Correio braziliense, n. 20489, 26/06/2019. Opinião, p. 11

 

O teto de gastos e a grande transformação

Armando Castelar

26/06/2019

 

 

Quando da discussão da PEC do Teto de Gastos, hoje Emenda Constitucional 95, muitos se opunham à medida, argumentando que ela não era viável. De fato, no longo prazo sua sustentabilidade depende da reforma da Previdência e a intenção era exatamente que ela servisse como um estímulo a essa reforma, que, tudo indica, deve passar em breve.Contrariando alguns dos prognósticos feitos à época, porém, nesse meio tempo o teto de gastos tem sido respeitado, levando às profundas transformações então previstas para a economia brasileira. A política fiscal, que vinha em ritmo extremamente expansionista há décadas, tornou-se contracionista, abrindo espaço para a forte queda da inflação e dos juros, assim como a ampliação do financiamento privado às empresas brasileiras. Alguns números ilustram a significância dessas transformações:

O gasto primário do governo central (União, INSS e Banco Central), que entre 1997, quando começam as estatísticas, e 2014 crescera em média 6,3% ao ano (a.a.), em termos reais, teve expansão média real de apenas 0,3% a.a. desde então. O saldo de crédito dos bancos públicos, um importante canal para a distribuição de subsídios públicos, que aumentara em média 9,0% a.a. acima da inflação entre 1997 e 2014, teve queda real de 5,3% a.a. entre o final de 2014 e abril de 2019. Tomando uma média trienal, temos hoje a mais baixa inflação desde o período da Grande Depressão, nos anos 1930.

A taxa de juros de mercado de um ano (Swap Pré-DI) hoje oscila entre 2,5% e 3,0%, em termos reais, permitindo às empresas se financiarem a custos competitivos no mercado de capitais. De fato, nos dois últimos anos o volume de títulos corporativos emitidos pelo setor não financeiro aumentou 49% em termos reais. Essa nova realidade traz oportunidades, mas também importantes desafios para diferentes agentes econômicos. Olhando à frente, destacaria quatro pontos que me parecem pouco discutidos.

Primeiro, até onde irá esse processo de queda de juros. Na sua reunião da semana passada, o Banco Central sinalizou que, aprovada a reforma da Previdência, iniciará um novo ciclo de queda de juros. Lá fora, há títulos de dívida somando 12,5 trilhões de dólares que pagam juros nominais negativos. Confirmada a intenção das autoridades das principais economias de afrouxar ainda mais a política monetária, esse volume vai aumentar e mais recursos fluirão para países emergentes. Nesse quadro, até onde podem cair os juros no Brasil, se conseguirmos respeitar o Teto de Gastos, digamos, no próximo decênio?

Segundo, qual o impacto dessa queda de juros nas contas públicas? O governo é de longe o principal devedor do país, e a queda dos juros tem se refletido aos poucos nas suas despesas com juros. Esse processo ainda está em curso e, com a aprovação da reforma da Previdência e o respeito ao Teto de Gastos, vai se acentuar. Isso gerará um círculo virtuoso em que a melhora das contas públicas permite a queda dos juros, que por sua vez melhora as contas públicas. Quão rápido e quão longe esse processo pode acontecer?

Terceiro, como reagirão os poupadores brasileiros? No Brasil, sempre foi fácil rentabilizar as aplicações financeiras, pois o Tesouro garantia juros elevados. Nos últimos seis meses, os investidores garantiram retornos expressivos para suas aplicações, por conta da queda dos juros. Mas e daqui para a frente? Em especial, o que acontecerá com instituições como seguradoras e fundos de pensão em um Brasil de juros baixos? As ações podem ser uma alternativa interessante aos títulos de renda fixa, mas não sem que a economia volte a crescer em ritmo mais forte, o que exigirá outras reformas estruturais não menos desafiadoras que a da Previdência. Investir fora é outra alternativa, mas não é claro que seja um caminho para obter rendimentos mais expressivos do que aqui dentro.(...)