O Estado de São Paulo, n. 45998, 25/09/2019. Política, p. A8

 

Amazônia é 'um bem comum', diz Macron

Beatriz Bulla

Ricardo Leopoldo

Giovana Girardi

Paulo Beraldo

25/09/2019

 

 

NA TRIBUNA DAS NAÇÕES UNIDAS / Francês rebate fala de Bolsonaro, que associa críticas ao Brasil a interesses ‘colonialistas’

Assembleia. O presidente Emmanuel Macron discursa no encontro da ONU; questionado pelo ‘Estado’, disse que há respeito pela soberania do Brasil

Amazônia é ‘um bem comum’, diz Macron

O presidente da França, Emmanuel Macron, rebateu ontem a fala do presidente Jair Bolsonaro, que voltou a sugerir interesses econômicos de países que criticam a política ambiental do Brasil para a Amazônia.

Questionado pelo Estado, Macron – que não acompanhou o discurso de Bolsonaro – disse que não se trata de interesse econômico na floresta, mas de pensar no futuro da região que seria “um bem comum”.

“Temos muitas pessoas envolvidas no (debate sobre o) futuro da Amazônia e acho que o que queremos fazer é ajudar as pessoas, com completo respeito pela soberania, ajudando o povo. Não é questão de lobby ou interesse, os lobbies são para destruir a floresta para seus próprios interesses”, respondeu Macron. “O que nós queremos fazer é ajudar pessoas para elas mesmas e para o futuro da Amazônia, porque é um bem comum.”

No seu discurso que cerca de 30 minutos, Bolsonaro afirmou que é uma “falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade” e, sem citar explicitamente nomes ou países, acrescentou que “um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista”. “Questionaram aquilo que nos é mais sagrado: a nossa soberania”, criticou o presidente.

Enquanto Bolsonaro saía do plenário da Assembleia-Geral após acompanhar o discurso do presidente americano Donald Trump – o segundo a discursar na sessão de ontem –, o francês se reunia no corredor da ONU com o governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), que também é presidente do Consórcio Amazônia Legal. “Eu estava em uma correria e não vi o discurso”, disse Macron, sobre a fala de Bolsonaro.

Clima. A plateia que acompanhou a abertura da 74.ª Assembleia-Geral da ONU ficou em silêncio durante boa parte da fala de Bolsonaro. O volume das conversas paralelas entre as delegações começou a aumentar na última parte do discurso, que tratou de ideologia. Foi quando o presidente brasileiro disse, por exemplo, que “a ideologia se instalou na cultura, na educação e na mídia” e defendeu as “nacionalidades” de cada país.

Enquanto isso, nas cadeiras reservadas à delegação do Brasil, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) gravava vídeos do pai durante o discurso. Ele estava ao lado do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e do senador Nelsinho Trad (PSD-MS), presidente da Comissão de Relações Exteriores da Casa. Salles teve de deixar o plenário para ceder uma cadeira a Bolsonaro quando o brasileiro desceu do palco e decidiu acompanhar a fala de Trump.

Depois do evento, Bolsonaro voltou para o hotel onde estava hospedado em Nova York e não participou de almoço de trabalho organizado pelo secretáriogeral da Organização das Nações Unidas, António Guterres – que contou com a participação de líderes como o próprio Trump. À imprensa, Bolsonaro afirmou que almoçaria “num podrão aí fora”.

As discussões sobre os assuntos e o enfoque do discurso feito ontem envolveram o chanceler Ernesto Araújo, o assessor de Assuntos Internacionais do Palácio do Planalto, Filipe Martins, e Eduardo – que tenta conseguir apoio no Senado para aprovar sua indicação à embaixada brasileira em Washington. Segundo assessores, o tom final do discurso foi definido pelo próprio presidente que, segundo eles, fez ajustes no texto até o último momento. 

“O que queremos fazer é ajudar as pessoas, com completo respeito pela soberania, ajudando o povo. Não é questão de lobby ou interesse.”

Emmanuel Macron

PRESIDENTE DA FRANÇA

OS REPÓRTERES PAULO BERALDO E GIOVANA GIRARDI VIAJARAM A CONVITE DA ONU E DA ORGANIZAÇÃO NO PEACE WITHOUT JUSTICE, RESPECTIVAMENTE

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Tema indígena domina discruso e gera debate

Giovana Gerardi

25/09/2019

 

 

A expectativa era que as queimadas na Amazônia tomassem a maior parte da fala de Jair Bolsonaro na Assembleia-Geral da ONU, mas o tema que dominou o discurso do presidente foi questão indígena no Brasil. Bolsonaro falou em “ambientalismo radical” e “indigenismo ultrapassado” ao ler uma carta atribuída a uma comunidade indígena, e criticou o líder da etnia caiapó cacique Raoni, indicado ao prêmio Nobel da Paz.

Segundo Bolsonaro, o cacique é “peça de manobra” de governos estrangeiros. “Infelizmente, algumas pessoas, de dentro e de fora do Brasil, apoiadas em ONGs, teimam em tratar e manter nossos índios como verdadeiros homens das cavernas”, disse Bolsonaro.

Acompanhado da indígena Ysani Kalapalo, do Xingu, que se declara uma “indígena do século 21”, Bolsonaro improvisou em relação ao discurso que tinha levado escrito e decretou: “Acabou o monopólio do senhor Raoni”, ao argumentar que Ysani teria poder de representatividade dos povos indígenas por ter sido endossada em carta do Grupo dos Agricultores Indígenas do Brasil, assinada por 52 etnias.

Repúdio. Líderes indígenas brasileiros que estão em Nova York para acompanhar a marcha contra as mudanças climáticas e a Cúpula do Clima da ONU fizeram uma forte manifestação de repúdio às declarações do presidente. “Hoje foi um dia de terror para os povos indígenas do Brasil e do mundo. Bolsonaro fez um discurso de intolerância e muita truculência. Essa fala será histórica, infelizmente, porque mancha o legado brasileiro nas Nações Unidas”, afirmou Sônia Guajajara, da Terra Indígena Arariboia, no Maranhão, e coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Citado por Bolsonaro, o cacique Raoni Metuktire estava previsto para falar com a imprensa ontem, mas passou mal e se dirigiu para o aeroporto para retornar ao Brasil.

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Para Duque, proteger floresta deve ser esforço regional

Paulo Beraldo

25/09/2019

 

 

Ao discursar no Fórum Econômico Mundial, presidente colombiano afirma que não se deve politizar as queimadas

Discurso. Duque pede esforço para reduzir desmatamento

No dia em que o presidente Jair Bolsonaro usou a tribuna da Assembleia-Geral das Nações Unidas para dizer que há mentiras sobre os incêndios na Amazônia, o seu colega Iván Duque, presidente da Colômbia, disse ontem que não se pode permitir que haja politização das queimadas na região. O presidente vizinho falou no Fórum Econômico Mundial, em Nova York, para uma plateia de investidores e autoridades internacionais.

“É indispensável proteger a Amazônia, mas tem que ser um esforço regional. Não podemos politizar os incêndios. Ocorreram no Brasil este ano, na Bolívia, não ocorreram na Colômbia, mas poderiam ter ocorrido. Por isso não podemos permitir que o tema seja politizado e convocamos o Pacto de Letícia, um acordo onde temos objetivos compartilhados e medidas de coordenação interinstitucional”, afirmou Duque, que está na presidência da Colômbia desde agosto de 2018.

No início deste mês, autoridades de sete países – Brasil, Colômbia, Peru, Bolívia, Equador, Suriname e Guiana – assinaram o pacto para coordenar ações sobre a conservação dos recursos naturais do bioma amazônico, presente nas sete nações. O Brasil abriga 60% da área florestal amazônica. “O Pacto de Letícia nos envolve para reduzir o desmatamento e como reflorestar a Amazônia”.

Em seu discurso, Duque destacou ainda a importância de envolver nas ações de preservação as comunidades locais para ajudarem na conservação desse “tesouro”. Duque disse ainda que há “diferentes inimigos” da preservação, como a mineração ilegal, os cultivos ilícitos de coca e a expansão ilegal das fronteiras agrícolas. Citou, ainda, o avanço da pecuária e a indústria madeireira ilegal.

Duque também disse que no primeiro ano de seu governo foi possível reduzir o desmatamento em 17% e que a meta é plantar 180 milhões de novas árvores até o ano de 2022.

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Valentia não assusta

Vera Magalhães

25/09/2019

 

 

Jair Bolsonaro e Donald Trump até pareciam ter ensaiado os discursos que fizeram na Assembleia-Geral da ONU. A expressão usada por Marina Silva foi precisa ao estabelecer a analogia com a ordem dos pratos em um banquete global: o presidente brasileiro foi o couvert arrematado depois por uma refeição pesada do ídolo norte-americano.

Bem fará Bolsonaro se, além de emular a retórica tão histriônica quanto vazia de Trump ao bradar contra o fantasma do socialismo e contra o tal globalismo, observar que nem tudo são flores na relação do presidente dos Estados Unidos com as instituições. O que mostra que, numa democracia, não adianta impostar a voz e falar grosso, porque o sistema de freios e contrapesos trata de equalizar as falas e as ações quando elas se desviam – ou mesmo dão indícios de que podem ter se desviado – dos preceitos legais e constitucionais.

Em plena campanha à reeleição, Trump se vê às voltas com os primeiros passos para a abertura de um processo de impeachment contra si. Sim, o processo foi iniciado pela democrata Nancy Pelosi, adversária de Trump. Sim, existe a possibilidade de que o processo não progrida. E também é verdade que existe um eleitorado fiel ao republicano e indiferente a essas vicissitudes.

Mas a reação da Câmara dos Representantes mostra o vigor da democracia dos Estados Unidos mesmo em tempos de radicalização política, em que o presidente se move no tabuleiro internacional com a sutileza de um elefante numa loja de cristais, declarando guerra comercial à China e estabelecendo relações suspeitas com a Rússia e a Ucrânia, para ficar apenas em alguns exemplos.

Ao dobrar a aposta no tom de confronto em sua fala na ONU, Bolsonaro se mira em Trump e demonstra ter a ilusão de que está em condições de cantar de galo perante o mundo. Montado numa economia pujante, ancorado numa situação de pleno emprego e sendo a maior potência política e militar do mundo, Trump pode até fazer isso, e ainda assim enfrentando reações como a que agora assistimos. O “bom homem” que insiste em bajulá-lo, não.

Bolsonaro fala em “democracia ocidental” e enxerga apenas os Estados Unidos, se esquecendo de que a Europa é um parceiro importante do Brasil, com o qual o Mercosul acaba de selar um acordo que ainda precisa de chancela do parlamento europeu e dos Congressos dos países sul-americanos.

A ironia e a forma desrespeitosa com que tratou parceiros europeus podem cobrar um preço do Brasil nos próximos passos dessas tratativas multilaterais e também levar fundos europeus e compradores das commodities brasileiras a reavaliarem investimentos e negócios com o País. Era esse tipo de temor que demonstravam gestores de fundos, analistas de bancos e gestores de empresas brasileiros ontem depois da ressaca da fala passadista de Bolsonaro na ONU.

Não é só Trump que deve servir de exemplo a Bolsonaro de que nem só de retórica inflamada e cabelos desalinhados prospera um político da direita populista. Boris Johnson mal foi alçado a primeiro-ministro da Inglaterra e achou que podia fechar o Parlamento e fazer o Brexit na marra. A Suprema Corte britânica tratou de lhe mostrar, por unanimidade de seus 12 integrantes, que não é assim que a banda toca.

Em sua fala, Bolsonaro deixa subjacente uma crença que o acompanha desde que venceu a eleição: a de que o Brasil subitamente virou um País evangélico, conservador ao extremo, de direita e disposto a tudo contra o espantalho do comunismo. Isso é uma fantasia que já soa cafona para os convertidos das redes sociais.

Dito em voz alta perante o mundo, e tendo como contraponto a realidade enfrentada por outros experts em narrativas rocambolescas, esse blablablá soa ainda mais ridículo.