Título: Sujeito vira objeto; objeto, sujeito
Autor: Frei Betto
Fonte: Correio Braziliense, 19/10/2012, Opinião, p. 15

Escritor, é autor de A obra do artista %u2014 uma visão holística do Universo (José Olympio), entre outros livros

O consumismo neoliberal gera, hoje, uma proeza que deixa os filósofos mais encucados: o sujeito humano passa à condição de objeto e o objeto — a mercadoria — ocupa a condição de sujeito.

O consumo já não é determinado pela necessidade. Depende, sobretudo, do sonho do consumidor de alcançar o status do produto. Isso mesmo: a mercadoria possui grife, status, agrega valor a quem a porta. Ao obtê-la, o consumidor se deixa possuir por ela. O valor que ela contém, criado pela mídia publicitária e pela moda, emana e impregna o consumidor.

No universo consumista, se alguém deseja ser bem aceito entre seus pares, no círculo social que frequenta, precisa equipar-se com todos aqueles objetos de luxo que o revestem de uma auréola capaz de sinalizar socialmente o alto nível de seu status. Ai dele se não ostentar certas marcas de carro, relógio e roupa. Ai dele se não frequentar restaurantes seletos. Ai dele se não viajar em classe executiva para Nova York, Paris ou uma ilha do Pacífico apontada como o novo point.

Caso o sujeito se recuse a ostentar a lista de objetos considerados requintados, ele corre o risco de ser excluído, deletado do círculo social que estabelece como código de identificação certo nível mínimo de padrão de consumo.

Em suma, o sujeito passa a ser tratado como objeto. Duplo objeto: por se sujeitar à mercadoria e por ser rechaçado por seus pares. Porque no sistema consumista só é aceito quem transita despudoradamente no universo do luxo e do supérfluo.

Esse processo de desumanização estimula a obsolescência das mercadorias. Agora se produz para atender, não a uma necessidade, mas a um sonho, um desejo, um anseio de alpinismo social. O produto adquirido hoje — carro, computador, iPad — estará obsoleto amanhã.

Você pode até insistir em conservar o mesmo equipamento eletrônico, suficiente às suas necessidades atuais. Todos à sua volta constatarão o seu anacronismo. Você perdeu a identidade da tribo, que avança para a aquisição de mercadorias ainda mais sofisticadas, com design mais arrojado.

O único modo de ser aceito na tribo é se revestindo dos mesmos objetos que, atuando como sujeitos, o resgatam do cinzento e medíocre universo do comum dos mortais.

Essa inversão do sujeito humano tornado objeto e do objeto transformado em "humano" ou mesmo "divino". Isso se dissemina por meio da publicidade — que não faz distinção de classes. O apelo é igual para todos. Tanto o biliardário em seu jato executivo quanto o jovem da favela semianalfabeto sofrem o mesmo impacto publicitário.

A diferença é que o primeiro tem fácil acesso aos novos ícones do consumismo. O jovem absorve os ícones em seu embornal de desejos e reconhece o quanto ele é socialmente descartado e descartável por não se revestir de objetos que imprimem valor às pessoas. Daí a frustração e a revolta.

A frustração pode ser compensada pela sadia inveja dos espectadores de brilho alheio: leitores de revistas de celebridades e internautas que navegam atraídos pelo canto da sereia de seus ídolos. A revolta leva ao crime — "não sou como eles, mas terei, a ferro e fogo, o que eles têm".

Haverá limites à obsolescência? Um dia a superprodução fará com que a oferta seja assustadoramente superior à demanda? Tudo indica que não. A indústria há tempos aprendeu que o consumidor é irracional, não se move por princípios, e sim por efeitos. É a emoção que o faz se aproximar do balcão.

Aprendeu também a fazer a produção acompanhar a concentração de renda. Já não se fabricam carros populares. Quem mais adquire veículos são as famílias que já possuem ao menos um.

Agora na pós-modernidade, as pessoas já não se relacionam, se conectam. Os encontros não são reais, são virtuais. Já não se vive em sociedade, e sim em rede. Ninguém é excluído, e sim deletado.