para quem o delatado tem o direito de falar depois do delator para, assim, rebater as acusações que lhe foram impostas. “Não são firulas jurídicas, mera burocracia para atrapalhar o processo. Não há estado de direito sem o devido processo legal, sem ampla defesa, sem o contraditório. O devido processo legal não atrapalha o combate à corrupção”, disse Moraes. “Não me parece existir qualquer dúvida de que o interesse processual do delator é absolutamente oposto ao interesse do delatado. Em que pese o delator ser formalmente réu, em verdade o seu interesse é pela condenação do delatado.”

Vista como fiel da balança por representar o voto decisivo para a definição do placar, a ministra Rosa Weber – que costuma concordar com Fachin e Barroso – se alinhou desta vez à posição de Moraes. “O prazo para alegações entre réus colaboradores e não colaboradores há de ser sucessivo, até por uma questão de bom senso.”

Apesar de concordar com a tese de que réus delatados devem falar depois dos delatores, a ministra Cármen Lúcia votou contra o pedido de Ferreira para anular a condenação. Na sua avaliação, não houve prejuízo à defesa no caso do ex-gerente, já que foram abertos prazos complementares para novas manifestações das partes na reta final do processo. A ministra havia votado a favor de derrubar a condenação de Bendine, no mês passado.

Dois dos maiores críticos da Lava Jato no STF, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski também votaram para derrubar a condenação do ex-gerente da Petrobrás. “O combate à corrupção é um compromisso de todos nós, mas não se pode combater a corrupção cometendo crimes”, afirmou Gilmar.

Decano do Supremo, o ministro Celso de Mello votou pelo prazo diferenciado para a apresentação das defesa. “É inegável que o acusado tem o direito de conhecer a síntese da acusação contra ele. Primeiro, a acusação; depois, a defesa”, ponderou ele.

Divergências

“O caso tem risco de anular o esforço que se vem fazendo até aqui para enfrentar a corrupção.”

Luis Roberto Barroso

MINISTRO DO STF

“É inegável que o acusado tem o direito de conhecer a síntese da acusação contra ele. Primeiro, a acusação; depois, a defesa.”

Celso de Mello

MINISTRO DO STF

PLACAR

Para maioria do STF, réus delatados têm direito de falar por último em processos em que há réus delatores – tese pode anular sentenças da Lava Jato

Divergências

7 a favor

Alexandre de Moraes

Rosa Weber

Cármen Lúcia

Ricardo Lewandowski

Gilmar Mendes

Celso de Mello

Dias Toffoli (ANTECIPOU VOTO)

3 contra

Edson Fachin

Luiz Fux

Luís Roberto Barroso

1 não votou

Marco Aurélio Mello (AUSENTE)